Como foi e os motivos da invasão da Escola Florestan Fernandes, por Silvia Beatriz Adoue

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Como foi e os motivos da invasão da Escola Florestan Fernandes

por Silvia Beatriz Adoue

Muitas pessoas que sabem que sou professora da Escola Nacional Florestan Fernandes me perguntam que aconteceu ontem, dia 4 de novembro, com a entrada da polícia civil na sede de Guararema. Esta postagem é para responder a todas e todos que me perguntam, preocupados: “Como foi?”, “Por quê?”.

“COMO FOI?”

Às 9:45 de sexta feira, 4 de novembro, a policiais civis de Mogi das Cruzes chegaram na portaria da escola em uma dezena de viaturas. Não possuíam mandado de busca e apreensão, mas queriam entrar. Era realmente assustador, porque estavam fortemente armados e o procedimento não estava dentro das normas jurídicas. Os responsáveis pela portaria queriam ver o mandado. Então eles apresentaram um documento que lhes enviaram pelo whatsapp, na tela de um celular, sem assinatura de juiz.

Como os porteiros exigiam a apresentação de documentos para franquear a entrada, eles tentaram quebrar a porta e, sem êxito, alguns entraram pela força através da janela da portaria. Uma vez dentro da escola, apontaram as armas para estudantes que estavam por perto. (Na hora estavam ocorrendo várias aulas de diferentes cursos, entre eles, a da maestria do Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Territorial na América Latina e Caribe (TerritoriAL, que é um convênio entre a Escola Nacional Florestan Fernandes, a Via Campesina, a UNESCO e a UNESP, no qual também leciono.)

O bibliotecário da escola, o professor Ronaldo, um senhor de 64 anos, aposentado, vizinho de Guararema que contribui de maneira voluntária perdeu o equilíbrio (ele sofre de mal de Parkinson) e se apoiou em um dos policiais que estava do lado dele para não cair. Sempre acontece com ele, mas desta vez a preocupação contribuiu, já que os policiais estavam apontando para o parquinho na frente da ciranda infantil, onde filhas e filhos dos estudantes e professores permanecem durante as aulas junto com pedagogos da própria escola. O policial, simplesmente, derrubou ele no chão e algemou. Uma das musicistas que estava na palestra sobre música popular que estava ocorrendo, como o músico mineiro Lirinha, foi explicar para os policiais que o professor Ronaldo tinha problemas de motricidade. Também foi reduzida e algemada. Para afastar as pessoas que foram socorrer o aposentado no chão, os policiais atiraram com balas de chumbo, e os estilhaços provocados por elas atingiram uma das mulheres presentes. Ronaldo acabou com costelas quebradas pela violência com que foi derrubado no chão.

Por uma das entradas alternativas da escola, que estava com cadeado, um policial dizia para uma das auxiliares pedagógicas: “alguém vai sair morto daqui” (isto foi filmado e circula nas redes sociais), configurando uma clara ameaça. Assistindo os vídeos das câmaras de segurança da escola e os tirados com celular podemos observar que a ação dos policiais, além de não seguir os procedimentos legais de apresentação do mandado devidamente assinado, foi bem atrapalhada. Por fim, a pessoa que eles procuravam, não acharam e nem sequer era conhecida pelos responsáveis da escola.

Simultaneamente, em Sidrolândia, no estado de Mato Grosso do Sul, três viaturas policiais, com placas do Paraná, entraram no Centro de Pesquisa e Capacitação Geraldo Garcia (CEPEGE). Também sem mandado de busca e apreensão, procuravam uma pessoa do estado de Paraná que não acharam na escola.

“POR QUÊ?”

Depois transcendeu que, tanto em Sindrolândia como em Guararema, as ações da polícia estavam dentro da “Operação Castra” (“latifúndio”, em latim), que consistia em prender 14 lideranças de acampamentos Dom Tomás Balduíno e Herdeiros da Luta pela Terra, da região central de Paraná. As acusações vão desde “roubo de gado” e “cárcere privado” até “associação criminosa”. Esses acampamentos reúnem 3 mil famílias do estado e a terra está em processo para destiná-la à reforma agrária. Era uma área enorme que tinha sido indevidamente explorada pela empresa Araupel, uma madereira que planta pinus para fazer pasta de celulose, um dos principais commodities produzidos no estado, devido à riqueza aquífera da região. Mesmo já sem posse efetiva da te rra, a empresa vem retirando madeira da área. Funcionam ali escolas itinerantes com uma infraestrutura em madeira, que atendem todas as crianças e adolescentes acampados e as famílias já produzem alimentos para atender as necessidades da população. Mesmo assim, sofrem sistemáticos incêndios criminosos. E, no dia 7 de abril deste ano, um grupo de vinte acampados do acampamento Dom Tomás Balduíno foi encurralado na área por policiais militares junto com seguranças da empresa Araupel, que dispararam 120 tiros, segundo o laudo posterior, e mataram os camponeses Vilmar Bordim e Leomar Orback. Detalhe, em 1997, seguranças da mesma empresa mataram dois camponeses também.

Observamos que o ingresso truculento em duas escolas destinadas à qualificação de camponeses visa não apenas criminalizar a luta pela reforma agrária, mas a luta pela educação, tentando apresentar os locais de formação como “refúgio de criminais” e a própria educação do campo como “perigosa para a sociedade”. Só a Escola Nacional Florestan Fernandes oferece 70 cursos de graduação e pós-graduação conveniados com universidades públicas. Absolutamente todos esses cursos desenvolvem produção científica sobre a questão agrária e tecnologia agrícola de maneira mais eficiente, já que envolvem estudantes e pesquisadores enraizados nas áreas de produção agrícola. A ENFF é referência no mundo em ensino, pesquisa e extensão.

Desconfio que as ações ineficientes, do ponto de vista do objetivo propalado, visavam outro fim não explicitado: dar a entender que as escolas com finalidade formativa escondem “bandidos”. Isto acontece num contexto de tentativas de contrarreforma da educação pública, projetos de emenda constitucional que retiram recursos públicos para a educação, uma campanha contra a gratuidade do ensino superior público, as tentativas de fazer da pesquisa das instituições públicas um balcão de venda de serviços de inovação baratos para as empresas e projetos de lei como o da “Escola sem partido”, que visa a perseguição ideológica de educadores.

De fato, os ataques à educação pública abrem um grande campo de negócios para a “privatização fatiada” do ensino público. A contrarreforma do ensino médio também visa a formação de força de trabalho flexível, isto é, precarizada. Mas todo esse complexo de propostas também pretende reduzir a resistência crítica a um projeto de nação desnacionalizada, que atenda apenas as demandas do polo externo da economia, que vê nosso território como um espaço de produção de commodities e reserva de força de trabalho barata, mesmo quando qualificada.

Por esse motivo, estou agora de saída para a Escola Nacional Florestan Fernandes, para um ato de desagravo à escola, em oposição aos procedimentos fora da legalidade realizados por agentes de instituições do Estado, mas também como educadora, para sustentar com o corpo os valores civilizatórios que respaldam a ciência que ensino.

Silvia Beatriz Adoue

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

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  1. Só uma correção: Lirinha é

    Só uma correção: Lirinha é pernambucano, e não mineiro.

    [video:https://www.youtube.com/watch?v=EwFYVRiAasM%5D

    O Guarda Abilolado

     Lirinha
    Composição: Chico Pedrosa

    Dotô, eu tenho razão
    de ser meio abilolado
    Venho de um tempo marcado
    por seca e revolução
    Quando eu tinha um ano e meio,
    escapei de um tiroteio
    De meu pai com bulandeira,
    e pai ganhou não sei,
    também nunca perguntei,
    nem sequer por brincadeira
    Vim conhecer a cidade,
    quando votei pra prefeito,
    que por sinal foi eleito
    e pra minha felicidade
    me deu em emprego de guarda,
    me arrumou uma farda,
    um capote, um coturno,
    um cacete envernizado,
    um apito enferrujado
    e fui ser guarda noturno
    Passava-se as noite inteira
    apitando na cidade
    Escola, igreja, cinema,
    mercado, maternidade
    Nas noites frias de inverno
    eu usava um belo terno
    Umas meias de croché,
    bebia quatro cachaça,
    dava três volta na praça
    e corria pro cabaré
    Lá, havia de tudo,
    discussão, briga, lorota,
    uns que contava aventura,
    uns que pagava meiota
    Quando um bêbo se zangava,
    eu ia lá ajeitava
    O bêbo ficava manso,
    pagava uma bebia,
    Dava um apito e saía,
    na velha ginga do ganso
    Até que um dia o prefeito
    fez uma reunião
    E nela perguntou aos guarda:
    “Querem aumento ou promoção?”
    Antes de fechar a boca,
    eu gritei com a voz rouca:
    “Quero promoção, seu Zé!”
    Disse ele “Tá garantido,
    tá aprovado, tá promovido,
    pro maior posto que houver!”
    Me entregou a farda nova,
    fulorada que nem chita,
    enfeitada com galão,
    estrela, medalha, fita,
    broche, botão, alfinete,
    Trocou meu velho cacete
    por um profissional,
    disse “De hoje em diante,
    você é o cumandante,
    da guarda municipal!”
    Uns seis meses depois,
    veio a guerra mundial
    Nesse tempo, uma irmã minha
    tava morando em Natal
    Resolvi visitá-la,
    butei a farda na mala
    Entreguei o cargo a Raimundo,
    que era quase meu irmão
    Peguei o trem na estação
    e me entupigaitei pelo mundo
    Ô lugar longe da gota
    Quase que o trem não chegava mais
    Tinha hora que eu pensava
    que tava andando pra trás
    Entre solavanco e berro-berro
    O velho embuá de ferro
    viajou a noite inteira
    De manhã cedo chegou
    deu um apito e parou
    na estação da Ribeira
    Desembarquei e fiquei,
    perdido na multidão
    Quando eu puxava conversa
    ninguém me dava atenção
    Quanto mais bom dia dava,
    mais o povo se zangava,
    Talvez me achando chato,
    era um povo diferente
    Da qualidade da gente
    das cidadinhas do mato
    Perguntei pra mais de mil,
    se eles dava notíça
    De Carmelita de Souza,
    uma caboca mestiça,
    filha do guarda Pompeu,
    mais moreno do que eu,
    do cabelo meio ruim,
    que morou na Ari Parreira,
    que fica perto da Feira
    do bairro do Alecrim
    Depois de tanta pergunta,
    depois de ouvir tanto não,
    Carmelita apareceu
    no pátio da estação
    Toda metida a finesse,
    puxando os ‘r’ e ‘s’
    Que nem mulé de dotô
    nem parecia a matuta
    que lavrou a terra bruta
    do sertão do interior
    Mesmo assim me arrecebeu
    na sua casa mudesta
    Os primeiros cinco dias
    pra nós foram de festa
    Quando o sexto dia veio,
    resolvi dar um passeio
    mandei arrumar a farda,
    tomei banho tirei o grude
    Me arrumei como pude
    pra ter meu dia de guarda
    Passei o resto da tarde
    sentado num tamburete
    Pregando estrela, galão,
    broche, medalha, alfinete
    Comprei mais uns acessório,
    enfeitei meu suspensório
    Feita de sola curtida,
    de manhã cedo vesti,
    tomei café e saí,
    dando risada da vida
    Na Praça Gentil Ferreira,
    aonde tinha um mercado
    Eu parei pra tomar fôlego,
    quando passou um soldado
    Fez continência pra mim
    Aí eu pensei assim:
    “Que diabo que ele viu neu?
    Deve tá me confundindo,
    me achando parecido
    com algum amigo seu”
    Mas haja passar soldado,
    fazendo assim com a mão,
    Daqui a pouco,
    tenente, coronel, capitão,
    cabo, sargento, major,
    E todo estado maior
    dos quartéis da redondeza
    Me cumprimentavam ali
    Até hoje eu nunca vi,
    tamanha delicadeza
    Disparou tanque de guerra
    Avião deu vôo rasante,
    sirene apitou mais alto,
    Canhão disparou distante
    E um guarda do coronel
    tirou do bolso um papel
    Aonde tinha um letreiro,
    nele dizia:
    “Em nossa terra
    tem um espião de guerra
    que chegou do estrangeiro.”
    Não quer falar com ninguém,
    não pergunta, nem responde.
    Ninguém sabe donde vem,
    ninguém sabe onde se esconde.
    Sua farda é cor de ameixa.
    A impressão que nos deixa
    é que é um grande guerreiro.
    Filho de outra nação,
    perigoso espião
    da guerra dos estrangeiro.
    Vamos leva-lo ao quartel
    pra uma averiguação,
    Pra saber donde diabo
    vem esse espião.
    Em seguida me levaram
    pro quartel e me entregaram
    ao comandante geral,
    que quando me viu fardado,
    me perguntou meio assustado:
    “Que está aí fazendo em Natal?
    Donde diabo é essa farda?”
    Faça um favor, me informe,
    qual é a nação que usa esse uniforme,
    desconhecido da gente?”
    Quem lhe deu tanta patente,
    a troco não sei de que?
    E porque vossa excelência
    não responde continência?
    Afinal, quem é você?
    Dotô, eu sou Zé Carrapeta,
    Tou vindo do Cariri
    Não sei fazer continência
    pra gente que nunca vi
    Afinal, não sou intruso
    Pois acredite eu só uso
    esse quepe de biriba,
    Esse cacete e esse coturno
    Porque eu sou guarda noturno
    No sapé da Paraíba

     

  2. Repetindo minha desconfianca

    Repetindo minha desconfianca de ontem:  NAO houve roubo de gado, o gado foi vendido.  A acusacao ta parecendo eh sonegacao mesmo.

  3. Estado de Exceção

    Urge uma denúncia  Internacional  sobre estes fatos. Aqui dentro não há  instâncias de Estado comprometidas na resistência  ao golpe !

  4. MENTIROSO !

    … o governador bandido do estado de São Paulo,  justificou essa criminosa ação dizendo que os policiais traidores da nação foram agredidos e puxados pra dentro da escola, por militantes…

    … ora, se nós juntarmos o governador bandido e toda a sua tropa, não vamos atingir nem metade da credibilidade e dignidade dessa professora,….   então a classificação de mentiroso é a única que se pode aplicar a esse sujeito…. 

    parabéns aos eleitores envolvidos !

     

  5. Até o momento não li uma linha

    Até o momento não li uma linha das medidas a serem adotadas pelo governandor de SP (chefe da polícia civil). Na minha opinião, o delegado geral da PC já deveria ter sido exonerado ou na pior das hipóteses o delegado regional de Mogi. 

    Aliás cadê o MP paulista? Sempre ativo em policiar as ações da prefeitura de SP. 

     

  6. Cadê o Ministério Público para cumprir seu dever?

    Seu dever de controle externo da atividade policial. Se houve invasão e tudo como narrado acima, ou seja, sem mandado judicial, é caso claro de abuso de autoridade. Se a ação foi coordendada por mais de três pessoas aí já se pode imaginar associação criminosa. Nem se precisa considerar as alegadas lesões corporais. Mas a julgar pela jurisprudência do caso “Carandiru”, a tendência é a impunidade. É aí que a gente se sente numa República das Bananas, sem cidadania. A sociedade espera que o MP de São Paulo, tão ágil em alguns casos específicos, seja também ágil e eficaz neste, de gravidade enorme, que está repercutindo no mundo inteiro, a sinaliza no Brasil uma Ditadura Instalada.

    1. Me desculpe, mas nada podemos

      Me desculpe, mas nada podemos esperar do ministério público.

      Por quê?

      Porque a mim parece que é extamente o ministério público o incentivador destas transgressões ao direito, a democracia e a liberdade de expressão. Me parece que o ministério público, de maneira geral, está a serviço daqueles que não querem um brasil, livre, soberano e desenvolvido.

  7. SP, há dez anos uma ditadura

    SP, há dez anos uma ditadura envergonhada,

    hoje, uma ditadura escancarada……e o “santo” com aquela cara de bom moço deixando baixar o porrete nos mais vulneraveis,

  8.  
    Esses policiais são bem

     

    Esses policiais são bem pior que os capitães do mato. Esses policiais pensam que são elites, que estão por cima. Pobres meganhas ! São incapazes de compreender a própria função. É a banda podre da sociedade.

  9. É a segunda ditadura da minha vida!

    Na primeira, o povo que estudava direito e passava na OAB se mobilizava na defesa da população perseguida, agora eles só sabme fazer patéticos concursos 🙁 

  10. vomitei

    se eu tivesse lido a chacina em uma escola feita por traficantes eu saberia, pelo menos, que estando distante dos traficantes poderia ficar distante das chacinas. Mas policiais pagos com meu imposto para cuidar da minha segurança …   vomitei.

  11. NO TUCANISTÃO …

    TÁ TUDO DOMINADO …  esqueçam! Justiça, Mídia… Polícia  … Câmara .. Assembléia …o Estado é deles. A partir de janeiro, a Prefeitura é deles!!! E parece que agora, depois das eleições, o povão também tá do lado deles…  Tudo do lado deles! esqueçam … Perdemos!

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