Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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Como entender o impeachment com Baudrillard e Deleuze

Por Wilson Ferreira

“Grau Zero da Política” e “Micropolítica”. Esses dois conceitos, respectivamente dos pensadores Jean Baudrillard e Gilles Deleuze, podem nos ajudar a compreender o significado simbólico do atual processo de impeachment contra a presidenta Dilma. Os catorze anos de sucessões de governos petistas teriam criado uma crise simbólica no sistema político: a reversibilidade entre Esquerda e Direita no momento em que governos supostamente de esquerda implementaram  políticas neodesenvolvimentistas que ajudaram a criar condições ótimas de reprodução do capitalismo – inclusão no consumo e precarização do trabalho. A Esquerda estaria tomado para si a agenda conservadora? Então, por que derrubar Dilma? Baudrillard diria que esse é a revelação do “grau zero” por trás dos simulacros da política; e Deleuze diria: “nunca houve governo de esquerda”.

Uma das minhas primeiras experiências como repórter. No distante ano de 1983, cumprindo uma pauta para o Jornal Laboratório da Faculdade de Jornalismo de Santos , fui cobrir uma sessão plenária da Câmara dos Vereadores da cidade. Não sei se dei sorte ou se as sessões eram sempre assim movimentadas: testemunhei vereadores do PMDB contra os do antigo PDS em discussões ferozes. Alguns deles quase indo às vias da agressão física, sendo segurados pelos demais. Atmosfera pesada e um final sem qualquer consenso.

No meu bloco de notas fiz um resumo da plenária, alguns depoimentos de vereadores e saí  do Paço Municipal da Praça Mauá, Centro de Santos. Atravessei a av. General Câmara em direção a um ponto de ônibus e passei em frente a uma padoca badalada na época. E com quem deparei? Com alguns dos vereadores de situação e oposição que há pouco mais de meia hora estavam quase se matando na plenária, agora todos juntos dando risadas conversando sobre temas com certeza bem mais amenos. Conversavam animados enquanto degustavam suas xícaras de café, em pé no balcão, em um aprazível final de tarde.

Essa lembrança sempre foi recorrente na cabeça desse humilde blogueiro: tudo foi uma simulação? Qual a natureza daquilo tudo que presenciei?  

Mais tarde na pós-graduação me deparei com um livro do filósofo francês Jean Baudrillard chamado Partidos Comunistas: o Paraíso Artificial da Política. Em síntese, nesse livro Baudrillard desenvolve seu ceticismo radical em relação à política em três teses principais: (1) os comunistas não mudarão nada se chegarem ao poder; (2) os comunistas não querem chegar ao poder; (3) a tese mais niilista: não há perigo em ganhar o poder porque o poder, de fato, não existe.

Baudrillard referia-se a um suposto “grau zero da política”: e se todo o sistema político tornou-se autônomo e fechado em si mesmo em relação à sociedade e a economia? Um sistema cujos signos tornaram-se intransitivos, onde sua distinções (Direita/Esquerda, Oposição/Situação) não são dadas como representação de algo externo, referencial, ao sistema (ideologias, História, Classes sociais etc.), mas como simples distinções binárias em um sistema fechado em si mesmo. 

O grau zero: signos comutáveis

Direita e Esquerda seriam signos comutáveis, definidos não positivamente pelo seu conteúdo, mas negativamente por suas relações distintivas no sistema –  o grau zero da política.

Todas essas lembranças vem à tona na atual crise política brasileira com o impeachment da presidenta Dilma e a condenação, inclusive da imprensa internacional, de um golpe político em andamento no País.

O fantasma baudrillardiano do grau zero ressurge mais uma vez para assombrar a política partir de três premissas:

(a) Se em 2003 alguém viesse do futuro e dissesse que, depois de mais de uma década de  sucessivos governos de esquerda, o Congresso seria dominado por homofóbicos, neofascistas, evangélicos e pequenos escroques de um baixo clero que anunciariam, com todo os pulmões ao vivo pela TV, seus votos pelo impedimento de uma presidenta, certamente acharíamos que isso era um roteiro de algum filme de humor politicamente incorreto;

(b) A forma como após sucessivos governos de esquerda um presidente foi derrubado do poder praticamente sem reação: enquanto a grande mídia detonava suas bombas semióticas diariamente para criar um clima de opinião de crise econômica e política, os governos petistas não só eram reticentes em relação a Lei dos Meios e o monopólio midiático – também alimentavam a grande mídia com grossas verbas publicitárias com sua orientação “técnica” e “republicana”.

(c) Os sucessivos governos de esquerda não implementaram nenhuma política “socialista”: nada mais fizeram do que ingressar o País em um regime capitalista com a regularização da reprodução da mão de obra com sua inclusão no mercado de consumo a partir de políticas neodesenvolvimentistas. Enquanto isso, o sistema financeiro aferia lucros recordes com os altos juros. E mais: o outro lado a inclusão no consumo foi a precarização do trabalho – o estágio avançado da exploração no capitalismo com a abolição dos direitos trabalhistas – leia ALVEZ, Giovanni. “Neodesenvolvimentismo e precarização no trabalho no Brasil” in Blog Boitempo

As principais críticas ao governo Dilma vinham da própria esquerda, acusando-a  de dar as costas aos movimentos sociais enquanto aplicava uma agenda de medidas econômicas “conservadoras”.

Por que derrubar Dilma?

Se governos supostamente de esquerda deixaram a banca financeira satisfeita e ajudaram a modernizar as formas de exploração capitalista, por que a urgência da derrubada da atual presidenta?

Dando ainda mais força etérea ao fantasma de Baudrillard poderíamos afirmar: Dilma não foi derrubada por colocar em perigo a ótima reprodução do capitalismo mas, ao contrário, por paradoxalmente ajudar a implementar uma agenda neoliberal roubando essa pauta da “Direita”.

Levando às últimas consequências a tese do grau zero da política, os governos do PT colocaram o sistema da política em uma crise simbólica ao criarem uma perigosa reversibilidade: a partir do momento em que lentamente expropriaram a agenda conservadora da Direita,  colocaram em risco o código binário Esquerda/Direita que sustenta a reprodução do sistema linguístico da Política.

Para o ceticismo de Baudrillard, o sistema político não produz política, mas reproduz a Política. Através de estratégias de simulação procura esconder a intransitividade do signo político – de que as posições do espectro político nada mais são do que signos distintivos de um sistema que se autonomizou e fechou-se em si mesmo enquanto o sistema econômico se autogere. 

Para a economia a única função do sistema político é tornar verossímil para a opinião pública as decisões dos agentes financeiros ou industriais por meio de uma narrativa política crível, porque construída pela binariedade do código.

Pois é justamente essa narrativa simbólica que o PT colocou em perigo. 

Todo o sistema político necessita simular diferenças através de dois discursos: o escândalo da corrupção e a ameaça do terror através de um inimigo interno ou externo. “Mensalão”, “petrolão” e “bolivarianismo” foram as variações de uma narrativa que é sempre posta em ação quando o sistema político é ameaçado pela entropia: o perigo dos eleitores descobrirem que, na verdade, todos os signos são reversíveis e equivalentes.

A ameaça do non sense

Quando os governos petistas ameaçaram permanecer no poder continuando a implementar medidas ótimas de reprodução do capitalismo, a grande mídia disparou o alarme para esse ameaçador non sense que poderia implodir a narrativa política.

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Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

10 Comentários

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  1. “Agenda conservadora”…

    É impressionante!

    A política de valorização do salálrio mínimo é da “agenda conservadora”, é?

    Direitos das empregadas domésticas é coisa da “agenda conservadora”, é?

    A pauta de ampliação de direitos de minorias é da “agenda conservadora”, é?

    A política externa sem estar alinhada caninamente à dos EEUU é da “agenda conservadora”, é?

    A defesa do Presal, do patrimônio e do conteudo nacional são da “agenda conservadora”, são?

    Transferencia de renda de verdade, financiamento da agricultura familiar, credito estudantil, ciencia sem fronteiras, SISU, valorização da atenção básica na saúde são da “agenda conservadora”, são?

     

    1. Esquerda infantil.

      Sou petista e de esquerda a muito tempo o poblema da esquerda é que não descuti comunicação já que não consegue passar a lei de médios o que deveria ter feito brigar para cada deputado de esquerda ter Radios TVS.e ir pro pau contra os caras os deputados de direita tem aos montes [tem que ter meios de comunicação para fazer o contra ponto ,paras desse negócio de masturbação sociologica falar só para intelectual falar para o POVÃO].

  2. Texto fraco e pretensioso. A
    Texto fraco e pretensioso. A toque de fórceps transplanta sem muita persuasão os filósofos pós modernos para explicar a realidade brasileira. No meio da salada aparece o marxista Giovani Alves. Como diz a sabedoria popular: o buraco é mais embaixo.

  3. Muito interessante!

    Discordo um pouco nas observações (secundárias, na verdade) de cada um pois o lugar e o momento que inspiraram o texto, fazem com que as observações destes dois pensadores coincidam sobre eles (lugar e momento). É compativel com o que se percebe; parece ser o que está se passando; o que ocorre vai de encontro ao escrito e vice-versa. Não sei se explica tudo cabalmente, definitivamente. Não sei se estes pensadores quereriam isto – respónder tudo.  Mas provoca, ajuda a pensar este “bolo doido”.

    Excelente o texto.

  4. Só pra marcar a diferença: ao

    Só pra marcar a diferença: ao contrário de Baudrillard, Deleuze não era niilista e validava a clivagem entre direita e esquerda, sendo esta última um devir minoritário, processo de variação contrário ao grande gueto conservativo e conservador da maioria: a direita. PS: apesar de as oligarquias serem minoritárias, no sentido numérico, elas têm apoio de maiorias. Para Deleuze, minoria e maioria seriam qualidades, não meras quantidades.

  5.  
    … Para quem quiser saber

     

    … Para quem quiser saber tudo e um pouco mais sobre o STF dos nossos tenebrosos dias…

    ***

    A GRANDE DÚVIDA CONSTITUCIONAL DE QUE O SUPREMO FUGIRÁ

    Por catedrático e impávido professor Warderley Guilherme dos Santos, cientista político e escritor

    22 de abril de 2016 Segunda Opinião

    (…)
    Tenho escassa esperança de que o Senado, julgando o mérito do pedido de impedimento, aceite o óbvio: por nenhuma evidência atual ou histórica, e até biográfica, a presidente Dilma Rousseff jamais violou ou tentou violar as instituições representativas democráticas.
    (…)
    Tampouco acredito no discernimento do Supremo. Em matéria de extenso conflito social, só os ministros autoritários costumam içar bandeiras. Os liberais, como de hábito, se escafedem. Dirão todos, ou a maioria esmagadora deles que o rito foi respeitado e não lhes cabe apreciar o mérito da decisão congressual. O dedo do demônio golpista está precisamente neste detalhe.
    (…)
    A seriedade das instituições republicanas se dilui no despudor de um Legislativo que convive com a propaganda da tortura e na prolixidade capciosa dos tribunais de justiça. A república se esfarela e o amanhã promete ser violento.

    FONTE [LÍMPIDA!]: http://insightnet.com.br/segundaopiniao/?p=306

  6.  
    Jornal alemão desmascara a

     

    Jornal alemão desmascara a grande imprensa brasileira 22/04/2016 O “Die Zeit”, mais respeitado semanário alemão, desmascara a parcialidade da imprensa brasileira, contra o governo da presidente Dilma Rousseff. “Desde a reeleição da presidente brasileira no final de 2014, a oposição bloqueou quase todas as decisões no parlamento. Os principais meios de comunicação do país fornecem um fogo contínuo de propaganda antigoverno: a maioria pertence a oligarcas influentes com opiniões de direita e padrões jornalísticos relaxados”, diz o texto. FONTE [LÍMPIDA!]: http://www.brasil247.com/pt/247/midiatech/227652/Jornal-alem%C3%A3o-desmascara-imprensa-brasileira.htm

  7. Caramba, o PT jamais foi

    Caramba, o PT jamais foi socialista, é trabalhista. Por que tantas surpresas?  De qualquer jeito, a pergunta do texto é válida: por que querem tirar a Dilma? Mas a resposta envolvendo ‘crise simbólica’ ficou a desejar.Lembremos que estamos na periferia do capitalismo  onde a banda não toca exatamente como em seu centro que dever ser a referência dos pensadoress franceses citados.  Nestas bandas, aumentar um pouquinho o salário e o consumo é demais, “coisa de comunista”. Ou ainda, nem sempre o que é bom para os capitalistas tupininquins é bom para os capitalistas de Wall Street., sem falar em questões de geopolítica. 

    .

  8. Uma tese que vai virar farinha no ar,

    Se a tese estiver correta, tanto faz, PT ou PSDB.  Então não haveria problema nenhum em se trocar o governo PT pelo governo PMDB,PSDB  e demais. Tudo continuará como antes? A ver.  A prova dos 9 serão os milhões de pobres que ousaram pensar em um futuro melhor.  Terão eles razão para continuar sonhando? Se sim, não vejo problemas, realmente tanto faz.  Mas eu duvido que as coisas são assim tão simples na política real. Eu duvido que o petróleo so présal continuará nas mãos da Petrobras.  Eu duvido que não hajam mudanças profundas nas políticas sociais. 

    Uma irresponsabilidade uma pessoa ficar teorizando com a vida de tantos em jogo, com o futuro do Brasil como país independente em jogo. Duvido que nossa política externa continuará como antes.  Duvido que continuaremos no caminho de dominar tecnologias de ponta que nos permitam uma defesa eficiente.  Adeus submarino nuclear, adeus aviões de última geração,  

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