A “roleta russa” da água no Estado de São Paulo, por Bill

Há um ano aqui no blog apresentei alguns cenários da situação do sistema Cantareira em função da intensidade das chuvas dos doze meses seguintes. O gráfico elaborado à época foi o da figura abaixo.

Observem no gráfico que a simulação indicava que seria preciso chover pelo menos 120% da média histórica para que o Cantareira permanecesse, em 01/09/2015, com a mesma quantidade de água que tinha em 01/09/2014.

Segundo dados da Sabesp, choveu 1.320 mm nos últimos 12 meses, o que corresponde a 85% da média histórica de 1.560 mm anuais e, como previsto nas simulações feitas, o Cantareira está com menos água do que tinha há um ano atrás. O índice atual é de 13,7% negativos em relação ao volume útil do sistema, bem próximo do que havia sido previsto.

Em 01/09/2014 o sistema equivalente do Cantareira estocava 205 bilhões de litros de água (hm3) passíveis de uso (considerando volume morto 1 e 2). Hoje temos apenas 152 hm3 disponíveis, ou seja, o Cantareira está 26% mais “seco” do que estava nesta mesma época do ano passado.

O maior reservatório do sistema, o Jacareí, está com seu nível d’água 5,75 m mais baixo do que se encontrava há um ano (cota de 816,81m em 01/set/14 e cota de 811,06m em 01/set/2015). O estoque atual de água só foi alcançado em 15/out do ano passado, ou seja, estamos com um déficit de 45 dias na quantidade de água armazenada no Cantareira em relação à mesma época de 2014.

O sistema Alto Tiete está numa situação ainda mais crítica. Um ano atrás tinha 135 bilhões de litros de água (hm3) passíveis de uso (considerando o volume morto do Ponte Nova e Biritiba incorporados ao final de 2014). Hoje o Alto Tietê está com 79 hm3, ou seja, encontra-se 41% mais seco que no início de setembro de 2014.  

Seu maior reservatório, o Ponte Nova, está com o nível d’água 5,70 m mais baixo do que de um ano atrás (cota de 758,97m em 01/set/14 e cota 753,24m em 01/set/2015). O estoque atual de água só foi alcançado em 31/out do ano passado, ou seja, estamos com um déficit de 60 dias na quantidade de água armazenada no Alto Tietê em relação ao mesmo período de 2014.     

Mesmo se considerarmos a soma dos reservatórios de todos os sistemas de abastecimento da RMSP, o estoque de água diminuiu em 17% de 1 ano para cá, conforme tabela abaixo.

Da capacidade total de armazenamento de água dos reservatórios da grande São Paulo, de 2.143 hm3, restam apenas 454 hm3. Durante o mês de agosto houve um consumo de 83 hm3. Mantido esse déficit ao longo dos próximos 3 meses, historicamente de pouca afluência nos mananciais, serão consumidos, antes do início das “chuvas de verão”, mais de 50% da água que ainda resta nos reservatórios. A situação está mais crítica que a do ano passado, e tende a piorar, especialmente no sistema Alto Tietê.

O bombeamento do Rio Grande para o Alto Tiete – a ser inaugurado em setembro segundo tem sido noticiado – visa dar sobrevida ao sistema Alto Tietê até janeiro e fevereiro de 2016, período tradicionalmente chuvoso pois, caso contrário, mantida a vazão de retirada atual, ele secaria em dezembro/15. Mas é, claramente, um paliativo pois não incorpora novas fontes de água aos sistemas da grande São Paulo, apenas transforma o “volume vivo” do reservatório do Rio Grande em mais um “volume morto” para o Alto Tiete.

Ao longo de 2014 obras emergenciais viabilizaram a incorporação de 280 hm3 do volume morto do Cantareira e 50 hm3 do Alto Tiete, e adiaram o problema. No início de 2015 as elevadíssimas chuvas de fevereiro e março evitaram o caos e o desabastecimento generalizado. Mesmo com a Sabesp tendo diminuido a produção de água após as eleições – de 70 m3/s (em 2013) para os atuais 50 m3/s – os reservatórios do Cantareira e do Alto Tietê não estão se recuperando.

Essa redução no fornecimento de água foi possível em razão da institucionalização da “redução de pressão” em toda a grande São Paulo o que, por sua vez, viabilizou a administração da escassez de água sem lançar mão do racionamento tradicional de 5 x 2 ou 5 x 1. Mas é impensável adiar, ainda mais, o início de soluções planejadas e de longo prazo.

As opções para continuar ludibriando a população se esgotaram. Não há mais coelhos para se tirar da cartola no curto prazo sem um custo social altíssimo. Utilizar o volume morto III do Cantareira e faze-lo secar por completo? Bombear a água da poluída Billings para o Rio Grande e, deste, para o Alto Tietê, comprometendo a saúde da população? Estas são as possibilidades emergenciais que restaram.  

Reafirmo o que disse há um ano neste espaço: “o abastecimento de água da RMSP para os próximos anos está por conta de São Pedro”. Estão brincando de “roleta russa” com a água de 20 milhões de pessoas. Se chover, teremos água. Se não chover….

Redação

15 Comentários

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  1. E-da-í?!
    Saúdo o esforço

    E-da-í?!

    Saúdo o esforço mas… Entendam: é por tudo isso que é necessário sacrificar o bode expiatório. É por isso que é tão necessário pinttar um diabo bem feio, pra poder justificar tudo e qualquer coisa. Essa oposição jjá deu todas as provas de incompetência, boçalidade e irresponsabilidade. Só um Cândido pra se recusar a ver que já passaram do ponto de retorno há muito

  2. Há uma afirmação fantástica.

    Devido ao desconhecimento de parte da população do que representam volumes precipitados, uma afirmação deste texto não chama a atenção da maioria das pessoas:

    “Segundo dados da Sabesp, choveu 1.320 mm nos últimos 12 meses, o que corresponde a 85% da média histórica de 1.560 mm anuais…”

    1320mm em 12 meses e com esta precipitação faltar água é um dos absurdos dos absurdos da incúria, incapacidade, safadeza e outros qualificativos do governo do Estado de São Paulo.

    Na seca da Califórnia choveu num ano (2013) 140mm, e no seguinte (2014) 90mm, se tivesse chovido a metade do que choveu em São Paulo, ou seja, 660mm a Califórnia estaria em estado de emergência devido as cheias.

    É uma COMPLETA, TOTAL, ABSOLUTA imprevisão do Governo do Estado, pois 1320mm é muita água.

    1. Além de faltar água, 15 anos para construir uma Est.de Metrô.

      RDMaestri, para o povo ter noção, l.320 mm d’água significam uma enchente de um metro de 32 centímetros cobrindo toda a área metropolitana. Como disse você, é um oceano de água.

    2. Pra quem ve de fora, eh um

      Pra quem ve de fora, eh um paradoxo faltar agua numa cidade cortada por rios, como tiete, pinheiros, tamanduatei, etc. 

      Ex. As aguas do rio reno, que nasce na suica, faz divisa de franca e alemanha e cruza holanda antes de chegar ao mar, tem suas aguas retiradas, consumidas, tratadas e devolvidas ao rio pelo menos umas 4x ao longo de seu percurso.

      O abastecimento da basileia, ainda na suica, eh feito ca. 70% via rio reno. Hoje suas bombas estao super dimensionadas pois o consumo dos ultimos 40anos caiu em 20-30%. Um dos motivos. Valvula de descarga c 2 botoes e reducao de vazamento na rede de distribuicao.

  3. Impeachment do Chuchu?

    Será que veremos esses grupos que pediam o impedimento da Dilma pedir para o Alckmin? 

    Será que a Globo mostrará as “manifestações de democracia” como fez quando era contra o PT?

    Acho que estão tranquilos, afinal o exército já havia feito treinamento para conter o povo. 

    1. Link do Exercicio do Exército na Sabesp em SP/SP

      Este assunto não foi muito noticiado ( como sempre ) à época :

      Exército simula ocupar a Sabesp em caso de crise.

      http://brasil.elpais.com/brasil/2015/05/27/politica/1432728524_009010.html

       

      Crise Hídrica e caos social em SP entram na pauta do Exército

      http://brasil.elpais.com/brasil/2015/05/04/politica/1430776573_453561.html

      E pensar que o Cantareira é obra de Paulo Maluf. De seu governo até hoje qual foi a grande mudança ou grande obra da Sabesp ?

      Não sou malufista, mas a metrópole e cidades adjacentes se baseiam basicamente numa obra realizada a 30 anos. Alguém dormiu no ponto, seja por imperícia ou negligência. Não creio em imperícia ou falta de capacidade dos funcionários da Sabesp ou mesmo do Governo.

  4. O Sertão vai virar mar, o mar, o mar..vado Alckmin.

    Obrigado, Bill, excelente e muito esclarecedor seu comentário. Aliás, todos os especialistas na área apontavam resultados semelhantes aos seus. Apenas uma dúvida técnica: “hm3” é alguma nomenclatura ou problema do editor de textos para metros cúbicos? Aqui nos comentários só posso grafar m3, não consigo fazer o “3” virar expoente.

  5. “roleta russa”

    É uma situação complicada e ao mesmo tempo cômica. Quem não se lembra do estardalhaço que a Mídia e a Elite paulistana fez, culpando a prefeita Marta Suplicy pela enchente de alguns bairros da capital?

     Agora é o contrário: não chove, não tem enchente e pior, não tem água! O que dizem a Mídia e a Elite paulistana da falta de água e do governo Alckmin?

  6. Pau de Arara

    Já estou vendo a migração de empresas e pessoas para outros estados. Parabéns ao incompetente, irresponsável e mal-caráter Alckmin.

    Sem esquecer também de dar os mais sinceros parabéns ao eleitores paulistas que votaram no chuchu e ainda o defendem.

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