A universidade pública na encruzilhada, por Roberto Kraenkel

A universidade pública na encruzilhada

por Roberto Kraenkel

A universidade pública está sob ataque. Há a troika TCU/CGU/PF, com suas ações espetaculares, de intimidação, gerando insegurança no meio acadêmico e perseguindo dirigentes e professores. Aliado, no mais das vezes, à troika está o Ministério Público, com sua lógica tortuosa que criminaliza qualquer ato banal.  Por outro lado, há o corte de verbas e o chamado para a sustentação da universidade através de parcerias privadas, o que levaria a uma privatização ‘que não diz seu nome’.

Mais: em meio à guerrilha cultural, há os grupos de extrema-direita querendo impor um moralismo retrógrado à comunidade acadêmica, valendo-se, se necessário,  de táticas de coação psíquica e corporal violentas.

Lamentavelmente, parte do professorado comporta-se como verdadeira quinta-coluna destes outros setores e busca, sob a desculpa da valorização do mérito, tornar a universidade um espaço mais autoritário, no qual amplos setores deixariam de ter voz.

Há uma pletora de pretextos, como o combate à corrupção, a estabilidade financeira, a melhoria do ensino, a aproximação com o mercado, para dar algum ar de dignidade a intenções nada dignas. Desacreditar a universidade pública está na pauta reacionária.

É de se perguntar por que a universidade pública incomoda estes setores de direita? Mas, de fato, isso não surpreende. Tome-se o caso dos tribunais de contas. Sempre houve tensão com as universidades, posto que estas tendem a querer flexibilidade para funcionar bem. Frise-se: flexibilidade é algo bom. Tribunais de contas tem a mentalidade, óbvia, dos contadores. Nada mais interessa-lhes além da planilha, do encontro de contas, do carimbo da cor certa na página certa. E pode-se, sempre, encontrar algum erro administrativo, contábil, um deslize, para o gozo do Savonarola contábil.

Como na ária de Bartolo, nas Bodas de Fígaro, de Mozart:

Se tutto il codice dovessi volgere,

Se tutto l’indice dovessi leggere,

Con un equivoco, con un sinonimo,

Qualche garbuglio si troverà.   

A relação com o Ministério Público é pior ainda. A sanha regulatória é tal que iniciativas louváveis das universidades são prejudicadas, quando não inviabilizadas. O Ministério Público tornou-se inimigo do bom funcionamento das universidades públicas. É para ele que se deve apontar o dedo. Há pouco tempo, um dos gorilões direitistas da USP publicou um artigo num jornalão paulista dizendo que o problema da USP (que parece ser a única universidade que importa para o grand singe) eram os sindicatos. Errado. Mas o que esperar de um colaboracionista?

Sobre a polícia, não perderei meu tempo. Todos conhecem sua ética: matariam um inocente pela causa maior do poder da ordem.  A ordem dos cemitérios.

Estas tensões sempre existiram, mas hoje se condensam numa espécie de fervor.  Com o clima de guerra cultural instalado, a direita fascista, sobre ombros de nanicos, ataca um dos lugares mais simbólicos da liberdade e da solidariedade. Apesar de muitas imperfeições, apesar das estruturas autoritárias, apesar de todos pesares, a universidade pública é ainda um locus de discussão, de controvérsia, de irreverência e criatividade. Apesar dos gorilões, apesar dos gorilinhas,  apesar dos templários da gerência neoliberal, há vida na universidade pública brasileira. Há o brilho, fascinado pelo saber, nos olhos do estudante que recém descobre a vida adulta. É isto que os inimigos, externos e internos, combatem. 

É isso que devemos defender: uma universidade pública de qualidade, solidária e livre.

A guerra está declarada.  

Redação

14 Comentários

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  1. Tudo isso é verdade… Mas

    Tudo isso é verdade… Mas devo lembrar que a grande maioria dos estudantes de universidades públicas provém da abominável classe média que odeia a esquerda, e seus professores com salários exorbitantes, também em grande maioria (conheço alguns pessoalmente), apoiaram o impeachment ilegal de Dilma.

    Temos que abrir os olhos: as universidades públicas são também parte da direita (embora em menor grau). Não tenho certeza, mas poderia apostar que a maioria esmagadora dos juízes nazistas que hoje compõem nosso judiciário estudaram em universidades públicas.

    Caso as universidades públicas sejam privatizadas, tanto os estudantes quanto os professores fascistóides irão sofrer na carne o efeito de sua ignorância política*. Repito o que tenho falado a tempos: este é um exemplo perfeito de karma em ação. Causa e efeito.

     

    *E os pobres? No Brasil, pobre nunca deixa de sofrer.

    1. Aviso aos navegantes: troll no pedaço

      É MENTIRA que os professores apoiaram, em maioria, o impeachment. Algumas das poucas manifestaçoes contra ele vieram das universidades. Esse tipo de comentário faz parte da “guerrilha discursiva” que o novo tipo de trolls é pago para travar na rede. E salários exorbitantes dos professores? Claro que bem maiores que o salário mínimo, mas um professor de Medicina, com doutorado e tudo, ganha menos que um dos médicos que ele forma… Um professor com Doutorado em início de carreira ganha menos do que A METADE de um procurador. idem.

    2. Salario exorbitante de professores universitários.???????

      Sem dúvida quem fala isto não sabe do que fala.  Apenas é mais um que fala de pobres, apenas quando é conveniente agir contra os próprios pobres. Algo assim como a Previdência , onde se fala de fim de privilégios, para privilegiar  o sistema financeiro, destruir o wellfare state etc…  Este é o tipo que vai falar que trabalho intermitente é para acabar com privilégios.

      Sem universidades publicas  o que se terá é apenas a ignorância. E quanto a ignorância política ela existe sim, mas o problema não é a universidade publica,  o problema é a sociedade onde esta universidade publica está.   E que tal falarmos de fato sobre o que a Universidade faz e gera no país. Que tal falarmos dos seus pensadores, dos seus cientistas, dos seus educadores, dos seus tecnólogos etc….. Se a universidade gerou em suas entranhas alguns fascistas, e se estes tem agora poder, ela gerou e continua gerando muito mais do que isto e sem ela não temos sequer futuro.

       

       

    1. Nao vem se calando nao.

      Das poucas manifestaçoes contra o impedimento de Dilma, uma grande parte, talvez a maioria, veio das universidades. George, vc nao é troll. Nao ajude o trabalho deles…

      1. Sim e não…

        Minha Lúcida amiga, concordo contigo, os setores universitários da sociedade emitiram muitas notas de repúdio ao golpeachment, e muitos eventos foram organizados para analisar os acontecimentos, as forças políticas envolvidas, assim como muitos livros versando sobre o golpe foram lançados.

        No entanto…

        De uns tempos pra cá é notável que alguma mudança ocorreu na base da universidade (estudantes, funcionários, e até professores), uma mudança que ainda não compreendo de todo. Não posso falar de todas as universidades, mas das que conheço. A impressão é que os alunos estão muito desarticulados (não necessariamente despolitizados), impotentes para se organizar de maneira efetiva, para juntar forças. Os funcionários também parecem isolar os sindicalizados, enfraquecendo a luta da classe. No governo Dilma 1 ocorreram muitas greves de universidades (pauta principal: reajuste salarial), mas desde o golpe não fiquei sabendo de nenhuma. A situação realmente sugere um quadro de inação, imobilismo. Quanto às causas, admito que fogem ao meu conhecimento. Um abraço digital!

        1. Quanto a greves, vc está se esquecendo de algo…

          É ILEGAL fazer greves por motivos políticos; os salários seriam cortados em 2 dias, e a greve nao se manteria. Por mais que protestem contra o impedimento, as universidades nao podem fazer greve por isso, até porque nao haveria nenhuma exigência razoável a pedir (um pouco de realismo faz falta, né?). Estao ocorrendo greves sim, mas por motivos salariais. Vc já ouviu falar da UERJ? Está em greve há meses, e isso apenas 3 meses depois de uma outra greve enorme tb.

        2. Sem falar nas mágicas 4

          Sem falar nas mágicas 4 letras: PSOL. A dissidência acadêmica de homens e mulheres de bem, saida do PT, e que tem belíssimos postos de destaque (muitos deles merecidos) nas universidades públicas. E, como todos sabemos, a principal função do PSOL é atacar o PT,.

    1. E daí cara pálida? Quer só criar sentimento contra?

      Praticamente só depois dos governos Lula há gente formada em nível superior em número razoável. Se vc chama de “elite” todo mundo de classe média B, o que diz é válido p/ médicos, advogados, engenheiros, juristas e até professores (bem menos, porque há muito tempo quem pode escolher nao escolhe mais a carreira).

      Isso é um comentário típico do novo tipo de trolls, q simula ser de esquerda, mas só quer invalidar as denúncias feitas numa matéria; neste caso, criar sentimento contra as universidades, p/ fazer pouco do arbítrio sendo feito contra elas.

  2. Quando é que vcs acordarão? A
    Quando é que vcs acordarão? A universidade pública já foi privatizada por “cartórios” de nepotismo de professores há anos.
    Olhem os sobrenomes dos professores numa série histórica de 20 anos nas faculdades de odontologia em SP.
    Que tal?

  3. A estrutura sempre foi feita para não funcionar.

    Lá, na década de 90 do século passado aprendi algo que serviu para os próximos 25 anos de carreira acadêmica, a lógica dos controles burocráticos!

    O nosso Instituto fez uma ação de pesquisa em conjunto com a Marinha Brasileira, não me lembro exatamente dos detalhes do tipo e duração do convênio, pois para minha felicidade não participei dele, mas devia ser algo de duração plurianual.

    Terminado o convênio algum tempo após, ou seja, dois ou três anos, como já era previsto no convênio veio um oficial da marinha com o objetivo de verificar se as verbas foram devidamente aplicadas, principalmente no que se denomina “material permanente”. O oficial da marinha, como era a sua tarefa, prevista no convênio passou a verificar que todos os equipamentos adquiridos estavam devidamente colocados no patrimônio da União e não foram extraviados ou desviados. Ou seja, nada de surpreendente e fora dos princípios da boa gestão. Na época não só teclados de computador como os próprios mouses eram considerados como bem permanente (sem falar em placas de computador de todos os tipos).

    Porém o pior ocorreu que um grampeador foi colocado como material permanente. Num Instituto com na época quase 100 professores, um número equivalente de funcionários, e centenas de estagiários e bolsistas, alguém deve ter pego o tal grampeador e levado para outra sala (o Instituto tem quatro prédios de grande porte afastados entre o primeiro e o último em mais de meio quilômetro). Porém o nosso valente e rigoroso fiscal queria exatamente o mesmo grampeador que constava na nota de compra.

    Após uma longa e custosa busca em praticamente as dezenas de salas e olhando as centenas de armários, o raio do grampeador não foi localizado, o coordenador do projeto, um veterano professor, que já está falecido há mais de uma década, adotou a saída final, procurou no mercado da cidade um grampeador com a mesma marca e especificações, comprou o mesmo e apresentou ao eficiente fiscal!

    Depois de toda estas peripécias e outras que passaram com outros projetos a maioria dos professores preferem fazer pesquisas numéricas (isto é internacional) do que se dedicar a pesquisa experimental, pois simplesmente como não temos um corpo de funcionários técnicos de alto escalão como algumas grandes universidades norte-americanas, que se preocupam desde o contrato a apresentação de contas e assumem todo este imbróglio burocrático típico de QUALQUER país do mundo, coordenadores de projetos de grande porte devem simplesmente esquecer a sua trajetória acadêmica e juntando seus esforços com funcionários capazes se dedicar as sutilezas de toda a parafernália burocrática que é criada por TCU/CGU e mais outros órgãos de fiscalização.

    Qualquer chefe de pesquisa que envolva mais do que dez ou vinte componentes das mais diversas instâncias e não falando de pesquisas que envolvam mais do que cinquenta pessoas, tem que abandonar totalmente a pretensão de continuar um pesquisador, ou seja, o professor envolvido nesta tarefa jamais terá condições de levar adiante qualquer projeto pessoal que enriqueça seu currículo.

    A Universidade brasileira, salvo sofra uma imensa reestruturação, criando um staff burocrático de alto nível que se preocupe com as dezenas de órgãos de controle, não tem a mínima possibilidade de se dedicar a pesquisas que não seja a simulação numérica de equações já existentes. Porém, nenhum projeto atualmente, salvo projetos com participação privada permitem a contratação de funcionários burocráticos. Ou seja, para um professor que passou vinte ou mais anos pesquisando é um pouco difícil não cometer erros na administração de verbas públicas.

    Poderia falar sobre os absurdos que são pedidos nos projetos, como num projeto de longa duração, prever exatamente o que, e com o que será gasto o dinheiro ao nível dos centavos nos próximos cinco anos! Mas isto alongaria demais o comentário, mas poderia descrever os problemas que surgem ao longo do tempo.

    Só para acrescentar algo, estas auditorias aparecem muitas vezes com quase uma década após terminado o projeto.

  4. Muito bem Kraenkel um belo libelo

    Excelente texto e foi contundente, pois se vê que  gerou uma mobilização muito grande de  comentários estranhos e dúbios mas que nas entrelinhas desviam do ponto e contribuem para os que querem ver  a Universidade destruída. A  única arma que temos e sempre teremos é o conhecimento. Sem ele só a submissão. E sem a universidade só  há submissão. Pois não nos esqueçamos que os que querem a universidade destruida querem apenas o monopólio do conhecimento O acesso ao conhecimento  não é tudo, mas sem ele não temos nada.

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