Cidade mineira impede a Vale de erguer barragem 10 vezes maior que a de Mariana

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Por Aline Frazão

Do Diário do Centro do Mundo

Não se sabe a extensão exata do Vale da Fazenda Velha, conjunto arqueológico de Rio Acima, município de 9 mil habitantes cercado por montanhas verdes. O vale fica entre o córrego dos Andaimes e o rio do Peixe, todos na margem esquerda do rio das Velhas, afluente do São Francisco que abastece a capital mineira.

Localizado a 7 quilômetros da cidade de Rio Acima, guarda grande riqueza ambiental num trecho de Mata Atlântica com vários córregos e remete à história das primeiras ocupações na região nos séculos XVIII e XIX.

A Vale S/A está interessada em construir ali uma gigantesca barragem de rejeitos de minério, mais uma a fazer parte do Complexo Vargem Grande, sediado em Itabirito, próxima de Rio Acima. Ela terá capacidade para 600 milhões de metros cúbicos de rejeitos. É pelo menos 10 vezes maior que a barragem do Fundão, que rompeu em Mariana no dia 5 de novembro.

“Por que eles ainda insistem nesse modelo? Tem pesquisas que mostram que há formas de aproveitar o rejeito. Assim vamos ter de escolher entre a água e o minério. O minério de todo jeito vai acabar”, me falava Maria do Carmo, natural de Rio Acima, gestora e ativista ambiental.

Da estrada que dá acesso à Fazenda Velha, eu via parte do Complexo Vargem Grande, com os morros muito escavados. A escolha de Fazenda Velha se deve ao fato de que, dentre os vales estudados, entre eles o Do Peixe e o Dos Andaimes, ali havia maior capacidade de armazenamento e “vida útil” de 20 anos.

Em 2012, a Vale contratou uma empresa para fazer o Diagnóstico Arqueológico do Desenvolvimento do local como parte do Estudo de Impactos Ambientais. Segundo a empresa, em nota do dia 11 de novembro deste ano, “um projeto para instalação de barragem no vale do Córrego Fazenda Velha, em Rio Acima, está em estudo e a viabilidade ambiental deste projeto será analisada pela Supram (Superintendências Regionais de Regularização Ambiental). O objetivo é a continuidade das operações da Vale nos municípios de Nova Lima, Itabirito e Rio Acima, que geram empregos e contribuem para o desenvolvimento da região”.

Não é o que os habitantes pensam. “Não vem benefício nenhum pro município, tudo fica em Itabirito, onde é extraído todo o minério. Para cá vem só rejeito”, me dizia, indignado, Fernando de Brito, operador de equipamentos.

De acordo com o projeto da Vale, a barragem poderá ter até 20 alteamentos de 10 metros, e a água drenada do rejeito vai para o Córrego Fazenda Velha “para manter a vazão mínima deste curso d’água, conforme prevê a legislação”. A empresa reconhece o estrago, mas diz que vai compensar com plantações para conter a erosão.

Em abril do ano passado, o Movimento Pelas Serras e Águas de Minas protocolou, junto à Promotoria Estadual de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico de Minas Gerais, representação noticiando a ameaça de construção da barragem. No mesmo período, o Conselho de Patrimônio Cultural e Natural de Rio Acima discutia o processo de tombamento. O Conjunto Paisagístico, Arqueológico e Natural da Fazenda Velha, situado na área rural de Rio Acima,  teve o entorno – uma área de 789,2 hectares, tombado provisoriamente no dia 24 de maio de 2014.

A cidade de Rio Acima, cujos habitantes lutam contra a Vale

 

A população reclama que, depois de mais de um ano, nada foi feito para que o tombamento se tornasse definitivo. Não faltou luta por parte de Deise Corrêa Elias, professora de Rio Acima que atuou como secretária de Cultura e por isso ocupava o cargo de presidente do Conselho de Patrimônio Cultural e Natural.

Quando tomou posse, em abril, Deise ouviu da prefeitura que as barragens da Vale são seguras e representam desenvolvimento para a área. Ela continuou a favor de dar continuidade ao projeto de tombamento definitivo do Córrego Fazenda Velha. Acabou exonerada em agosto. “Eu tenho que ouvir o povo, não é? Como todo o potencial turístico e ambiental daquele lugar, construir uma barragem de rejeitos não tem cabimento”, me falou.

“O prefeito está com um discurso agora de que é contra o tombamento porque prevê para aquela área um empreendimentos como hotel, fábricas, e outras coisas que vão gerar receita para o município”, diz Alex Philip, integrante do Movimento Pela Preservação da Serra do Gandarela que vive em Rio Acima. Philips reforça que a Fazenda Velha não está toda tombada, apenas parte dela — justo a que a Vale quer.

Depois do rompimento da barragem da Samarco, controlada pela Vale e BHP, os cidadãos de Rio Acima entraram em alerta geral. “Hoje está fácil mobilizar as pessoas, todas estão sedentas por informação sobre esse empreendimento da Vale”, afirma Alex.

O Ministério Público registrou um laudo contrário à construção da barragem em agosto. Uma reunião agendada entre a Vale, a prefeitura e o Conselho de Patrimônio para o dia 10 de novembro levou as pessoas a organizarem um protesto marcado para a data do encontro.

No dia 9, o prefeito Wanderson Fabio de Lima enviou ofício ao Conselho de Patrimônio Artístico e Cultural do município, solicitando que fossem  suspensas “todas as tratativas referentes à Fazenda Velha até que os fatos possam ser melhor compreendidos, mantendo a área sob Tombamento Provisório”. Acrescentou que a medida era em vista à comoção pública causada pela tragédia de Mariana.

A população segue fazendo reuniões periódicas, com apoio de movimentos e universidades, enquanto a Vale faz manutenção em estradas ao redor do Córrego Fazenda Velha e mantém ali seus seguranças e sua sombra.

 

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

14 Comentários

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  1. Barragem dez vezes maior . . .

    Barragem dez vezes maior do que a de Mariana? Se uma barragem dez vezes menor já causou um estrago desse tamanho, imagine o rompimento de uma barragem dez vezes maior. Será que os engenheiros da Vale enlouqueceram?

    1. Tudo pelo aqui e agora

      Quem se opõe ao que quer a direção da empresa e seus acionistas, perde o emprego. Quem fica subescreve as loucuras do capitalismo desbravado.

  2. Questão de tempo …
     
    Se a

    Questão de tempo …

     

    Se a população não se manter alerta e combativa, é questão de tempo, o prefeito da cidade, em nome de um progresso que nunca vem das mineradoras, ceder e permitir que a VALE, para quem vale tudo, construa tal barragem com o padrão Vale de construção de barragem.

    Lembrem-se em 2016 é ano de eleição …

    Ainda bem que a contribuição de empresas a campanhas eleitorais foi barrada no STF, ainda que Gilmar Mendes tentou de todas maneiras barrar (boa palavra) a proibição.

     

  3. Professora Deise Corrêa

    É assim que infelizmente as coisas funcionam neste país. Uma professora valente, decidida a defender o nosso patrimônio ecológico é demitida enquanto os intere$$e$ do poder público se sobrepoe. É gratificante constatar que dentre tantos propineiros safados, pessoas que transformam as nossas riquezas em riquezas pessoais, exista alguém tão nobre e comprometida com o patrimonio de todos nós. Parabens professora!

  4. Questão de segurança nacional.

     

    Essa barragem de Roi Acima/MG deveria ser tratada como questão de segurança nacional, posto que se romper, inviabiliza cerca da metade do Brasil, e todo o sistema de transposição das águas do Rio São Francisco no Nordeste brasileiro ficaria inutilizado.

  5. Não existe outra tecnologia ?
    Não sou engenheiro mas fico me perguntando se não existe outra tecnologia para cuidar dos rejeitos.

    È dificil acreditar que não existam.

    O meu receio é que uma empresa poderosa como a Vale pode dobrar (poderia escolher outra palavra) facilmente deputados, prefeitos e até governadores.

    Do jeito que está já se viu quer não pode ficar.

    Minas pode ficar debaixo de lama.

  6. Prefeito e Governador…

    Este Prefeito já está comprado.

    Vamos esperar para ver se o Governador vai se curvar a compra feita durante sua campanha eleitoral.

    A crise de hoje é da falta de homem macho neste país.

  7. A privada da Vale privada.

    Com o desastre de Mariana confirmou-se que os vales e rios de Minas são a privada da Vale privada. E dessa vez o esgoto atravessou dois estados e foi despejado no mar do Espírito Santo.

    Que povo de Rio Acima e outras potenciais vítimas da Vale do Rio Doce (envenenado) reajam contra isso. O mais cruel é que boa parte da população e dos municípios se tornou economicamente dependente dos destruidores de vales, rios e vidas.

    Duro preço o do “desenvolvimento”. Desenvolvimento da Vale, claro, ou seja, do capital transnacional. Desenvolvimento da destruição de Minas.

  8. Que Minas se levante !

    O acidente em Mariana só terá efeito positivo se toda a Minas Gerais ficar alerta e se dispuser a lutar contra essa exploração perniciosa  – sem fiscalização, sem acompanhamento de ambientalistas e do povo, sem impostos, enfim, sem nenhum cuidado com a terra, com a fauna/flora e a seus habitantes.  

    Em todo o estado há inúmeras empresas que exploram minério, a maioria multinacionais, em minas privadas e/ou privatizadas, nesse modelo  econômico neoliberal, aprofundado nos anos 90 e intensificado nos últimos 13 anos…

    Há minérios, como o ferro, o ouro, o manganês, a bauxita, o níquel, o cromo, o rutilo, o estanho, o zircônio, o zinco, a platina, o ouro; e mineirais não-metálicos: como o calcário, o amianto (cuja exploração é um atentado aos trabalhadores e aos moradores), o caulim, os fosfatados, o quartzo, a mica, e a grafita…etc, etc, sem contar o urânio e o nióbio.

    Isso tudo, sem esquecer que temos (ou tínhamos?) uma enorme reserva de água doce.

    Parece que, nos últimos anos, estamos fadados e assistir a esse verdadeiro roubo de nossas riquezas…

     

     

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