Brumadinho (MG): a ajuda humanitária como enfrentamento da dor e das perdas, por Wagner Ribeiro

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Fotos Wagner Ribeiro

Desastre da Vale em Brumadinho (MG): a ajuda humanitária como enfrentamento da dor e das perdas

por Wagner Ribeiro

“Mesmo que não se tenha perdido um parente de sangue, a cidade aqui é pequena, então, todo mundo perdeu um amigo, um conhecido. A tristeza é grande demais”. A fala de Dona Lúcia, de 69 anos, proprietária de um pequeno restaurante no centro de Brumadinho, representa muito bem o sentimento geral dos moradores do município.

Embora a Vale do Rio Doce alegue não ter responsabilidade pelo rompimento da barragem de rejeitos Mina do Córrego do Feijão, moradores discordam. “Eles sabiam que a barragem podia arrebentar a qualquer momento, senão não soubessem, por que, então, instalaram um sistema de alerta de acidentes aqui na região recentemente?”, questiona Antônio de Almeida, de 67 anos.

De fato, ao analisar o contexto deste desastre tecnológico, não é difícil compreender a tragédia anunciada. A barragem da Mina do Córrego do Feijão foi construída em 1976 pela Ferteco, empresa brasileira de mineração e processamento de minério de ferro, mas que era controlada integralmente pelo grupo alemão Thyssenkrupp.

A Ferteco operou utilizando a barragem até 2003, quando foi comprada integralmente pela Vale do Rio Doce. Em 2013, a barragem se tornou inativa, isso significa que foi utilizada pela Vale por uma década. “Aqui na cidade, todo mundo sabe que em 10 anos da Vale, a barragem do Córrego do Feijão cresceu mais que durante todos os anos de operação da Ferteco”, diz Almeida.

Os moradores de Brumadinho reclamam com indignação sobre o “absurdo” da disposição das construções da Vale. A barragem que rompeu em 25 de janeiro foi construída no topo do morro. Logo abaixo da barragem, na rota direta da área de risco de desastre, foram erguidos os prédios administrativo e o refeitório da organização. A barragem estourou por volta das 12h30, no pico do horário de almoço, o que contribuiu muito para aumentar o número de vítimas.

Se esses dois prédios tivessem sido construídos fora da rota de risco, não haveria tantos mortos. “Até eu que sou um caipira sem estudo já tinha percebido isso”, comenta o taxista Carlos Alves, de 59 anos. Até a manhã desta quinta-feira (31), 99 corpos foram encontrados e 259 pessoas seguem desaparecidas, de acordo com informações do corpo de bombeiros.  

Rede de solidariedade dos moradores de Brumadinho

Diferente do desastre de Samarco em 2015, em Mariana (MG), em Brumadinho os mortos são muitos, mas houve poucos desabrigados. Entre os problemas ambientais e de saúde pública, que são muitos, há ainda o fato de que avalanche de lama afetou seriamente a vida dos produtores rurais e dos ribeirinhos. Aqueles que não tiveram as plantações diretamente afetadas, estão passando por dificuldade como água para irrigação e até mesmo para os animais.

Os recursos hídricos para esses fins vinham do rio Paraopeba, que está quase que inteiramente contaminado com a lama de rejeitos. Em nota conjunta, as secretarias de Saúde (SES-MG), de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) e de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Seapa), alertaram que a água do rio apresenta riscos à saúde humana e animal.  

Mesmo com todo o sofrimento pelas perdas de vidas humanas, animais e danos ao meio ambiente, os moradores não ficaram inertes. A mobilização é grande e acabou se criando uma rede de solidariedade para ajudar as pessoas afetadas direta ou indiretamente. São basicamente três frentes de ajuda humanitária: poder público, organização coletiva da sociedade civil e ações particulares.

Poder Público: as doações são muitas, mas a burocracia também

A administração pública está recebendo doações de todo o Brasil e concentrando os produtos na quadra municipal de esportes, no centro de Brumadinho. A logística das ajudas humanitárias está sendo coordenada pela defesa civil em parceria com o secretário municipal de Esporte e Lazer, Vanilson dos Santos Porfírio, além de um grande número de voluntários.

Todo o trabalho de organização e controle das doações está sendo por voluntários, majoritariamente, moradores de Brumadinho. De acordo com Porfírio, no domingo após o desastre, que foi quando as doações começaram a chegar, cerca de mil pessoas estiveram presentes durante o dia para ajudar a descarregar os caminhões, armazenar e organizar os produtos. “Uma característica muito interessante é que a maior parte dos voluntários são jovens entre 16 e 26 anos, dotados de uma consciência impressionante da importância e seriedade do trabalho que estão realizando aqui”.  

Só de água mineral, até ontem (30), a prefeitura recebeu 157 mil litros, divididos em galões de 20, 10 e 5 litros e garrafas de 1,5 litro e 500ml. Ao chegarem, as doações são organizadas em setores, tais como água, higiene, roupa, alimentos, produtos de limpeza, e um setor exclusivo para as doações destinadas aos animais.

A voluntária Samanta Vieira, de 22 anos, responsável pela logística do setor de higiene, explica que para ter acesso às doações, as pessoas necessitadas devem procurar a assistência social, realizar um cadastro e só depois deste processo irá receber o que precisa. “Essa organização dos recursos é fundamental. O objetivo é que a gente possa ajudar a todos por um longo prazo. Não sabemos quanto tempo vai durar a crise”. O secretário de esporte enfatiza essa questão: “Só está tendo acesso às doações as pessoas próximas à tragédia e que estão cadastradas”.

Pegue o que precisar, deixe o que puder

Para tentar oferecer uma possibilidade menos burocrática de ajudar as pessoas atingidas pela tragédia do rompimento da barragem da Vale, a professora Paola Viotti, que está com uma prima ainda desaparecida no desastre, se organizou com outros moradores de Brumadinho e montou uma força tarefa com o lema ‘Pegue o que precisar, deixe o que puder’.

“No nosso caso, todos os produtos aqui, entre água, alimentos para as pessoas e para os animais, roupas, produtos de higiene e limpeza, são doações vindas dos próprios moradores de Brumadinho”, conta Paola. “A união e a mobilização está sendo muito grande para ajudar as famílias que perderam as plantações, estão sem acesso a água potável ou para irrigação, ou até mesmo as pessoas que estão isoladas por conta da destruição provocada pela lama”.   

A professora explica que qualquer pessoa pode ir até o ponto solidário, estabelecido em um imóvel comercial de propriedade dela mesma, para retirar o que precisar e doar o que puder. “Está acontecendo muito de moradores virem aqui e dizer que tem uma família isolada em tal lugar, então, a gente coloca as doações no carro e vamos levar para essas pessoas que não têm condições de virem buscar, às vezes, são idosos, mães com crianças, gente que não tem carro. A gente precisa agir e todo mundo está ajudando de alguma forma”.

Cada um faz o que pode

Além das ações coletivas independentes do poder público, percebe-se na cidade um número grande de pessoas que faz o que pode. Um exemplo disso é o dentista João Sérgio. Além de ajudar como voluntário tanto na quadra municipal, quanto no ponto solidário organizado pela professora, ele também disponibilizou moradia e alimentação para uma pessoa que estivesse necessitada ou até mesmo para algum voluntário de fora do munícipio.

“Toda a mobilização da sociedade de Brumadinho é muito importante para enfrentar o primeiro impacto desta tragédia causada pelo rompimento da barragem de rejeitos da Vale”, acredita João Sérgio. Mas o dentista chama atenção para o fato de que é preciso pensar também em médio e longo prazo. “Qual será o futuro da gente aqui de Brumadinho quando a imprensa for embora?”.

O município está diante de um grande paradoxo, ao mesmo tempo que os moradores estão sofrendo com o desastre, com as mortes, as perdas e todas as dificuldades que se configuram no horizonte, eles também estão preocupados com o futuro da Vale. A empresa é responsável pela maior parte da arrecadação pública do município e pela geração de empregos. “Se houver queda na arrecadação municipal, vamos sofrer esses impactos nos serviços públicos básicos, como saúde, educação, etc”, analisa o dentista.

“Outra fonte de renda em Brumadinho é o Turismo, que já sente o peso da tragédia, amigos meus que são donos de hostels, pousadas e Airbnb já receberam o cancelamento das reservas que haviam sido feitas para os próximos meses. Vamos precisar de muito tempo para nos recuperar das perdas imediatas, dos efeitos no futuro próximo e também para reconstruir a imagem de Brumadinho. Não se trata de uma crise de curto prazo”, conclui.       

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

1 Comentário

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  1. Não importa se a culpa é

    Não importa se a culpa é deles ou não …

    O que importa é que a barragem eram deles, continham dejetos proveniente da operação deles, e foram eles que encheram as burras de dinheiro.

    Agora querem socializar o prejuízo?

    Sai pra lá cambada de bandidos.

    Não era nem para ter gente arrecadando nada para aliviar o sofrimento do povo de Brumadinho.

    Era para eles estar dando toda e qualquer assistência necessária … inclusive mão de obra para ajudar para resgatar corpos, aguá para a população, remédios, alimentação e tudo o mais …

     

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