De como o Estado prudente deve gastar mais do que arrecada, por J. Carlos de Assis

Aliança pelo Brasil

De como o Estado prudente deve gastar mais do que arrecada

por J. Carlos de Assis

O massacre conceitual que instituições como Rede Globo e Veja fazem recorrentemente com o aberto propósito de manipular a opinião pública constitui uma das principais amarras da economia brasileira em razão de seu efeito prático sobre corações e mentes dos desinformados. Tome-se, por exemplo, a questão do déficit público. É recorrente, na Globo, o comentário do apresentador repetindo o mantra segundo o qual o Estado não deve gastar mais do que arrecada, independentemente das circunstâncias.

Se estivéssemos diante de um teste acadêmico, diríamos simplesmente que, numa recessão ou depressão, como é nosso caso, é virtualmente impossível sair da crise sem que o Estado recorra ao déficit orçamentário. Além disso, dadas as especificidades brasileiras, impor à sociedade superávits primários é uma forma de jogar gasolina na fogueira da recessão. Mas, naturalmente, não estamos diante de um teste acadêmico. Estamos num jogo de poder. Vamos procurar ver as entranhas desse jogo, e quais são seus beneficiários.

Primeiro é preciso distinguir déficit nominal de superávit primário. Déficit nominal é o que o Estado gasta num determinado período acima de suas receitas, incluindo os fluxos financeiros (juros e amortizações da dívida pública). Como qualquer família que gasta mais do que recebe, o Estado tem que financiar a diferença. Mas, diferente de uma família, o Estado pode emitir dívida pública para realizar esse financiamento atuando diretamente no crescimento econômico. Pode também, em tese, criar moeda para financiar o déficit.

O superávit primário ocorre quando o Estado  gasta em despesas correntes, fora juros, menos do que arrecada em impostos . Esse dinheiro excedente, que a Rede Globo chama de poupança do Estado, é usado integralmente para pagar juros. Agora vamos abrir essa caixa preta para entender o que acontece realmente dentro dela. Suponhamos que os felizes financistas que recebem o superávit na forma de juros de suas carteiras de títulos públicos decidem investir esse dinheiro na economia produtiva.

Nesse caso, o  dinheiro resultante do superávit primário poria a economia para funcionar, e nós todos, cidadãos e trabalhadores que buscam empregos, ficaríamos felizes. Acontece que os financistas não querem saber de investimento físico. Querem especular. Transformam os juros recebidos em mais títulos remunerados com a generosíssima taxa Selic. Assim, o dinheiro retirado da economia sob a forma de superávit primário não volta para ela sob forma de investimentos. Em termos técnicos, trata-se de um processo contracionista.

Voltemos ao déficit nominal. Numa economia convencional, o déficit é expansivo. Ou seja, através dele o Estado fornece à sociedade, em tese, mais investimentos e gastos públicos do que lhe retira sob a forma de impostos. Para financiá-lo, mais uma vez, é preciso que o Estado recorra ao endividamento. Entretanto, assim como no caso do superávit primário, o que o Estado paga aos titulares da dívida pública não volta para a economia. Fica na especulação financeira, às taxas pornográficas da Selic.

Tudo isso torna muito difícil aplicar uma política keynesiana no Brasil. Seria necessário, antes de mais nada, uma redução drástica da taxa Selic, a fim de que os barões da dívida pública se interessassem por investimento físico e não só especulação financeira. Em segundo lugar, seria preciso que também o Governo usasse pelo menos parte do dinheiro do déficit para investimentos e gastos efetivos de tal forma que devolvesse à sociedade mais recursos do que retira, facilitando a circulação da economia.

Finalmente, um dado técnico de política monetária: quando o Governo decide aumentar a dívida pública para financiar seus déficits, é preciso que alguém do setor privado compre os títulos. O setor privado pode chantagear o Governo exigindo taxas de juros mais elevadas do que ele está disposto a pagar. Nessa situação, o Banco Central deve emitir moeda e com isso forçar a redução da taxa de juros. É assim que funciona nos Estados Unidos, na Inglaterra e no Japão. Aqui a Globo, com seus consultores do mercado financeiro, não deixa. O que nos anima a contestar esse quase monopólio de consciências com a Agenda pelo Brasil!

J. Carlos de Assis – Economista, doutor pela Coppe/UFRJ.

 

Redação

14 Comentários

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  1. Vamos seguir produzindo mega-rombos no orçamento!

    Temos pressão inflacionária, temos um mega rombo nas contas públicas, e o economista J. Carlos de Assis defende que o Estado “prudente” deve seguir gastando mais que arrecada, e que a Globo é que ensina o contrário.

    Meu caro J. Carlos de Assis, faça o teste com as suas próprias contas. Gaste mais do que o sr. arrecada. Ignore os juros que o sr. tem de pagar (em função de dívidas criadas anteriormente — por gastar mais do que arrecada) e gaste ainda mais.

    Depois diga-nos o que acontece com as suas contas.

    1. Investimento não é gasto

      Não aconteceria nada com as contas dele, caso ele pudesse emitir dinheiro e ao mesmo tempo estabelecer a taxa de juros dos seus empréstímos.  Essa história de gastar menos que arrecada só serve para o Brasil e os demais países periféricos, enquanto isso, os países centrais sempre gastam mais que arrecandam, nunca vi ninguém defender que os Estados Unidos devem fazer superávit primário devido a sua imensa dívida externa que ultrapassa 100% do PIB e do Japão então, que é de mais de 200% do PIB. Na verdade, o sistema de moeda fiduciária sequer pode existir sem dívida soberana. Por fim, é importante entender que quando se defende o aumento dos gastos do governo, é através do investimento em infraestrutura que possa gerar empregos e aquecer a economia e não através do gasto corrente. A lógica é simples: o governo investe;o investimento  gera emprego; o emprego gera renda; a renda gera consumo; o consumo gera investimento (agora feito pelo setor privada para atender à demanda)  e a roda volta a girar. Com isso o país volta a crescer, o governo arrecada mais impostos e a dívida cai em relação ao PIB. Ou seja, o que paga dívida é crescimento e não ajuste. Ajuste só serve para gerar desemprego e aumentar a dívida, tá aí o ajuste Levy para provar. Isso não significa que não se pode fazer ajuste para reduzir o gasto corrente, mas sempre em momentos de crescimento econômico, onde há espaço no orçamento, não no meio de uma queda do PIB de mais de 3%. Aí, como diria Keynes: é uma mistura de loucura com burrice.

      1. BASE MONETÁRIA

        Exatamente !

        O pessoal não entendeu bulhufas da crítica feita pelo autor do post.

        Mas para explicar é simples.

        Toda hipótese, para passar à condição de tese, deve ser submetida a teste.

        É uma imposição científica.

        Se a hipótese de que o Estado não pode gastar mais do que arrecada, SEM NUNCA EMITIR, fosse aplicada na prática, imaginem a economia brasileira, com seu tamanho atual, com uma base monetária (deinheiro físico + depósitos) equivalente à da proclamação da Independência, tomada aqui como marco apenas para efeitos históricos.

        Isso é ridículo.

        A economia simplesmente não funcionaria.

        Voltaríamos ao escambo.

        Essa IDIOTICE  é propalada pela Rede Bobo apenas para permitir que os bancos privados se apropriem do Estado, por meio do endividamento (com essa estória [com e] tola de emissão de títulos de dívida), bem como para que eles utilizem o poder de sennhoriagem da emissão por meio da aplicação do sistema de reservas fracionárias, por meio do qual criam moeda.

        O gasto público promove o crescimento.

        Vivemos no mundo da moeda fiduciária.

        A moeda, tal qual a cenoura faz aos coelhos, põe os homens em ação !

        Essa criação pertence a todos, não somente aos banqueiros.

    2. Poderia citar que pais ate

      Poderia citar que pais ate hoje na historia do mundo conseguiu sair de uma crise economica e se desenvolver, adotando policas de austeridade? Duvido que consiga citar um unico exemplo.

      Por outro lado, posso citar dezenas de paises que sairam de crises economicas aumentando gastos governamentais. O caso recente dos EUA eh um exemplo clarissimo. Enquanto a Europa sucumbiu aos rentistas, adotando politicas austeras que a afundaram numa recessao sem fim, os EUA aumentaram seus gastos, aumentando seu defict, mas sairam rapidamente da recessao.

  2. Sem dúvida nenhuma.
    Faltou
    Sem dúvida nenhuma.

    Faltou apenas o comentário do senhor acerca dos financiamentos que a Globo recebe do próprio governo para falar MUITO MAL deste.

    Aí é o momento que passa batido.

    É PROIBIDO criticar o PT e o Messias.

    Por que será:

    Cooptação intelectual? Ausência de juízo critico? Ignorância?

  3. Como diria um sábio: “Esse

    Como diria um sábio: “Esse analista não entende p0rra nenhuma de Brasil”

    É claro que todos nós gostaríamos de investir fisicamente no Brasil. O Brasileiro quer e por isso somos o país mais empreendedor do planeta. O problema é que precisa tornar este investimento mais atrativo. Menos burocracia e menos interferência. Tem uma lei trabalhista que mima o empregado prejudica o empregador. Não estou pedindo para transferir os mimos para o empregador. Apenas equilibrar a balança. Poderia citar aqui os 3 processos trabalhistas que me fizeram desistir de empreender, mas não vou me alongar. Mas o fato é que ao invés de tentar melhorar as condições de empreendedorismo, que está nas piores do mundo, atrás até de 16 países Latino-americanos e até mesmo de Ruanda, o Brasil ainda resolve impor uma nova e insana lei de ICMS.

    Enfim, Doutor Analista, antes de exigir algo dos investidores, que já fazem a sua parte, exija um pouco do governo que, ao contrário do que disse, não ouve mantras da Globo, e sim diretamente dos bilionários banqueiros que jamais tiveram tantos lucros. 

    1. CORAGEM

      Os empresários brasileiros precisam ter mais coragem para serem chamados de ” empresários “. O medinho de não ter sucesso com investimentos reais os torna uns cagões de marca maior. Por isso, refugiam-se nos títulos públicos onde não produzem nada, a não ser a desgraça geral da nação, da qual eles também, em menor escala, são vítimas.

      1. Fique à vontade para mostrar

        Fique à vontade para mostrar sua coragem empreendendo, Sr Marcio Gaúcho. Você é livre pra fazer o que quiser, inclusive destilar sua grosseria por aqui. Eu vou seguir ganhando dinheiro sem risco na renda fixa. Quando estiver disposto a correr risco, vou pro mercado de ações, que tem risco bem menor que ser empresário no Brasil. 

  4. O be-a-ba!

    Estão de mau humor porque acabaram as férias e estão mais ou menos sem din din ? O que o J. Carlos de Assis exemplifica acima é o que sabemos ja ha bom tempo. Ana Maria Braga e seu colar de tomate fazendo demagogia com a inflação, enquanto atras dela, os especuladores esfragavam as mãos, esperando a volta da alta da taxa selic. E o Guido, hein!

  5. Emissão de moeda = mais inflação

    Nos Estados Unidos, na Inglaterra e no Japão a emissão de moeda não causou inflação simplesmente porque o dinheiro não foi para o setor produtivo, e sim para a mesma especulação tão detestada pelo autor – criando uma “bolha de ativos” que parece estar se deseinflando nos últimos dias. No Brasil, com suas características peculiares (taxa de juros elevada, mercado fechado à competição etc), a chance de uma emissão de moeda levar a uma espiral inflacionária é muito maior.

    O mercado obviamente não é santo, mas ele reage a incentivos como qualquer outro ator econômico. A razão para se fazer superávit primário é sinalizar aos investidores que a dívida pública é gerenciável no longo prazo. Isso levará a uma melhoria no “rating” de crédito do Brasil e, em última linha, a uma redução sustentável na taxa de juros (sem ser na base da “canetada”).

  6. O mercado tá assim de

    O mercado tá assim de especulador sentado encima de papeis da dívida pública e quando um comentarista do ramo, bota o dedo na ferida, tiram a metralhadora do armario e vai todo mundo correndo apavorado pro bunker defender o seu. 

  7. Exatamente Assis, 
    Cortar

    Exatamente Assis, 

    Cortar gastos no meio de uma crise, como fez Levy, apenas aprofunda a recessao e da municao aos que querem derrubar esse governo.

    Nao perdoo a DIlma pela inocencia em deixar o rato (Levy) se apropriar do queijo que sao as financas nacionais. Durante menos de um ano que estave a frente do ministerio da economia, da mesma forma que FHC, Levy seguiu a cartilha do consenso de Washington a risca (estado minimo, aumento de impostos, aumento de juros). O resultado nao poderia ser outro. Recessao e desemprego. Igualzinho a FHC.

    O governo precisa sim gastar mais e gastar certo. Precisa terminar as obras interrompidas (hidreletricas, transposicao do Sao Francisco) e voltar a investir na industria nacional e na populacao de baixa renda. 

    Espaco para cortar gastos ha bantante, principalmente no lombo dos nababos do judiciario.

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