Aldo Fornazieri
Cientista político e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política.
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Autocracia constitucional de Moro e o protofascismo das massas, por Aldo Fornazieri

Autocracia constitucional de Moro e o protofascismo das massas

por Aldo Fornazieri

Os principais juristas do Brasil – Celso Bandeira de Mello, Dalmo Dallari, Walter Maierovitch, Fábio Konder Comparato, entre outros – são unânimes em afirmar que o juiz Sérgio Moro agiu ilegalmente, violando a Constituição. A ilegalidade concentra-se em torno do dois elementos fundamentais: gravar e divulgar a presidente da República, detentora de foro privilegiado e divulgar os grampos do ex-presidente Lula e de outras pessoas violando a Lei Nº 9.296, que regulamenta as interceptações telefônicas. Quanto a isto tudo, há farto material na internet que pode ser consultado.

Convém, contudo, examinar as concepções de fundo do juiz Moro  e do Ministério Público que, como bem disse o ex-governador Cláudio Lembo, este ultimo se alçou à condição de “rei absolutista do Brasil, que faz o que quer e não responde pelos seus atos”. “Entregar as gravações a uma emissora de TV é um golpe, um golpe midiático”, disse Lembo. A figura de um Luís XIV, que proclama “o Estado sou eu”, cai bem a Sérgio Moro.

Moro justificou a divulgação dos grampos em nome do interesse público. “O interesse público e a previsão constitucional da publicidade dos processos impendem a continuidade do sigilo sobre os autos”, argumentou. Preliminarmente, note-se que não há processo ou indiciamento contra Lula, o grampeado. Em segundo lugar, é preciso notar que, no Brasil, há um processo de fascistização judicial em nome da suposta supremacia do interesse público que vem servindo de abrigo a uma sistemática violação do Estado Democrático de Direito fundado nas tradições liberais, democráticas e republicanas do constitucionalismo norte-americano.

A teoria constitucional norte-americana do Estado de Direito, particularmente emanada dos textos dos Federalistas Alexander Hamilton e James Madison, assenta a pedra angular de que os direitos civis e de liberdade dos indivíduos são o supremo fundamento da Constituição. “República” significa a garantia desses direitos. A vontade fundante do representado consistiu em instituir o poder do Estado para que esses direitos fossem garantidos. Nem o legislador, nem o magistrado supremo, nem o funcionário judicial ou qualquer outro funcionário podem agir contra esses direitos. Eles devem ser sempre agentes da garantia desses direitos.

Assim, há um claro limite para a ação dos agentes públicos: a Constituição. No sistema de equilíbrios, freios e contrapesos, o maior freio dos três poderes é a Constituição. Mas, em sendo a Constituição vontade manifesta do representado fundante, ela mesma é limitada. Limitada pelos direitos civis e de liberdade dos indivíduos. O conceito de Estado Democrático de Direito nasce desse entendimento, o que significa a noção de poder do Estado limitado e de Constituição limitada pelos direitos. Decorreu daí as contemporâneas noções de “cláusulas pétreas”, no seu aspecto de que nada pode ser aceito, emenda constitucional ou qualquer outra coisa, que viole os direitos e garantias individuais.

Com o processo de fascistização jurídica no Brasil quer se fazer crer que, com o princípio da supremacia do interesse público, pode-se derrogar a garantia dos direitos fundamentais. Quando se faz isto já não há Estado Democrático de Direito, já não há República, já não há o Estado liberal.

Segundo o raciocínio de Norberto Bobbio acerca dos direitos há que se observar que os direitos civis e de liberdade são autoaplicáveis e nenhum interesse público pode feri-los. O único âmbito em que o Estado pode interferir positivamente sobre os direitos para garantir a supremacia do interesse público é o âmbito das necessidades e carecimentos, no âmbito dos direitos sociais, difusos e econômicos.

A Perigosa Promiscuidade entre Moro e as Massas

Ao publicar os grampos, além de outras ilegalidades, o juiz Moro perpetrou um violento ataque ao Estado Democrático de Direito, ao conteúdo liberal do Estado e às liberdades e garantias individuais. Moro violou a intimidade, a vida privada, a honra, a imagem e a dignidade humana do ex-presidente Lula e de outras pessoas de forma irreparável. Se as instâncias judiciais funcionassem nesse país, Moro deveria responder pelos seus atos e deveria ser afastado de suas funções.

Se restava ainda alguma dúvida de que Moro e os procuradores da Lava Jato agem de forma politicamente orientada já não resta mais nenhuma dúvida. Se restava ainda alguma dúvida de que está em andamento um golpe judicial no Brasil basta ver a decisão de Gilmar Mendes que, em articulação com a troika de Curitiba, também agiu de forma discricionária e arbitrária, anulando a posse do ex-presidente Lula. A série de liminares anulando a posse mostram que já não funciona o princípio republicano da separação dos poderes e que o Judiciário se alçou na condição de poder acima da lei.

Já não há mais apenas uma crise econômica e politica. Há uma clara crise institucional. Resta ver ainda se o Supremo Tribunal Federal pode agir com bom senso e imparcialidade para barrar essa crise institucional. Pelas ações do Ministério Público, do juiz Moro e de Gilmar Mendes, o Judiciário perdeu a condição de mediador, de dirimidor de conflitos e crises e passou a estimulá-los de forma violenta e irresponsável. De forma irresponsável, o juiz Moro vem estimulando a conflagração social e a violência de grupos descontrolados.

É preciso enfatizar que se Lula e outros políticos têm pendências com a lei eles devem responder com a garantia de seus direitos em consonância com a ordem constitucional vigente. É necessário, assim, chamar a atenção, mais uma vez, para elementos de conteúdo totalitário presentes nas ações do Ministério Público e do juiz Moro.

Como observa Hannah Arendt, os movimentos totalitários abusam das liberdades democráticas para violá-las sistematicamente. Eles não visam organizar classes ou grupos sociais específicos, mas mobilizar massas, estimular a força bruta. Nas manifestações do último dia 13 o que se viu foram massas sem controle que expulsam até mesmo políticos como Aécio Neves que comungam do seu ideário. São massas propensas à violência na obediência cega a um único líder – o juiz Moro.

Os agentes do Estado totalitário não levam em conta as leis e a Constituição. A lei é feita no ato, de acordo com a lei do movimento. Foi isto que fez o juiz Moro ao divulgar o grampo. Ao perceber que lhe era tirada a prerrogativa de perseguir Lula interpretou discricionariamente a lei e a Constituição no ato, promovendo um golpe político para atingir seus objetivos políticos.

Se a lei escrita e a Constituição atrapalham os objetivos políticos dos agentes do Estado, danem-se as leis e a Constituição. Existe a hermenêutica para fazer valer a lei não escrita e a Constituição não escrita. Quando a hermenêutica se apresenta na forma da vontade arbitrária dos agentes públicos em substituição às leis e à Constituição é porque já não há garantia das liberdades e dos direitos. Todos correm riscos. Da hermenêutica judicial à hermenêutica policial existe apenas um fio muito tênue. A violência ilegal do Estado quer arrombar as portas da legalidade para apresentar-se com uma face legal. Os que protestam contra o estado de exceção judicial ou andam de roupa vermelha correm o risco de serem agredidos pelas massas  embestadas em nome do supremo líder, Sérgio Fernando Moro.

Aldo Fornazieri – Professor da Escola de Sociologia e Política de São Paulo. 

Aldo Fornazieri

Cientista político e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política.

12 Comentários

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  1. O ovo da serpente foi chocado

    O ovo da serpente foi chocado nos últimos três anos; aquelas manifestações ocorridas em meados de 2013 irrrigaram e nutriram o embrião já contido naquele ovo. A Lava Jato e a atuação do PIG são o adubo, o fermento que faz crescer e se alastrar o ódio que é a primeira característica do fascismo. A ignorância e o analfabetismo político são outros atributos essencias à massa que dá corpo e força ao nazifascismo.

    Neste artigo, Aldo Fornazieri faz a crítica que não só ele, mas todos os intelectuais deveriam estar fazendo há três anos, quando o ovo da serpente começou a ser chocado. 

    Espero que a ficha de Aldo tenha realmente caído. Num momento grave como o atual, de crise política e econômica, além de ruptura institucional, não há lugar para tergiversações e apelo a técnicas como aquela quem tenho constatado e denunciado em diversos intelectuais esquerdistas, a popularmente conhecida como “uma no cravo, outra na ferradura”.

  2. Mais marxismo meu caro,

    Não culpe as massas em luta, pois elas são a concretização das classes em luta. Não culpe a burguesia de haver conseguido arregimentar sua massa.   Nós também temos a nossa, que poderia ser bem maior e mais combativa se partidos como o PSOL, PSTU e centrais sindicais como a Conlutas, não estivessem alheias à luta de classes que está em vias de desembocar em uma insurreição popular.  Até quando vocês, marxistas de livros, conspurcarão os ensinamentos de Trostkhy e Lênin, falando vãs palavras?  A realidade é vertiginosa e vocês não tem tempo para convocar mais um encontro ou congresso para decidirem de que lado ficam.  Que as lideranças assumam suas responsabilidades históricas!

    1. “Se isso é marxismo, eu não sou marxista” KArl Marx.

      Mesmo que o PSTU e o PSOL, e os ‘marxistas de livro’ chamem o trabalhador para ir a rua defender o governo contra o golpe  temo que poucos iriam.  Como dizia Rosa Luxemburg a vanguarda segue as massas trabalhadoras e não o contrário. O trabalhador não precisa de iluminados de nenhum partido – inclusive do PT – para ser chamado a defender seus interesses, ele sabe muito bem quais são, melhor que qualquer dirigente partidário de gabinete ou quem lê livros de Trotsky e Lenin. O PT tem o apoio da maior central sindical desse pais, a CUT. Então quem pode chamar a imensa maioria dos trabalhadores para ir a rua contra o golpe é o próprio PT. E no entanto, a maioria dos trabalhadores não está na rua defendendo o governo contra o golpe. Se estivessem as demonstrações de sexta feira seriam imensamente maiores do que a dos fascistoides, pois os trabalhadores são a imensa maioria desse país e não aderiram ao fascismo. Eles sabem que o fascismo não atende seus interesses, não precisa ninguém dizer para eles.Por isso também que eles não vão as manifestações dos fascistas.

      É muito fácil jogar a culpa em partidos que são, convenhamos minusculos, como o PSTU (que nem representação na camara federal têm!) e o PSOL e uma central como a Conlutas – que é minuscula comparada a governista CUT – fazendo coro com os fascistas de morte aos comunistas, em lugar de fazer a autocritica e virar a esquerda. Tem horas que eu me pergunto não de que lado está a esquerda agora, mas de que lado estarão os governistas quando esse governo cair.

      E em lugar de atender o interesse dos trabalhadores para deter o golpe, o governo continua tentando agradar o mercado para se defender do golpe. Hoje o ministro Nelson Barbosa anunciou que vai enviar o congresso o projeto para rolagem da dívida dos governos estaduais. Os governos que assinarem o acordo darão como contrapartida o congelamento dos funcionários públicos. E anunciou também que vai enviar o projeto de conteção de gastos do governo, que inclui na segunda fase o congelamento de concursos públicos para a união e proibi a concessão de aumentos salariais reais para os funcionários públicos. Na  terceira fase o projeto prevê que é possivel que seja suspenso o aumento real do salário minimo. E não vai deixar de enviar o projeto de reforma da previdencia, vai adiar o envio.

      E a CUT nunca chamou os trabalhadores para ir em massa as ruas  em defesa do ESTado democrático de direito contra as sucessivas e cotidianas execuções coercitivas que eles sofrem das policias no seu dia a dia.

      Os trabalhadores sabem muito bem o que lhes interessa.

      1. Não meu caro, eu não coloco a culpa no PSTU, PSOL e CONLUTAS…

        Bem sei que toda a culpa é fundamentalmente de Dilma e de parte importante de seu aparato partidário.  O que critico é a ausência destes partidos no processo de luta, disputando a direção das massas radicalizadas, e procurando deslocar as direções conciladoras.  Uma imensa maioria de jovens, estudantes e trabalhadores está disposta a defender este governo, assim como eu, não porque é um governo ótimo para o povo. Não o é, mas é o único capaz de evitar males maiores caso o governo caia nas mãos dos golpistas.  Vocês não precisam se confundir com as direções conciliadoras no processo de luta.  Vocês tem a liberdade de propor as consignas capazes de radicalizar mais ainda as massas, mesmo que o PT não concorde. Vocês poderiam estar defendendo a constituição de comitês populares de trabalhadores e estudantes em luta, como estruturas capazes de organizar as massas radicalizadas, pois neste processo as velhas formas de organizações (partidos, sindicatos, gremios e associações)  não são mais capazes de agirem como órgãos organizadores. Poderiamos estar agitando nas bases das forças armadas conclamando os soldados e a baixa e média oficialidade a se pronunciarem em defesa da democracia.

        A luta levará as massas a superarem suas direções vacilantes ou colaboradoras de classe.  Vamos à luta disputar a direção do movimento e caso estore um clima insurrecional, lancemos estas massas na tomada do poder. Mas para isto é necessário que desde já estejamos na frente das massas em luta, mesmo que no momento elas sejam dirigidas por colaboracionistas.

  3. Texto impecável!

    Parabéns Aldo Fornazieri, foi uma verdadeira aula de direito constitucional que todo brasileiro bem intensionado e de bom senso deveria ler.

      

     

  4. O jogo da desinformação

    Quando tentamos argumentar – num bom debate entre amigos ou numa mesa de bar – sobre essas questões colocadas aqui pelo nobre Aldo Fornazieri o primeiro argumento que surge é:

    “E por que as instâncias superiores não agem para fazer cessar os abusos? Caso houvesse o STF ou o STJ ou outra instância recursal certamente já estaria agindo.”

    Nesses debates fica quase impossível o aprofundamento dos argumentos, dada à ausência completa de compreensão, tolerância e disposição para um debate consequente. Impera o senso comum.

    É exatamente aí, nesse vácuo de informação que o oligopólio dos meios de comunicação de massa se aproveita e deliberadamente se apropria do incauto, do tolo.

    1. Meu amigo Luciano,

      Às instâncias superiores, você deve cagar um monte. Elas são o que são: instâncias superiores.  Na luta de classes a voz dos explorados á a instância superior. Ouça a voz de seu coração e diga o que deve ser feito.  Você também é um dirigente.

  5. Perfeito!!!

    Ao texto, eu acrescentaria que foi esquecido o CHEFE da Quadrilha no MP, ciente e permissivo , aliás permissivo não, o dono real  de toda a ação: Janot, um PGR tão ruim e peçonhento quanto Roberto Gurgel e Brindeiros…DISSIMULADO, fingindo-se de correto.

  6. Esquece o Moro, isso é um golpe do

    José Serra, o Temer vai passar todo o poder para ele, o acordo já saiu até no Estadão. Moro, Janot, Gilmar são só os capangas, quem está coordenando tudo é o Serra, acordem.

  7. a hrmeneutica da infamia

    a hrmeneutica da infamia sujbsume, impregna todos

    os      componentes golpístas, todo conluio que  transdforma tudo ali numa  exceção….

    por isso, alguins usam a[é camisetas com     o slogan república de curitiba…

    escolha, portanto, em qual repúblioca voce     quer viver

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