“O Brasil poderia ter sido o primeiro do mundo a começar a vacinação”

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Em dezembro de 2020, o Instituto Butantan detinha todas as doses já aplicadas no mundo estocadas e quase o dobro em produção, "mas sem contrato com o Ministério da Saúde", disse Dimas Covas à CPI da Covid

Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado

Jornal GGN – “O Brasil poderia ter sido o primeiro país do mundo a começar a vacinação”, afirmou o diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, à CPI da Covid no Senado, nesta quinta (27).

Ao contextualizar o histórico de produção, parcerias com a China, dificuldade e investimentos financeiros, Covas declarou que, em dezembro de 2020, quando as primeiras vacinações começaram, “o mundo inteiro tinha aplicado pouco mais de 4 milhões de doses”. “Nós tínhamos todas essas doses sem contrato com o Ministério”, afirmou.

Isso porque a parceria do Instituto Butantan com o laboratório da China, com os primeiros gestos por parte do laboratório brasileiro articulados junto ao país ainda em abril de 2020, geraram a produção de mais de 5,5 milhões de doses prontas, estocadas, em dezembro e outras 4 milhões sendo processadas naquele mês. “Ou seja, quase 10 milhões de doses prontas em dezembro”, calculou Covas.

Os números trazem a dimensão do impacto do atraso direto do presidente Jair Bolsonaro na aquisição e contratação junto ao Butantan, que já havia fechado parceria com o imunizante chinês.

Governo negou 60 milhões de doses que chegariam até dezembro

Dimas Covas contou que ainda em abril de 2020, a Sinovac detinha a vacina mais desenvolvida no mundo, que já estava inclusive pronta. O Butantan entrou com uma parceria de co-desenvolvimento, ou seja, o Brasil forneceria toda a tecnologia, know-how do Instituto Butantan, somados aos voluntários brasileiros com Covid-19, para permitir à China realizar os estudos de grande proporção no Brasil, com 12 mil pariticipantes, e junto aos 16 centros do Butantan no país.

“Em julho, fizemos a primeira oferta de vacinas ao Ministério da Saúde, no dia 30 de julho, encaminhei um ofício e entre os considerandos, ofertamos, naquele momento, 60 milhões de doses, que poderiam ser entregues no último trimestre de 2020”, narrou.

Governo negou investir no desenvolvimento da vacina

Juntamente com a oferta de milhões de doses, ainda em julho do ano passado, sem retorno do governo Bolsonaro, o Instituto Butantan necessitava de apoio financeiro para a continuidade das pesquisas e desenvolvimento da vacina, mas a negativa do governo também foi para o investimento na produção do imunizante no país.

“Pouquinho depois, como não houve resposta efetiva, reforçamos o ofício. E em agosto solicitamos apoio financeiro ao Ministério para apoiar o estudo clínico. Tínhamos uma previsão de gastar cerca R$ 60 milhões, para suportar esses gastos e para reformar uma fábrica. Porque no nosso acordo [com a China], iríamos receber primeiro as vacinas, depois a matéria prima e depois produzir integralmente. Solicitei recursos de 80 milhões para apoio a essa iniciativa. Todas essas iniciativas não tiveram resposta positiva”,

Covas explicou que o Instituto Butantan insistiu no apoio do governo brasileiro à fabricação, solicitando também um equipamento para instalar em uma fábrica multipropósito do Instituto, que serviria para essa produção das vacinas, e disse que, em outubro de 2020, o então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, deu uma “sinalização muito positiva de que a vacina poderia ser, sim, incorporada ao PNI [Plano Nacional de Imunização]”.

Governo negou outras 100 milhões de doses

A segunda negativa ocorreu, então, com a proposta oferecida no dia 7 de outubro pelo Butantan ao Ministério da Saúde, com um total 100 milhões de doses, sendo 45 milhões entregues até dezembro de 2020 e outras 15 milhões em fevereiro de 2021.

Segundo o diretor do Instituto, as negociações pareciam avançar para essa oferta. “Houve, de fato, sinal de que poderíamos evoluir, com a possibilidade de existir uma Medida Provisória para atender a esses pleitos, discutindo com os técnicos do Ministério, como seria a provisão de recursos para esses atendimentos. Aparentemente todo estava indo bem.”

Covas lembrou que chegou a ser convidado por Pazuello, durante uma reunião no dia 20 de outubro, para a cerimônia na pasta onde seria anunciada a vacina do Butantan como “a vacina do Brasil”, quando o Ministério aceitou receber 46 milhões de doses da vacina, já em novo calendário, até fevereiro de 2021. “A partir desse ponto, é notório que houve uma inflexão.”

O executivo conta que, no dia seguinte à reunião com Pazuello, governadores e parlamentares, para a aquisição das 46 milhões de doses, “achávamos que teríamos resolvido parte desse problema”, mas que, na manhã seguinte, “infelizmente essas conversas não prosseguiram, porque houve, sim, uma manifestação do presidente da República dizendo que a vacina não seria incorporada, que não haveria o progresso”.

Incerteza se a ‘vacina brasileira’ seria incorporada ao PNI

Dimas Covas explicou que, apesar da frustração, os trabalhos do Instituo seguiram, fechando acordo com 17 estados e alguns municípios, que acordaram termos de intenção de aquisição do imunizante, além do próprio governo do estado de São Paulo. “Naquele momento, trabalhávamos naquela hipótese, se não houvesse a incorporação do PNI – essa sempre foi a história do Butantan, era um pouco inusitado ter uma vacina não incorporada ao PNI – , até esse momento o Butantan custeava todas as despesas, com essa pressão muito grande dos estados e municípios.”

A incerteza se que o governo federal iria, ou não, contratar a vacina com o Butantan seguiu até no fechamento final do contrato, já em fevereiro deste ano. Covas relatou que, em meio às dificuldades financeiras e ao descrédito do governo federal, a regulamentação por parte da Anvisa também atrasou, o que ocorreu somente em dezembro. “Poderíamos ter começado antes, sem dúvida, se tivesse um trabalho de todos esses atores.”

Última oferta, mais dificuldades

O diretor do Butantan indicou que o presidente Jair Bolsonaro somente aceitou fechar contrato para a compra da CoronaVac quando as outras tentativas junto a outros laboratórios internacionais apresentaram dificuldades. Uma nova oferta foi feita, então, no dia 6 de janeiro, “já com um cronograma diferente”. Isso porque, aquela altura, “a Sinovac já tinha outros compromissos, era possível o fornecimento de 100 milhões, não mais até maio, estamos falando de agosto, setembro”.

E a primeira versão do contrato ocorreu com novos obstáculos. Isso porque o governo não aceitou 100 milhões de doses, mas 46 milhões. Ao chegar a versão do documento, o Ministério indicava querer adquirir as 100 milhões de ampolas. Ainda, uma cláusula levou a uma nova discussão, de exclusividade junto ao Ministério da Saúde, o que interferia o contrato fechado pelo Butantan com a China, de que seria o Brasil o fornecedor do imunizante para a América Latina. O Instituto teve que modificar, então, o acordo com a China para fechar parceria com o próprio Brasil.

Após receber a última versão do acordo com o Ministério da Saúde, as “100 milhões de doses sumiram” e, no lugar, o objetivo de adquirir somente 46 milhões de doses. “No final de janeiro, falamos: ‘e o opcional de 54 milhões? Já nao podemos falar de vacinas até setembro. E aí, no dia 12 de fevereiro, o Ministério fez o contrato com o adicional.

“Esses são os fatos, eu trouxe os documentos. Não tem aqui interpretação, isso está no papel”, concluiu Covas.


Assista ao depoimento de Dimas Covas à CPI da Covid:

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

1 Comentário

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  1. Se fosse pelo desgoverno bozo ninguém teria sido vacinado no Brasil até hoje.
    Este energúmeno só se mexeu por causa da coronavac conseguida pelo DÓRIA.
    Só um país de MERDA como o Brasil mantém um completo estúpido na presidência.

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