De São Bernardo à São Bernardo. E agora?, por Ricardo Cappelli

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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De São Bernardo à São Bernardo. E agora?

por Ricardo Cappelli

A prisão de Lula estava dentro do roteiro traçado pela reação. A ofensiva teve início com a prisão de Zé Dirceu. A derrubada de Dilma foi o aperitivo. A prisão do ex-presidente, o esperado prato principal.

Uma coisa é prever, escrever, outra é ver a injustiça e a covardia acontecendo na sua frente. Uma derrota estratégica da esquerda brasileira.

Apesar da heróica resistência, a tristeza tomou conta dos que lutam por um Brasil livre, soberano e justo. Doeu, doeu muito ver Lula entrando naquele carro preto.

Luís Inácio foi um gigante. Rasgou sorrindo o roteiro que Moro havia pactuado com a Globo. Como sempre, escreveu sua própria história com coragem, força e inteligência. Desenhou a foto que correu o mundo. A bravura da militância presente demonstrou que a luta está longe do fim.

Na disputa de narrativas, a defensiva da Folha e a repercussão na mídia internacional demonstram que saímos vitoriosos.

É cedo para avaliar as conseqüências. O Lulismo segue vivo com ares de beatificação. A “Aliança do Coliseu”- bloco liderado pela Globo com setores antinacionais da burocracia estatal – dobrou a aposta. É difícil prever como o povo reagirá.

Pesquisa encomendada pelos Tucanos sobre a prisão de Lula explica a atitude tímida do PSDB. Nela aparece que o povo é contra a corrupção, claro, mas está se perguntando: “por que só Lula preso?” É insustentável. Este dado reforça os rumores de que podem entregar cabeças de alguns dos seus para tentar “lavar a prisão de Lula”.

O Pernambucano radicado em São Paulo começou sua vida política em São Bernardo liderando o sindicato dos metalúrgicos do ABC. Foi crescendo, ampliando, conquistando outros setores sociais, atraindo outros partidos para seu projeto de poder até deixar o Palácio do Planalto nos braços do povo.

O ato em São Bernardo do dia 7 de abril de 2018 estará nos livros de história. O Brasil da esperança está na mesma cela de Lula. Forças internacionais poderosas atuaram e atuam para desintegrar a nação.

Ao olhar as imagens pela TV e as presenças no carro de som, uma reflexão é inevitável. Por que voltamos para São Bernardo? Por que apenas PT, PCdoB e PSOL no ato? Voltamos por opção ou fomos empurrados, encurralados?

É pouco provável que Lula saia da cadeia antes das eleições. Minha cota de ilusões com eventuais piruetas jurídicas a nosso favor acabou.

Rosa Weber, que o jornalista Luís Nassif muito bem definiu como “aquela que fala Javanês”, depois de se esconder atrás do excêntrico “princípio da colegialidade”, prepara outro esconderijo com a Globo: a não alteração da segunda instância dentro do princípio da “Jurisprudencialidade”.

O Lulismo está longe de estar morto, mas vivemos a situação mais adversa das últimas décadas. Eles possuem um canhão de comunicação com o povo. O único do nosso lado capaz de disputar a narrativa, ouvido e respeitado, foi tirado de cena por um fascismo judiciário eivado de ilegalidades.

E agora? Para onde vai a esquerda?

O PT sai deste processo com a identidade fortalecida. Sem o ex-presidente arbitrando as visões distintas que habitam a legenda é difícil prever para onde irá. A nova realidade é objetiva. Os fatos têm pernas próprias, muitas vezes incapazes de aguardar uma orientação semanal.

Nada estratégico acontecerá sem que Lula seja ouvido. Mas a complexidade da situação vai impor limites.

É natural que o PT mantenha sua linha de ter Lula como candidato e registre a candidatura no dia 15 de agosto. “Liberdade para Lula” é a insígnia que deve mover todos os democratas daqui para frente.

Por outro lado, a dura realidade sinaliza que os pudores não existem mais. Fux, presidente do TSE, já declarou que o ex-presidente é “irregistrável”.

Ciro, um quadro extraordinário, foi novamente traído por seu temperamento. A ausência de líderes do PDT foi sentida. Nos momentos de alegria pode-se faltar à festa. O mesmo não pode se dizer nos momentos de dor e martírio.

Por hora, parece ter ficado mais longe a possibilidade do líder pedetista ser a expressão de um campo. Ao confundir a suposta defesa do PT com a luta democrática e nacional, cometeu um erro que pode lhe custar caro.

O encarceramento de Lula aumenta as chances de Joaquim Barbosa ser candidato pelo PSB. A bancada socialista está fechada com ele. A ausência do ex-presidente pode arrefecer a resistência que existe por parte de alguns governadores. Com Alckmin patinando, pode interessar inclusive a Márcio França.

Independentemente dos movimentos que aconteçam na frente do palco, todos legítimos, o campo popular e democrático só terá chance se houver unidade. O esfacelamento levará todos para o precipício.

É preciso quebrar o isolamento a que estamos submetidos. O impeachment nos empurrou para o canto do ringue. É preciso romper com a lógica de golpistas e não golpistas. Precisamos unir a esquerda para, a partir de um pólo, tentar atrair forças mais amplas.

Apenas um candidato à Presidência da República do campo. Um candidato desta Frente Ampla a governador em cada estado. Precisamos sair de São Bernardo e ocupar novamente o Brasil com uma ampla rede de alianças democráticas contra a ameaça fascista.

Uma eleição sem Lula estará irremediavelmente marcada pela falta de legitimidade.Infelizmente, parece ser este o campo de batalha que se apresentará. Vencer utilizando as armas que possuímos será a vitória de Lula e da democracia.

Os dias que se avizinham serão de enormes dificuldades. O pecado da disputa pela hegemonia do nada vai nos rondar. Que a sabedoria esteja conosco.

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

8 Comentários

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  1. Excelente artigo. 
    Ricardo

    Excelente artigo. 

    Ricardo Capelli tem se mostrado o melhor analista dos ultimos tempos. 

    Alguns comentários meus sobre o momento atual. 

    Uma fato que tem  me preocupado é que parece faltar pensamento estratégico ao PT. 

    Uma guerra se trava e se vence em pelo menos duas frentes, a linha de batalha, linha de frente mas também, por trás, a ESTRATÉGIA. 

    Esta parace faltar. Gleisi e Lindibergo ali, falando alto, tudo bem. Mas e a estratégia geral e ampla do partido, para as eleições ? Alguem tem o quadro geral, os candidatos a Governadores, os puxadores de voto á deputado ? 

    A esta altura, é óbvio que Lula não poderá disputar. Independente do que querem fazer, vão lançar quem ? Haddad ? Como será feita essa complexa engenharia ?

    Apoiar Ciro parece algo cada vez mais distante e realmente ele se apequenou nos ultimos dias. 

    Porém, Haddad deveria ter se engrandecido. Ainda não o fez. O Fará ?

    Imaginemos o seguinte quadro:

    Com essa imensa gama de candidatos, Ciro, o do PT, JB, A. Dias, Marina, Bolsonaro, Alckmim, talvez Lula conseguisse levar Haddad ao 2 turno com  18 a 20% dos votos. Não é impossível.

    Nesse quadro, Boulos e Manuela deveriam atuar em seus estados, como puxadores de voto para deputado federal, bem como Dilma em MG, até para ela não correr risco de perder para o Senado. 

    Imaginemos um 2 turno: Haddad x Bolsonaro. Pelo seu perfil tranquilo, Haddad poderia atrair numero expressivo de apoios dos candidatos derrotados no 1 turno, senão todos. Até a globo poderia ficar balançada, iria apoiar Bolsonaro ? Lembremos que ela apoiou Freixo contra Crivela. 

    Ou seja, não é hora de radicalização. Mobilização pacífica pela soltura de Lula, óbvio. Radicalização jamais, pois só vai atrair mais ódio e repressão do outro lado e dificultar alianças nas eleições, bem como a governabilidade depois. 

    É hora sim, de pensamento estratégico por parte do PT. Eu realmente não conheço os meandros do partido, mas será que eles têm essa visão, será que têm estrutura para isso ? Talvez a contratação de uma consultoria, um Murillo de Aragão ou um Marcos Coimbra talvez. Mas devem haver outros bons nomes. 

    O fato é que se o PT souber manejar, a batalha das eleições ainda não está perdida. 

    Vencidas as eleições, se partiria para arrumar a economia, direcionando para a produção com nacionalismo e com enfase no social e para desarmar a bomba da lava jato ( se ela não explodir o País até lá). 

  2. A primeira pergunta que se deve fazer é: houve golpe?

    Caso se responda positivamente a essa questão, cabe uma dedução lógica.

    Vive-se num regime não constitucional, ou seja, um regime autoritário, mesmo que disfarçado de: “as instituições estão funcionando”.

    Logo, a questão chave não é saber quem será o candidato, tampouco como vamos unir as esquerdas?

    A questão chave é: COMO O GOLPE SERÁ DERROTADO?

    Em outras palavras, como a democracia será reestabelecida?

    E aí, sob meu ponto de vista, só há uma saída.

    As massas acordarem. Pois, do contrário, o golpe não será derrotado.

    Em suma, as esquerdas que se arvoram representantes dos “de embaixo”, precisam se unificar, mas não para disputar as eleições e sim para DERROTAR O GOLPE. E aí está, do meu ponto de vista, o erro do Ciro Gomes e do professor Wanderley. Acho que eles partem do pressuposto de que o Estado Democrático de Direito está vigente no Brasil, ou seja, não houve um golpe e, portanto, não estamos vivendo um regime de exceção.

    Eu ao contrário, prefiro partir do pressuposto que há um golpe e que ele usa o fascismo e o militarismo como uma espécie de Espada de Dâmocles sobre os representantes políticos da esquerda.

    E o fio que segura a espada é o despertar das massas. Como se os golpistas dissessem: não ousem fazer isso, pois suas cabeças rolarão antes.

    Eis o dilema da esquerda brasileira: como despertar as massas sem perder a cabeça?

    Afinal, somente se elas estiverem mobilizadas nas ruas, ameçando “os de cima”, é que o golpe retrocederá, voltando a vigir um Estado Democrático de Direito.

    A estratégia, nesse caso, é a esquerda ter uma quantidade infindável de cabeças. Não apenas para confundir o adversário, mas também para impedir que todas sejam cortadas, ou, na atual conjuntura, presas e silenciadas.

    1. Caro, a questão é que é

      Caro, a questão é que é preciso atuar nas duas frentes, pois não se conhece o futuro. 

      O golpe existe, mas é de natureza e futuros incertos. 

      Ademais, nada é garantido que vamos conseguir essa mobilização necessária. 

      Óbvio que deve haver mobilização contra a lava jato. Porem nao se pode perder de vista a estratégia eleitoral. 

      E se a 1 parte não  der certo, ainda ? As eleições vão para o balaio ? Fazer igual a oposição na Venezuela, a certo momento desistiu de disputar ? Claro que não. 

      A centro esquerda tem que atuar nas duas frentes, uma auxiliando a outra. 

      Infelizmente parece faltar estratégia. 

      1. Concordo que é preciso atuar

        Concordo que é preciso atuar nas duas frentes.

        Mas não podemos ser ingênuos.

        1) Dirceu (ministro da Casa Civil) preso. Genuino (presidente do PT) preso. João Paulo Cunha (presidente da Câmara) preso. Delúbio e Vaccari (tesoureiros do PT) presos. Palocci (Ministro da Fazenda e Casa Civil) preso. Quem foi julgado do PSDB? Azeredo. Quem foi preso? Ninguém.

        2) Dilma eleita em 2014. Foi deposta por um golpe.

        3) Lula principal candidato em 2018. Preso. Não vão deixar ele concorrer. Por que? Porque ele estaria praticamente eleito.

        4) Jaques Wagner, possível candidato a presidencia, foi preso para prestar depoimento. Desistiu de concorrer.

        5) Haddad responde a processo. Também pode ser preso, basta ter chance de ganhar as eleições.

        Esse é o retrato da realidade política nacional.

        E porque isso ocorre? Money, power, natural resources. Falando a língua do império.

        O poder institucional e midiático está todo na mão da direita eletista, facista e entreguista. Esse é o cenário.

        Logicamente que eles não querem botar tudo a perder. Mas sem grandes mobilizações da massa dos pobres e trabalhadores que são uns cento e cinquenta milhões de pessoas, as eleições serão como tirar doce da boca de criança. Ou seja: ou o meu candidato vence, ou o teu será cassado ou deposto. E ainda, se eu achar que não dá para ganhar desde o início, não terá eleição.

        Logo, a chave principal, além da estratégia eleitoral é o trabalho de base. Pois, do contrário, ganha mas não leva. E os comandantes militares estão de prontidão para fazer isso. Impedir a volta da esquerda ao poder.

        Enfim, o cenário é muito difíicil, pois para superar o golpe é preciso ter as duas coisas. Grandes mobilizações de massa e, se tiver eleições, uma vitória eleitoral esmagadora. Mas, embora as duas questões não podem estar descoladas, a primeira é uma condição preliminar, sem a qual a segunda se torna inútil.

  3. Para ontem. O PT já deveria

    Para ontem. O PT já deveria estar com carros de som, panfletagem, comício, reuniões, em todas as favelas do Brasil. Heliópolis, Paraisópolis, Morro do Alemão, Rocinha, Brasil inteiro. Chamando a favela para o confronto. Quem mais fez por eles? LULA e o PT. A hora é essa.

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