Algumas considerações sobre o narcotráfico, por Hydra

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Algumas considerações sobre o narcotráfico

por Hydra

Referente ao post Xadrez do Brasil na era do narcotráfico

Faltou no primeiro infográfico o setor financeiro, sem ele a engrenagem internacional do tráfico de drogas não funcionaria…

Outro ponto que já comentei no outro post sobre o assunto: as redes de solidariedade do tráfico, pelo menos no Brasil, não estavam ligadas organicamente ao jogo do bicho, pelo menos não no início.

Na verdade, as redes de solidariedade ao tráfico estavam mais ligadas às estruturas pré-existentes e rudimentares, como os traficantes de maconha.

No resto da América Latina já havia redes de contrabandistas (Escobar é o melhor exemplo), e por aqui havia um tráfico incipiente de maconha, que com a chegada do produto de alta rentabilidade e valor agregado (cocaína), acabaram por se especializar nesse ramo.

Voltando ao setor financeiro, volto a afirmar: é por isso que a CPMF foi derrubada, com aquela patacoada da mídia contra a “altíssima carga tributária”. Esse chip tributário daria aos órgãos anti-lavagem um poder imenso de rastrear movimentações onde quer que fosse, com uma simples calculadora de bolso e regra de três.

Também foi menosprezada pelo autor um fator preponderante, sem o qual nenhuma estrutura organizada funciona: o Estado.

Não a corrupção dos agentes estatais, mas a participação do Estado como resultado de suas políticas públicas, ou seja, de sus escolhas.

As rotas relevantes internacionais e nacionais, aquelas que carregam volumes em nível de atacado (tubarões) não existem da forma precária imaginada.

Não.

Elas funcionam com o conhecimento de esferas importantes de controle nos portos, aeroportos e outros modais.

Foi justamente a desregulamentação (advinda da privatização) de portos, aeroportos, etc, que conferiu a possibilidade das redes de tráfico de atuarem livremente e em escala global.

Todo mundo que trabalha em aduana conhece os containers e o modelo green light, por exemplo.

As redes de contrabando e tráfico de pessoas/armas (bem mais antigas que as do tráfico) foram as principais privilegiadas com o processo de desmonte estatal, transformando as aduanas em terras de ninguém.

Portanto, a facilitação do tráfico de drogas foi resultado de uma escolha política, de uma ação de Estado, juridicamente sustentada, politicamente legitimada.

Faltou também ao autor considerar os mercados de bens de luxo, assim como o mercado imobiliário, artes, joias, veículos, coleções e leilões, grandes parceiros das redes de lavadores de dinheiro ilegal, que já funcionavam como assessórios de outras atividades criminais (desvio de verbas públicas, por exemplo) e que agregaram o dinheiro do tráfico de drogas como um plus, e que hoje funcionam em completa sinergia.

Outra coisa: o desmonte dos carteis colombianos teve reflexo na geopolítica do tráfico no Brasil, mas todo o processo brasileiro é residual, ou secundário. O Brasil ainda é um mercado secundário, onde as facções atuam de forma fragmentada, daí a violência.

O grande resultado do desmonte dos colombianos foi o fortalecimento dos carteis mexicanos.

Lá (Tijuana, Ciudad Juarez, etc) o banho de sangue obedece a mesma lógica da época da sedimentação dos colombianos: militarização do combate e guerra por território.

É possível que em algum tempo haja estabilização por lá, como aconteceu na Colômbia por algum tempo.

Como toda atividade capitalista, o foco, o centro das atenções é onde tem grana, EUA e Europa.

Os números das exportações estão subestimados. É muito maior.

Outro quesito esquecido pelo autor foi a atuação da indústria (legal) de armas. Sem analisar essa rede, sem conhecer como atuam para vender tanto para polícias quanto para criminosos, nossa análise sai bastante prejudicada.

O episódio da Promotoria de NY e os bancos ingleses em paraísos fiscais, onde se descobriu grandes volumes de dinheiro ilegal (tráfico de drogas, armas, etc), que resultou um uma simbólica “multa” de 1,2 bilhão de dólares apenas, e nenhuma condenação, dá a ideia de como as coisas funcionam.

Dizem que as agências do HSBC nas cidades fronteiriças do México, mudaram a configuração dos guichês dos caixas, para possibilitar que os depositantes entrassem com grandes baús cheios de dinheiro, que todo mundo sabia de onde vinha. Pode ser lenda urbana, mas pode não ser.

Há outra “lenda”, que diz quem em 2008, alguns países, e quem sabe o mundo, foram salvos, ou sentiram menos o baque, porque uma grande parte do dinheiro ilegal foi “perdoado” e trazido para dentro do sistema.

Bem, se a gente considerar o que tem sido feito para a chamada repatriação de ativos no Brasil, e o que se fez com o dinheiro dos delatores premiados, parece que a realidade é que não faz muito sentido.

Vocês imaginam que no meio da grana “lavada” pela lava jato do doleiro youssef, por exemplo, tenha só grana da política? Pois é…

Esse tema é vasto, e não dá um ou dois posts, dá uns bons livros…

 
Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

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