Como Sabesp abriu mão dos investimentos em detrimento dos lucros dos acionistas

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Enviado por Miriam L

Do Cantareira para a Bolsa de Nova York

Da CartaCapital

 

Desde o início do ano, o governador Geraldo Alckmin se esforça para encontrar um culpado pela crise de abastecimento que assola o Estado de São Paulo, em especial a capital. Em um primeiro momento, o alvo foi São Pedro, o santo com preferências partidárias que ordenou que suas nuvens permanecessem longe das terras bandeirantes. Agora, ao lado do candidato à Presidência Aécio Neves, novos responsáveis foram escolhidos. Enquanto para o governo paulista a ONU mente ao responsabilizá-lo pela crise, Aécio culpa o governo federal pela falta de água nas torneiras dos paulistas.

Uma Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público Federal e pelo Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente do Ministério Público Estadual de São Paulo mostra claramente, e com base em uma farta documentação, quem são os verdadeiros responsáveis pela crise que pode comprometer o abastecimento na capital pelos próximos anos. Em cerca de 140 páginas, a promotora Alexandra Facciolli, os promotores Geraldo Navarro Cabanas, Ivan Carneiro Castanheira, Rodrigo Sanches Garcia e o procurador da República Leandro Zedes Lares Fernandes detalham como a atual crise de abastecimento na capital paulista e na região de Campinas, ambas abastecidas pelo Sistema Cantareira, é uma tragédia anunciada resultante de uma escolha do governo de São Paulo e da Companhia de Saneamento do Estado de São Paulo, a Sabesp.

Amparada em uma série de estudos de professores da Unicamp, relatórios da própria Sabesp e informações das agências reguladoras, os signatários ofereceram a ação na Justiça com o objetivo de “estabelecer restrições e limites ao direito de uso pela Sabesp das águas do Sistema Cantareira e coibir o uso indiscriminado da segunda parcela do volume morto de tal sistema produtor, uma vez que tal situação, levada às últimas consequências, poderá trazer sérias implicações ao abastecimento público, levando a um colapso das duas regiões abastecidas (Bacia do Piracicaba e RMSP), riscos à saúde pública, impactos ao meio ambiente, com possibilidades de novas tragédias ambientais, como a mortandade ocorrida em fevereiro no Rio Piracicaba, bem como impactos à indústria, agricultura e economia em geral.”

Segundo os promotores, mal vigiada pela Agência Nacional de Águas e pelo Departamento de Águas e Energia Elétrica do Estado de São Paulo – alvos da mesma ação -, a Sabesp, sob a tutela do governo tucano, escolheu bater recordes na Bolsa de Nova York ao invés de educar seus clientes sobre a natureza limitada dos recursos hídricos. O resultado: ao passo que transformava investimentos necessários para a manutenção do abastecimento em “distribuição de dividendos” milionários, a Sabesp deixou de criar novos sistemas de captação e sobrecarregou o Sistema Cantareira a ponto de reduzi-lo a 3% de sua capacidade total.

“De acordo com este relatório 20-F 2013 da Sabesp, conclui-se claramente que em 2012 e 2013 não foram tomadas medidas para proteger o Sistema Cantareira da mais severa estiagem registrada em toda série histórica. Paralelamente, foram os dois anos nos quais se obteve os maiores lucros líquidos da história da Companhia e de distribuição de dividendos, valendo observar que, neste período, o Sistema Cantareira foi responsável por 73,2% da receita bruta operacional da empresa, denotando a superexploração daquele sistema produtor que não mais conseguiu se recuperar diante da gravidade do atual evento climático de escassez.”, cravam os promotores.

Aos números: desde 2004, quando recebeu a outorga para utilização do Cantareira, a Sabesp lucrou cerca de 12 bilhões de reais. Desse total, quase 4 bilhões foram direto para os bolsos dos acionistas.  Em 2012 e 2013, anos citados na ação civil pública como recorde de lucros da estatal, os repasses aos acionistas somaram cerca de 500 milhões e o lucro ficou na casa dos 1,9 bilhão de reais. Desse total que foi para o bolso dos acionistas, 73% saiu da destruição do Sistema Cantareira.

Além de sobrecarregar o Cantareira para manter os altos lucros, a Sabesp, não por falta de dinheiro, deixou de planejar e executar novas obras de captação. Entretanto, desde 2004, quando da concessão da outorga para uso por 10 anos do Cantareira pela Sabesp, a Agência Nacional de Água já alertava sobre a necessidade de investimentos nessas novas fontes. Em seu artigo 16, lembram os promotores, a outorga estipulava que a Sabesp “deveria realizar em 30 meses estudos e projetos que viabilizem a redução de sua dependência do sistema (Cantareira)”. Mas não foi o que ocorreu. Em dez anos a Sabesp não criou nenhum novo sistema produtor. O mais importante deles, o São Lourenço, está atrasado em dois anos e suas licitações já foram alvo de matérias de CartaCapital. Aqui e aqui.

Não bastasse a falta de investimento em captação, segundo os promotores, a Sabesp ainda deixou de cumprir uma imposição dos órgãos reguladores, a utilização das  “Curvas de Aversão a Risco”. “Por esta metodologia, internacionalmente reconhecida, dependendo do mês e do volume atual armazenado no Sistema, as Curvas de Aversão a Risco correspondem a um conjunto de curvas utilizadas para definir a vazão limite de retirada do sistema de forma segura, sem comprometer os 24 meses subsequentes, de forma a manter uma reserva estratégica ou volume mínimo ao final do período hidrológico seco. No caso do Sistema Cantareira, o cenário hidrológico seco crítico adotado corresponde ao biênio 1953/1954.”, diz a ação.

Segundo os promotores, com a autorização dos órgãos gestores (ANA/DAEE), a Sabesp abandonou a metodologia e os mecanismos legais expressamente previstos para garantia, com a necessária antecedência, de níveis aceitáveis de segurança de abastecimento público, que não devem ser inferiores a 95%.  “Como visto, continuaram sendo praticadas pela Sabesp elevadas captações do Sistema Cantareira. Isso acarretou o irrefreável, alarmante e histórico rebaixamento dos níveis de água acumulados nos reservatórios, abaixo dos volumes operacionais (volume útil), ensejando conflitos e crises”, explicam os promotores.

Somente a partir de março de 2014, já diante do colapso hídrico, foi determinada pelos órgãos gestores, de forma insuficiente e tardia, a redução pela Sabesp das vazões de retirada do Sistema Cantareira.

Por fim, os promotores apontam quais foram o resultados e o que está por vir devido as falhas de gestão da Sabesp. “Estamos, de fato, avançando em uma zona de risco, que não pode ser “maquiada” com os aumentos artificiais do volume útil, em razão da incorporação das parcelas do volume morto. Estamos caminhando a passos largos em direção ao esgotamento. É alarmante a redução rápida dos níveis dos reservatórios verificada nos últimos meses, acenando para a necessidade de medidas urgentes e drásticas para conter o acelerado consumo da reserva estratégica”.

Ao tentar dividir o ônus da crise de abastecimento com o governo federal e criticar a ONU pelos seus problemas, o governo de São Paulo está, mais uma vez, preocupado em esconder o problema ao invés de tentar resolvê-lo. É o mesmo procedimento utilizado desde 2004, quando começou a administrar o Sistema Cantareira.

Outro lado

A Sabesp ainda não respondeu aos questionamentos enviados pela reportagem.

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

17 Comentários

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  1. MENSAGEM DE CONSOLO AOS PAULISTAS

    o ótimo governador de vocês já já usará seus políticos influentes para resolver o problema dos afluentes da cantareira!!!

    (parafraseando o Fraga)

  2. Essa é o modelo de gestão

    Essa é o modelo de gestão tucano: pró-mercado (rentistas). E o povo que se lixe. Com apoio da mídia é fácil manipular quem se acha acima do bem e do mal: os eleitores tucanos.

  3. Só um pitaco na chamada. Esse

    Só um pitaco na chamada. Esse “em detrimiento” (prejudicar) está sendo utilizado corretamente? Não seria o caso de se dizer que a Sabesp abriu mão dos investimentos para FAVORECER os lucros dos acionistas?

  4. Só um pitaco na chamada. Esse

    Só um pitaco na chamada. Esse “em detrimiento” (prejudicar) está sendo utilizado corretamente? Não seria o caso de se dizer que a Sabesp abriu mão dos investimentos para FAVORECER os lucros dos acionistas?

  5. O título do post não está

    O título do post não está equivocado?

    “para favorecer lucros dos acionistas” no lugar de “em detrimento dos lucros dos acionistas”. 

  6. Título errado

    Caros, o título da matéria não deveria ser em favor dos lucros e não em detrimento deles? Os acionistas não foram prejudicados. Ou então “…favoreceu o lucro dos acionistas em detrimento dos investimentos…”

    1. Em suma, o título desmente a

      Em suma, o título desmente a matéria, ou seria a matéria que desmente o título. Sei lá, mas que está errado está.

  7. Curioso

    No discurso da cronica economica as oscilaçoes das açoes da BR tiram a credibilidade desse governo do PT, e a queda (vejam bem ,queda nao oscilaçao) das açoes da Sabesp nao tiram a credibilidade de ninguem ,srs analistas de mercado ?

    1. Eu penso que são coisas

      Eu penso que são coisas diferentes. O Governo Dilma errou sim com a petrobras, com o setor de petroleo, de energia e com o setor sucro alcooleiro. É algo que ela deve arrumar no segundo mandato, sob pena de continuar o desgaste até a derrota iminente em 2018. Mas, mesmo com estes erros, não falou gasolina, alcool ou energia no país. Mas água está faltando, esse é o grande problema dos governos do psdb.

  8. Governo sem vergonha. Nâo tem

    Governo estadual sem vergonha.

    Nâo tem outro nome.

    Há 20 anos no poder. Controlador da maior empresa de saneamento do País. Como que deixa faltar água para a população ?

    Como que não investe em CAPTAÇÃO, TRANSPORTE, ARMAZENAMENTO, TRATAMENTO, DISTRIBUIÇÃO E ABASTECIMENTO de água, que continua sobrando em todo o estado de São Paulo que sempre foi e continua sendo rico em recursos hídricos tanto superficiais quanto profundos.

  9. Nossas instutuições não

    Nossas instutuições não funcionam, se havia um relatório destes, porque ninguem parou o Governador , a consequencia é que 2 feira ganhando PT ou PSDB, vai faltar água em toda a região metropolitana.

  10. Esqueci de comentar não é o

    Esqueci de comentar não é o caso de um pedido de impecheament para o Alckimin, pelo relatório se vê que não é só  São Pedro o culpado pela falta  dágua, não houve investimentos.

  11. ´milhões  de dólares de

    ´milhões  de dólares de luycros para os aecionistas da sabesp

     

    e nenhuma grana para oinvestimento na elaborção de alternativas.

    agora, o governoestadual esconde seu fracasso e incompetencia

    e quer culpar a onu que flagrou a nudez do  alquimista

  12. ??????????????????????????????????????????????

     

    “É incrível, mas até hoje, em pleno século 21, o ABC não possui um sistema de coleta de esgoto”, alerta a diretora de Meio Ambiente da Prefeitura de São Bernardo do Campo, Sonia Lima. E não é por falta de uma estação de tratamento. A ETE-ABC, construída pela Sabesp, na divisa de São Paulo e São Caetano, recebe apenas 2% do esgoto da região. O resto vai para os rios. “Nós temos as redes que tiram o esgoto de nossas casas, mas não temos nada que o leve até a estação de tratamento. É como se uma casa tivesse torneiras, mas não canos que as ligassem à caixa d’água”, exemplifica. Segundo Sonia, a Sabesp tem planos para fazer esses coletores, mas são obras caras e difíceis de executar. Enquanto isso, os rios ficam irremediavelmente poluídos. “Não são apenas materiais orgânicos que são jogados lá, mas poluentes químicos vindos das indústrias e das residências. Planos para recuperação existem, mas são para longuíssimo prazo.”

    O presidente da entidade ambiental mais antiga da região – o SATS (Serviço Aéreo Terrestre de Salvamento e Proteção Ecológica) –, Hermínio Jerônimo Costa, não se conforma com essa situação. “Não tem como ver a nascente de um rio sem se emocionar. É como uma criança que nasce, vai crescendo e vai dar vida para outras vidas. Sem isso, não sobreviveríamos e o homem, que se diz inteligente, joga todo seu lixo na água, sem pensar que é essa mesma água poluída que vai entrar na casa dele”, diz.Mas a importância dessa área de preservação não fica apenas nos campos de abastecimento de água e de energia. Ela, como reserva verde, além de ser um absorvedouro de gás carbônico, é vital no controle do impacto térmico. “A metrópole é uma ilha de calor. Sem a Billings, o ambiente térmico seria desconfortável para a vida urbana”, completa Sonia Lima.

    Fonte = Circuito ABC

     

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