Delcídio delata ilícitos de governo FHC, sem criminalizá-lo na Lava Jato

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Jornal GGN – A delação de Delcídio tinha o objetivo de incriminar os governos da presidente Dilma Rousseff e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Mas em meio a relatos aos investigadores da Lava Jato, o parlamentar descreveu episódios que teriam mais o objetivo de limpar o seu nome em acusações antigas de esquemas de corrupção, do que envolver a gestão tucana. O objetivo foi alcançado. Apesar de mencionar diversas vezes, sobretudo em dois depoimentos, os ilícitos ocorridos durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, Delcídio livrou o político da lista do MPF de “pessoas implicadas”.
 
Presidentes petistas entre os “implicados”
 
 
Quando mencionada a suposta interferência do Planalto no Judiciário, com objetivo de soltar presos da Lava Jato, Delcídio afirma que Dilma teve papel direto, encontrando-se com o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, influindo sobre o convite de Nelson Schaefer, chegando à nomeação do ministro Marcelo Navarro Dantas para o STJ. Também com base apenas em depoimentos, Delcídio não consegue provar as afirmações, mas indica o nome de Dilma em “Pessoas implicadas” para a equipe da Lava Jato.
 
O caso que envolve o empresário José Carlos Bumlai, Delcídio afirmou que o ex-presidente Lula pediu “expressamente” a ele que “ajudasse” o pecuarista que estava sendo alvo das delações de Fernando Soares e Nestor Cerveró. A suposta conversa, também sem comprovação, entre Lula e o parlamentar foi destaque em anexo específico da delação, em que aponta o ex-presidente como uma das “Pessoas implicadas”. 
 
Delcídio garante que a indicação de Nestor Cerveró para a Diretoria Financeira da BR Distribuidora contou efetivamente com a participação da presidente Dilma. Isso porque a presidente teria telefonado para Delcídio na época, o que garantiria a sua participação no nome de Cerveró. A chamada telefônica fez Dilma e Lula entrarem para o anexo 03 da delação de Delcídio, como “Pessoas implicadas”.
 
O esquema de Furnas, já detalhado aqui pelo GGN, envolveu Aécio Neves, Dimas Toledo, José Janene, mas também Lula e Dirceu como “Pessoas implicadas”, segundo Delcídio, com base também em conversas de bastidores entre os políticos.
 
Quando delata sobre a CPMI dos Correios, que originou o processo do Mensalão, Delcídio menciona envolvidos diretamentes na suposta manobra de omitir dados no relatório final da Comissão do Congresso. Entre os nomes expostos: Clésio Andrade, Aécio Neves, Delúbio Soares, Marcos Valério, Banco Rural e o ex-presidente Lula e seu filho, Fábio Luís Lula da Silva. Novamente, com base em diálogos de bastidores.
 
Também aponta que o ex-presidente teve influência, sem saber como comprovar, mas alegando em conversas de Lula com ele, na derrubada da convocação do empresário Mauro Marcondes e sua esposa Cristina Mautoni durante a CPI do Carf. Isso porque Maurício Bumlai, “que conhece muito bem a relação dos familiares de Lula com o casal”, confirmou a Delcídio que o casal na mira da investigação poderia incidir sobre a própria família de Lula. Essas conversas não conseguiram trazer um documento sequer de materialidade dos fatos.
 
“Dilma Roussef e a Refinaria de Pasadena” é o título do anexo 17 da delação, em que resumidamente, o parlamentar afirma que “conhece Dilma Rousseff há mais de 20 anos, sabe que a atual Presidenta da Republica é detalhista e centralizadora” e, por isso, “nesse contexto, a alegação de Dilma de que ignorava o expediente habitualmente utilizado em contratos desse tipo, alegando desconhecimento de cláusula como ‘putoption’, absolutamente convencional, é, no mínimo, questionável. Da mesma forma, discutir um ‘REVAMP’ de refinaria que nunca ocorreu, e inadmissível”, opinou o senador, sem conseguir trazer uma prova para sustentar suas palavras.
 
Corrupção da BR Distribuidora entre 1997 e 2001
 
 
Mas quando Delcídio delata o que foi, a seu ver, “um dos maiores escândalos envolvendo a BR Distribuidora”, que foi a aquisição ilícita de etanol no período de 1997 a 2001, por meio da influência de Michel Temer com o seu “apadrinhado” João Augusto Henriques, dentro da estatal, Delcídio não deixa de mencionar que “a ilicitude ocorreu durante o governo de Fernando Henrique Cardoso”. 
 
Por outro lado, preferiu não entrar no mérito se o então presidente da República tinha ou não conhecimento do que ocorria na representativa estatal brasileira. Por esse motivo, não levou os investigadores da Lava Jato a acrescentar o nome de FHC na lista de “Pessoas implicadas”.
 
Quando entra em detalhes do caso, Delcídio relata à equipe de investigação da Lava Jato que, enquanto era diretor da BR Distribuidora, entre 1998 e 2000, João Augusto Henriques tinha uma gestão “polêmica” e uma de suas responsabilidades era a compra de etanol. 
 
Delcídio explicou que as diretorias envolvidas com a compra e venda de etanol “são muito cobiçadas na BR Distribuidora” e que João Henriques fazia operações “para obter recursos a partir da variação do preço de compra do etanol junto às usinas”, manipulando as margens de preço. 
 
Apesar de ser ocupar a importante Diretoria na estatal durante o governo tucano, Henriques era apadrinhado do peemedebista Michel Temer, quando este o tentou levar à Diretoria Internacional da Petrobras. A tentativa foi fracassada porque, já com a saída do PSDB da Presidência e passadas as gestões petistas, entre 2007 e 2008, a então ministra Chefe da Casa Civil Dilma “vetou” o apadrinhado de Temer para a Petrobras, admitiu Delcídio. 
 
“[João Augusto Henriques] teve seu nome vetado pela Presidente Dilma Rousseff, diante dos desmandos havidos quando foi diretor na BR Distribuidora”, assumiu o parlamentar aos investigadores.
 
Governo FHC recebeu propina da Alstom em turbinas, entre 1999 e 2001
 
 
O mesmo ocorreu quando Delcídio do Amaral delatou a aquisição das máquinas Alstom. O então esquema de corrupção envolveu os equipamentos, entre elas a turbina GT24, que apresentaram problemas, após a sua venda, em diversos países do mundo. Quando as primeiras notícias sobre o caso tomaram a imprensa, em 2008, responsabilizavam o comitê eleitoral do PT de ser o beneficiário do esquema de corrupção, por meio do então candidato Delcídio ao Senado. Agora delatando o governo FHC, o ex-presidente tucano não é apontado como um dos implicados.
 
O parlamentar trouxe detalhes dessa história, que chegou a ser alvo de ação da Procuradoria da República no Distrito Federal e investigações da Polícia Federal, mas não foram concluídas. Delcídio do Amaral afirmou que o esquema de corrupção ocorreu durante o governo de Fernando Henrique Cardoso e implicou diretamente o ex-senador e ex-governador Antônio Carlos Magalhães, do PFL, que chegou a ter quadros no Legislativo e no Executivo graças a aliança com o PSDB. 
 
Mas, para o senador, foi mais importante salientar que a aquisição das máquinas não ocorreu durante a sua gestão como diretor da Petrobras (ocupou a cadeira entre 1999 e 2001), participando somente da inauguração delas, do que lembrar que não era diretor porque os “ilícitos foram cometidos na gestão anterior” – gestão esta discriminada apenas entre parênteses a título de contextualização “(vinculada ao Governo de Fernando Henrique Cardoso)”. Suspeita-se que a Petrobras tenha sido lesada em, pelo menos, cerca de 22 milhões de dólares na compra da turbina GT24.
 
Na descrição do caso, Delcídio disse que o então “Ministério de Minas e Energia [do governo FHC] agia em consonância com a Petrobras e que o próprio ministro negociou os recursos com o BID ou BIRD”. Á época, quem comandava a pasta era Rodolpho Tourinho. “Houve efetivamente uma ação muito centrada no Ministério de Minas e Energia em favor desse projeto, tendo o o projeto andado com uma velocidade incomum”. Delcídio acredita que “os valores das propinas foram pagos durante a execução da obra, entre os anos de 1999 e 2001”. 
 
Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

6 Comentários

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  1. Marchinha de Carnaval

    Na época de Carnaval, Delcídio deve cantar a seguinte marchinha:

     

    “Ô seu dotô

    Eu não me engano

    Meu coração sempre foi tucano”

  2. A questão é a seguinte: onde

    A questão é a seguinte: onde estão as provas, senador Delcídio? Ou  senhor acha que suas declarações e sua agenda são prova material de que tudo o que foi delatado é verdade?

  3. É o bom e velho  “efeito

    É o bom e velho  “efeito teflon”, o mesmo fenômeno que manteve a amasia do Príncipe em exílio dourado remunerado sem que o público tupiniquim soube-se de nada.

  4. Delcídio não incrimina ninguém incluindo a si próprio.

    Eu li toda a denuncia do Delcídio e penso que a sua delação não tem nada substancial.

    Ontem o Cardozo (novo AGU) disse no programa Espaço Aberto da TV Brasil que as atas de reunião do conselho de administração da Petrobras sobre Pasadena eximem totalmente a Dilma e demais conselheiros à epoca de qualquer irregularidade na refinaria.

    Sobre Lula o que ele diz é a sua versão. Se não for corroborado por outros elementos de prova é um grande NADA.

    Espertamente, com a anuência do MPF, ele simplesmente não se auto-delatou, em nenhum ponto ele diz que recebeu propina. A Folha diz que ele recebeu propina de Pasadena na delação mas na minha leitura não achei nada.

    O senador Delcídio minimiza a questão da Alstom. Cerveró disse que recebeu 600 mil doláres da Alstom e Delcidio deveria ter recebido 10 milhões de doláres.

    A dúvida que fica é: porque alguém que alega não ter receebido propina irá devolver R$ 1,5 milhão??

    Cada vez fica mais claro o que disse o Kakay: cada delator fala uma coisa, uma delação não bate com a outra mas o MPF e a justiça “engolem” todas.

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