CPI da Covid

Esquivando-se de responsabilizar Bolsonaro, Teich centra críticas em autonomia

Jornal GGN – “Eu percebi, e não precisava de um longo período para isso, que eu não teria a autonomia para conduzir o Ministério”. Assim o ex-ministro Nelson Teich descreveu aos senadores da CPI da Covid sobre as suas divergências com o presidente da República, Jair Bolsonaro, no manejo da pandemia no país. Mas de maneira amistosa e sem criticá-lo diretamente, Teich esquivou-se de muitas perguntas e abrandou a responsabilidade do mandatário.

Logo no início da audiência, o ministro fez uma breve introdução resumindo alguns pontos do que viria a ser abordado ao longo do dia. Defendendo-se de que seu “compromisso é com a própria biografia”, lembrou seu currículo de formação e gestão em saúde, sua atuação durante a campanha eleitoral de Jair Bolsonaro nos planos de governo e, imediatamente, amenizou a responsabilidade do presidente: “é importante frisar que as deficiências do sistema de saúde brasileiro são históricas”.

Com essas palavras, Teich disse que o sistema de saúde do país “não está preparado para uma sobrecarga aguda tão grande”. “Difícil imaginar que fosse possível criar um sistema eficiente da noite para o dia, ninguém consegue se preparar da noite para o dia”, afirmou, indicando o tom que sustentaria nas próximas horas, de não responsabilizar diretamente Jair Bolsonaro pelo colapso atual.

Assim, ao contrário da postura adotada pelo seu antecessor na pasta, Luis Mandetta, que criticou Bolsonaro na CPI da Covid nesta terça (04), Teich manteve suas respostas técnicas, frias e cuidadosamente selecionadas para não impactar em responsabilizações, que são o objetivo da Comissão no Senado.

Esquivando-se das perguntas mais diretas, como as do relator da Comissão, o senador Renan Calheiros (MDB-AL), que questionou quais de suas ações à frente do Ministério foram descontinuadas após deixar o governo, o ex-ministro usava justificativas para não responder: “A minha preocupação é falar de uma forma superficial de problemas complexos. Não é questão de não me comprometer, mas falar sem conhecimento. Minha condução é técnica, informação de qualidade. Eu realmente não me coloco de forma superficial para falar de tema complexo.”

Em momentos, entrou em contradição ao afirmar que não havia discussão ou tentativa de interferência do mandatário nas decisões da Saúde, mas que ele interviu na sua autonomia. “A única coisa que tinha uma discussão era sobre a cloroquina, nunca teve uma coisa específica sobre tentar interferir no que eu fazia”, disse, declarando momentos depois: “Mas eu percebi ao longo do período, e não precisava de um longo período para isso, que eu não teria a autonomia para conduzir [o Ministério da Saúde]”.

“Cloroquina foi fator determinante”

Como esperado, ao tratar sobre a sua saída, permanecendo somente 29 dias no cargo, do dia 17 de abril ao dia 15 de maio, a única crítica realizada foi a de sentir que havia perdido a sua autonomia, quando o mandatário começou a atuar para espandir a aquisição e produção da Cloroquina, remédio sem eficácia comprovada contra a Covid-19.

Admitiu, como já havia feito à época, que teve “divergências com o governo quanto à eficácia da cloroquina”. “Existia um entendimento diferente [entre ele e o presidente da República]. Sem liberdade para manter minhas convicções, optei por deixar o cargo”, narrou.

O relator da Comissão e o vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), foram mais incisivos no tema. Calheiros narrou o aumento da produção do medicamento pelo laboratório do Exército durante o período que Teich comandava a pasta. “Se aconteceu alguma coisa eu não sabia, estava fora do meu conhecimento”, esquivou-se.

Renan Calheiros perguntou se ele não tinha conhecimento disso, quem teria determinado o aumento da produção do remédio sem eficácia pelo laboratório do Exército, mas Nelson Teich disse não saber. Alegando que as funções da pasta, no momento que ingressou, eram “extremamente intensas”, afirmou que “não foi consultado” sobre essa produção. “Não passava pela minha orientação, do que eu vivi naquele período, a gente nem falava em cloroquina”, continuou.

Perguntado, então, sobre o que ele achava disso, respondeu: “É uma conduta tecnicamente inadequada”.

“Eu até vou explicar isso, não é para a cloroquina, mas para qualquer medicamento. Eu recomendava na época que tivesse que ser feito [o teste de eficácia] através de estudo clínico, porque as pessoas são controladas de perto, os pacientes são acompanhados muito de perto. Os estudos nos hospitais eram o mais seguro, quando você extrapola isso para o ambulatório, esse nível de cuidado não é acompanhado e tem um problema prático. No recrutamento em estudo clínico, as pessoas com maior risco são excluídas”, alertou.

Opondo-se à recomendação do uso da cloroquina, como feita de maneira repetitiva pelo presidente, Teich alertou sobre a gravidade sanitária da medida: “é um medicamento que tem efeitos colaterais, de risco. Na verdade, ali o problema era não ter dados concretos do benefício, essencialmente a preocupação do uso indevido, e não vale só para cloroquina, mas para qualquer medicamento, por isso é muito mais uma discussão de condução do que do remédio especificamente”.

Indicando que a atuação com a cloroquina foi só um exemplo do que poderia ocorrer em seguida, justificou a sua saída: “a cloroquina foi o fator determinante, o problema maior era a falta de autonomia. Na minha função, como ministro, tendo autonomia, obviamente teria que trabalhar o isolamento social, a minha postura seria para a sociedade, a ideia é que tivesse um programa nacional, uma conduta homogênea”, agregou.

Vacina: “preocupação era entrar no circuito de desenvolvimento”

Outro tema amplamente debatido na sessão foi a atuação do então ministro ao trazer para o Brasil os primeiros estudos clínicos de vacinas que seriam produzidas a nível mundial, o que não teve continuidade e sucesso. Nelson Teich narrou como ele articulou junto a laboratórios internacionais, mas não comentou sobre o que ocorreu após a sua saída do cargo.

Listando parte de suas atuações em 29 dias, falou sobre o protocolo de revisão de diagnótico e tratamento, visitas as cidades, diálogos com estados e municípios e as primeiras conversas relativas ao imunizante. Novamente sem responsabilizar diretamente Bolsonaro ou seu sucessor ao Ministério, Eduardo Pazuello, disse: “Minha passagem foi curta, não pude dar desenvolvimento a esses projetos”.

Afirmou que, em abril do ano passado, as comunicações foram feitas com a Universidade de Oxford, para a AstraZeneca, a Janssen, da Johnson & Johnson e a farmacêutica Moderna, sendo a primeira a que mais avançou para trazer ao país os estudos clínicos. “No meu período não tinha uma vacina sendo comercializada, era o começo do processo, e foi quando eu trouxe a vacina da AstraZeneca para o estudo ser realizada no Brasil, na expectativa de que trazendo o estudo, facilitasse a compra futura”, afirmou.

“Na época, minha preocupação era que a gente entrasse no circuito de desenvolvimento”, arrebatou.

“Criou-se incompatibilidade entre economia e saúde”

Também entrou para o rol de críticas indiretas de Teich ao governo federal o movimento orquestrado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, e assumido pelo presidente de que medidas sanitárias de isolamento social afetariam a economia e, assim, era preciso escolher entre saúde ou economia.

“Economia e saúde não são coisas distintas, quero explicar o porquê, quando se avalia o nível de saúde da sociedade, entram como determinantes sociais da saúde a economia, a educação, onde a pessoa mora, uma série de coisas, até umas decadas atrás a educação era principal fator de saúde para a sociedade. Mas a economia foi tratada como dinheiro e empresas, e saúde como mortes, mas na verdade estamos falando de gente.”

Em seguida, argumentou que “é muito difícil comparar os dois impactos”, medindo o quanto a proteção às vidas impacta posteriormente na economia, que impacta posteriormente em saúde. “Não estamos falando de distanciamento de economia, mas da saúde das pessoas”, criticou sobre a “incompatibilidade entre ambos” criada nos discursos do governo Bolsonaro.

“A morte está acontecendo agora, tem que atuar agudamente nisso. Já coisas que vão afetar as pessoas, é dificil de se medir. Eu sempre tentei trazer isso, quando eu falava em economia, eu falava em pessoas, não dinheiro e empresas”, completou.

Acompanhe ao depoimento de Nelson Teich aqui:

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

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