As instituições de 88 e o governo dos demônios, por João Feres Jr

As instituições de 88 e o governo dos demônios

por João Feres Jr

Ontem, Eduardo Cunha pela terceira vez reverteu uma votação que tinha perdido no plenário da Câmara, fazendo com que ela ocorresse novamente para que pudesse então ser vitorioso. Enquanto isso o executivo está de joelhos, se retirando e os outros poderes….. Alguém ouviu falar dos valorosos Judiciário e Ministério Público? Parece que saíram de férias depois que a Lava Jato cumpriu seu papel, que foi o de arrancar das mãos do PT o mandato presidencial que sua candidata havia ganhado nas urnas.

Correção, não estão totalmente no ócio, justiça seja feita (com trocadilho, por favor), o presidente do Supremo, ministro Ricardo Lewandowski, conseguiu na bacia das almas o apoio obsequioso de lideranças parlamentares para um aumento de 53% a 78% dos salários do Judiciário. Em plena crise econômica, seu poder, aquele que tem os salários mais astronômicos entre as várias categorias do funcionalismo, pretende detonar o erário público com um gasto suplementar de 36 bilhões até 2019. Enquanto isso deixam na gaveta a denúncia do Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, contra Cunha (PMDB-RJ) por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, já acolhida pelo Supremo em março deste ano.

Janot e o ex-presidente do Supremo, Carlos Ayres Britto, vão à Boston festejar o impeachment junto à elite do poder econômico. Janot defende a Lava Jato e a saúde das instituições democráticas brasileiras, que para ele parecem se resumir ao MP e ao Judiciário, sim, logo estes poderes que tiraram férias republicanas depois da votação do impeachment na Câmara. Britto, do alto de um brilhantismo retórico digno de orador de formatura de faculdade de direito privada do interior, fala em “freio de arrumação da democracia” e em “pausa democrática”, que para bom entendedor quer dizer exatamente o que ele procurava ocultar: golpe.  

No executivo Dilma já vai se despedindo, enquanto Temer articula um novo governo com perfil ultraconservador, logo ele que é tido como traidor odioso por metade do eleitorado e visto com desconfiança pela outra metade. Em suma, chamemos de golpe ou não, a aventura política que hora se desenvolve em nosso país é obra das várias mãos dos titulares dos poderes da república. Não vingaria sem a providencial colaboração dos presidentes das casas legislativas, do PGR e dos Ministros do Supremo. Dilma tem seu quinhão de responsabilidade por profunda incompetência política, mas não é a mesma coisa, pois neste caso ela é vítima e os outros algozes. E aí é que está o ponto, nossas instituições democráticas estão sendo sistematicamente abusadas por seus titulares: Cunha com suas manobras regimentais, o MP conduzindo sob a batuta de Janot uma investigação fortemente enviesada por interesses políticos partidários, o STF agindo de maneira totalmente discricionária, barrando a nomeação de Lula mas deixando Cunha e Moro agirem ao seu bel prazer, por exemplo.

Os freios e contrapesos, a menina dos olhos do desenho institucional da democracia representativa contemporânea, funcionam da mesma maneira discricionária e politicamente enviesada dos poderes que os exercem. Em uma palavra, a democracia brasileira está muito doente. Qual a causa?

Até há pouco, nossa democracia parecia estar num caminho contínuo de aprimoramento, no embalo do processo de democratização alicerçado na Constituição de 1988. Agora, contudo, os fatos nos dão razões de sobra para duvidarmos da solidez do desenho institucional criado pela Carta. Seria ele sustentável ou sua evolução conduziu inexoravelmente para o buraco onde ora nos encontramos?

Os ventos da democratização sopraram fortes a partir de 1980 e acabaram por fazer com que muitos de nós acreditassem que as instituições da Constituição Cidadã seriam fortes o suficiente para governar bem mesmo um povo de demônios, como diria o velho Kant. Este sonho dourado, embalado pelos adeptos do constitucionalismo liberal e da análise institucionalista, de que é possível desenharmos instituições virtuosas sem nunca precisar contar com a virtude dos homens, se transformou em pesadelo do qual nós brasileiros do presente não conseguimos despertar, infelizmente.

 

Redação

Redação

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  • O Brasil como nacao

    O Brasil como nacao fracassou.

    Nao ha perspectiva de futuro. O povo eh apenas gado enganado, tangido e explorado pelos senhores da fazenda que sao, Judiciario, Legislativo fisiologista, midia entreguista, igrejas e outras instituicoes parasitas que jamais deixarao esse pais avancar.

    O povo desse pais quer e gosta de ser vira-lata.

    • Eu acho que as igrejas

      Eu acho que as igrejas fundamentalistas (Bíblia) ajudaram um bocado a esse estado de coisas. Os caras tomaram conta da Câmara.

      • Essas seitas pentecostas

        Essas seitas pentecostas foram importadas dos Estados Unidos em que alguns viram a oportunidade de enriquecer mania de brasileiro de copiar tudo de fora.

  • as instituições de 88...

    Bem sr, o que devemos pensar se as instituições que foram erguidas em 88, foram solidificadas e guardadas este tempo todo por gente como Montoro, Brizola, Arraes, Teotonio, Ulisses, FHC, Lula, Suplicy, Serra entre tantos outros? Em quem devemos acusar a culpa? Quem foram os mentirosos ou incompetentes? Quem enganou a sociedade brasileira e desvirtuou caminhos que antes tentaram mostrar tão retos? Onde está a humildade de uma elite intelectual que deu apoio a esta farsa através de jornais, revistas, mídia, depoimentos, musicas. E de tão hipócrita nõ encaram seus erros? Onde está a democracia que deveria ter sido pavimentada nestes 30 anos? Poder pelo poder, e a vontade do povo muito longe desta possibilidade. Estes 30 anos serviram para mostrar que os canalhas apenas mudaram de lado. O Brasil continua o mesmo.

  • Tínhamos a ilusão de que

    Tínhamos a ilusão de que nossa democracia estava consolidada. Achávamos que o máximo que teríamos era um pig a tentar interferir de forma espúria nas eleições.

    Jamais imaginamos que a "democracia" brasileira seria tão frágil a ponto de depor uma presidente honesta com argumentos tão mal ajambrados. De forma tão canastrona, com as instituições, como o STF omissos a fazer cara de paisagem. Algo que nem os gringos previam, mesmo com a AL com fama de continente dos golpes.

    Hoje ficamos sabendo que estamos no nível de países mais atrasados como Honduras e Paraguai e abaixo de países como Argentina e Chile, onde a direita voltou ao poder pelo voto. Sendo que no Chile, a esquerda ganhou, perdeu e depois voltou

  • Dilma talvez soubesse que

    Dilma talvez soubesse que fracassaria em algum momento, tendo em vista a brutalidade e falta de compromisso pátrio com que a oposição desenhou pra ela um triste cenário já nos dias sucessivos ao de sua posse. Não calculou, contudo, certamente, que chegaria a tanto o desenlace de seu governo, por descuidos em relação aos falsos amigos (?), por inocência, ou porque achava possível resistindo, não renunciando jamais, ver surgir de algum canto uma táboa de salvação. 

    Na verdade, nem mesmo os mais isentos comentaristas políticos tiveram um dia a capacidade de enxergar o presente. Ninguém soube, em verdade, perscrutrar a alma dos gangsteres golpistas, em especial a alma daqueles que sem nenhum prestígio político estavam lá no Planalto gurdados em Lula e na Presidente enquanto puderam. Refiro-me a figuras emblemáticas como Moreira Franco e Henrique Alves, Romero Jucá, entre todos que comeram até se lambuzar do governo, mas descaradamente foram, pari-passo articulando o golpe, nas fussas de Dilma. E tudo combinado milimetricamente com quem disputou o governo na chapa do PT, como Temer, que tem as mesmas responsbilidades que Dilma, e, no entanto, já monta seu governo, desavergonhadamente, sem ainda estar indicado a nada oficialmente. 

    Kennedy Allencar censura o PT pelas manifestações dos Sem Teto, e Sem Terra. Talvez Stédile venha a ser preso, o que não está fora de cogitação, visto ter dito em entrevista na TV Brasil que a resistência ao golpe por essa camada da população teria que ser nas ruas.

    Por pior que possa parecer a paralização de estradas brasileiras, tem-se que esta será a única saída para que a voz do povo seja ouvida aqui e alhures, como tem sido, graças a Deus.

  • 88

    Não podemos esquecer que a constituição de 88, por obra de FHC, foi recortada e retalhada, metade dela está guardada em gavetas, e, o que temos hoje não guarda qualquer semelhança com o original.

  • só´se sente derrotado quem

    só´se sente derrotado quem desiste da luta, como dissse o mujica...

    resta resistir para que haja sentido na vida...

  • Ingredientes de um complexo diagnóstico ...

    Mais uma constatação de que o arranjo institucional da CF-1988 virou UM CORPO SEM ALMA, senão um corpo com a alma deteriorada (e a doença da alma corrói também o corpo), um pesadelo, como diz o autor. O corpo virou um fim em si mesmo. A alma do corpo é A POLÍTICA, e esta é nutrida com educação política, o que pressupõe a educação pela prática (o aprendizado da participação social - aprender participando, no qual demos passos significativos mas não na escala desejada e necessária) e também pela teoria, e é aí que nos deparamos com um buraco negro, pois não tivemos, ao menos no âmbito da educação formal, um vigoroso programa/campanha/processo de educação pós-totalitária (ou pós-ditadura). O terreno da redemocratização inconclusa (e de certa forma acovardada, que tolerou/conviveu com a vigência até hoje da Lei da Anistia, com a não-democratização dos meios de comunicação e com o financiamento privado-empresarial de campanhas eleitorais, para citar algumas das mais caras negligências) ficou, portanto, propenso e vulnerável à criminalização e degeneração da alma da institucionalidade democrática: A POLÍTICA. Esta criminalização ou deslegitimação da política ganhou escala com a judicialização da política e a politização do judiciário, assim como com o massacre desinformativo promovido pelos meios de comunicação tradicionais, sobretudo pelo dinástico cartel da velha e grande mídia monopolista. Acho que esses são mais alguns dos ingreditentes que compõem o complexo diagnóstico desta escalada destrutiva que contaminou toda a nossa atmosfera de convivência social e que estorva o nosso horizonte de possibilidades civilizatórias.

  • MAIS ALGUNS INGREDIENTES AO COMPLEXO DIAGNÓSTICO
    O pertinente artigo do Professor Joao Feres Jr., constata que o desenho institucional da Constituição Federal de 1988 passou de sonho dourado a pesadelo.  Acrescento mais alguns ingredientes que acho pertinentes a esse diagnóstico.  Tal arranjo da CF-1988 virou UM CORPO SEM ALMA, senão um corpo com a alma deteriorada (e a doença da alma corrói também o corpo). O corpo virou um FIM EM SI MESMO. A alma do corpo é A POLÍTICA, e esta é nutrida com educação política, o que pressupõe a educação prática e teórica.  Pela prática, tivemos o aprendizado da participação social (o aprender participando), no qual até avançamos significativamente, mas não na escala desejada e necessária.  Pela teoria é onde nos deparamos com um buraco negro, pois não tivemos, ao menos no âmbito da educação formal, um vigoroso programa/campanha/processo de educação pós-totalitária (ou pós-ditadura).  O terreno da redemocratização inconclusa erodiu para uma forma acovardada, que tolerou/conviveu com a vigência, até hoje, da Lei da Anistia, com a não-democratização dos meios de comunicação e com o financiamento privado-empresarial de campanhas eleitorais, para citar algumas das mais caras negligências.  Ficou, portanto, propenso e vulnerável à criminalização e degeneração do espírito da institucionalidade democrática: A POLÍTICA.  Esta criminalização ou deslegitimação da política ganhou escala com a judicialização da política e a politização do judiciário, assim como com o massacre desinformativo e manipulador promovido pelos meios de comunicação tradicionais, sobretudo pelo dinástico cartel da velha e grande mídia monopolista.  Acho que esses são mais alguns dos ingredientes que compõem o complexo diagnóstico desta escalada destrutiva que contaminou toda a nossa atmosfera de convivência social, estorvando o nosso horizonte de possibilidades civilizatórias.

     

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