Em Recife, acidentes aumentam após população abandonar gás de cozinha

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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da CUT – Brasil

Em Recife, acidentes aumentam após população abandonar gás de cozinha

Com aumento do valor do gás de cozinha, vítimas de queimaduras graves relatam ao Portal da CUT as consequências do uso do álcool no fogão à lenha

por Walber Pinto

Os aumentos sucessivos nos preços do gás de cozinha têm feito muita gente buscar alternativas perigosas para substituir o botijão de gás. Em Recife, segundo entrevista do médico Marcos Barreto, chefe do setor de queimados do Hospital da Restauração, à imprensa local, cerca de 40 pacientes que chegaram com queimaduras de primeiro ou segundo grau usaram gás clandestino, álcool ou etanol. Essas ocorrências já registram 62% do total de queimados.

Só neste ano, o reajuste do preço do botijão de gás subiu 67,8% – o valor médio do botijão saltou de R$ 55,74 na primeira semana de janeiro, para R$ 65,64 no início de dezembro. E como os distribuidores decidem quanto do aumento vão repassar para os consumidores, em algumas regiões o preço pode ser ainda mais alto.

Por não ter dinheiro para pagar pelo gás de cozinha muita gente está se arriscando com lenha, etanol e álcool. Foi o que ocorreu com Jéssica Maria da Costa, 24, que mora com o marido e a filha de 2 anos, no bairro Casa Amarela, na periferia do Recife. Para cozinhar macarrão para a família, Jéssica colocou álcool em duas latas de ervilha, colocou a panela de água em cima. Em seguida, saiu para pegar um biscoito para a filha, sem querer, bateu o pé em uma das latas e as chamas se espalharam pelo seu corpo.

O acidente provou queimaduras de segundo e terceiro graus no pescoço, braço e orelha. Jéssica está internada há 16 dias no hospital de queimados de Recife.

“Eu e meu marido estamos desempregados”, conta ao justificar a opção perigosa para cozinhar. “O gás acabou e a gente não tinha dinheiro para comprar outro botijão. A única alternativa foi usar álcool”, afirma.

Casos como o de Jéssica e até mais graves têm sido registrados cada vez com mais frequência no Hospital da Restauração, conta uma enfermeira que não quis se identificar. “E, nos últimos dias, a quantidade de pessoas que chegam ao hospital vítima de queimaduras cresceu ainda mais”, diz a enfermeira que confirma: “A alta no preço do gás é o motivo desses acidentes que tem feito a população a cozinhar a lenha e com gás clandestino”.

Um acidente semelhante ao de Jéssica aconteceu com Messias da Silva, 23, morador do Bairro São José, também em Recife, que está em coma na UTI do Hospital da Restauração. O jovem foi socorrido pelo tio, Joelson da Silva, 36, que falou com o Portal da CUT sobre a tragédia.

“Não temos dinheiro para comprar o botijão de gás, daí Messias foi fazer o fogo em duas latas. Como o álcool de uma das latas estava acabando, ao colocar mais álcool, o fogo subiu e a garrafa explodiu na mão dele”, diz Joelson.

Messias vive numa casa com mais sete pessoas, cuja renda familiar é de apenas R$ 120 por semana. O dinheiro vem dos bicos que Joelson faz como pedreiro. Como parou tudo para acompanhar o sobrinho, toda a família está dependendo da ajuda da comunidade local para sobreviver.

Mesmo depois do acidente, a família não tem uma opção segura para substituir o gás. “Depois do acidente, estamos cozinhando no fogão a lenha porque o dinheiro que recebo mal dá para comprar comida”, reitera Joelson.

Carlos Veras, presidente da CUT-Pernambuco, explica que o avanço de acidentes depois da alta nos preços do gás de cozinha “é mais um fruto do processo do golpe de 2016”.

Segundo ele, o desemprego que atinge mais de 13 milhões de brasileiros e brasileiras, o congelamento dos gastos com saúde e educação, a nova lei Trabalhista que precarizou a mão de obra, reduziu os salários e legalizou o bico está colocando os trabalhadores e as trabalhadoras de volta à linha da miséria, sem dinheiro para nada, “imagine pagar mais de R$ 65 por um botijão de gás”.

É por isso, diz Veras, que, “os trabalhadores e as trabalhadoras estão usando álcool, lenha e gás clandestino para cozinhar. Elas estão sem escolha. São pobres que sofrem com o reajuste do gás, e ainda estão fora do orçamento do governo que cortou programas sociais, como o Bolsa Família”, pontua o dirigente.

Preço do gás pode subir ainda mais

O preço do gás pode piorar ainda mais com a nova política de preços na Petrobras depois que Pedro Parente assumiu o comando da estatal. Quem afirma é Zé Maria Rangel, coordenador-geral da FUP (Federação Única dos Petroleiros), que alerta sobre o desmonte na cadeia produtiva de óleo e gás no Brasil.

“Se o preço do barril sobe, o gás sobe porque existe um acordo para frear a produção mundial de petróleo”, afirma o dirigente.

Para ele, “a venda das distribuidoras e da Liquigás faz parte da nova política de preço baseada no mercado internacional. “Se subir lá, sobe aqui. É essa política que tem levado a população a cozinhar a lenha”, completa.

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

6 Comentários

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  1. O Haiti é aqui

    Os depoimentos são terriveis. O Brasil novamente jogando parte consideravel de sua população na miséria. E voltamos ao “barracão de zinco”.

  2. Operação retorno

    Foi por volta de 2010/2011, quando ainda era amigo de um colega da ativa do BB, que atuava no segmento de empresas de grande porte, ou Large Corporate. Contava então o ‘executivo’ que em uma conversa de rotina com o diretor da então maior distribuidora de gás do país, ficou sabendo que a empresa tinha feito uma grande encomenda ao fornecedor de botijões de gás, coisa de exatos R$ 200 milhões.

    Operação de rotina, periodicamente a empresa trocava botijões em mau estado por novos. Numa conta rápida de padaria, se considerarmos um preço de R$ 40, estamos falando de algo em torno de 5 milhões de botijões novos. 

    Rapidamente o ex-amigo, com quem rompi bem rompida uma amizade de 19 anos por motivos políticos, ofereceu linhas de crédito do BNDES, afinal quem não quer emprestar 200 milhões para a entãoa maior distribuidora de gás do país? O diretor recusou, alegando que aquilo já estava no orçamento, que tinham dinheiro em caixa, e não valia a pena fazer uma operação de crédito por causa de “apenas” 200 milhões. Ao final, depois de alguns dias e de muita insistência, concordou em fazer uma pequena parte, e saiu uma operação de insignificantes R$ 40 milhões.

    Afinal, qual a relevância de uma operação de rotina entre duas grandes empresas, a maior distribuidora de gás do país e uma grande siderúrgica, de nome inglês? A relevância estava no detalhe da operação. Cerca de 30/40% dos 5 milhões de unidades eram reposição de botijões em mau estado, sucata, o restante, cerca de 3 mihões, eram botijões que tinham sido comprados recentemente, provocando um desequilíbrio. E onde estava concentrada essa demanda? Exatamente no Nordeste, alvo das prioncipais políticas públicas do governo Lula. 

    Explicando: um dia aquele nordestino pegou seu jegue, que seria trocado pela moto, e foi até a cidade. Entrou na loja, cheio de confiança com o cartão do Bolsa Família no bolso, ou com o crédito consignado do velhinho da família beneficiário do BPC, e comprou um fogão a gás por R$ 200/250, para pagar em 18 meses. Ele tinha crédito e confiança. Amarrou o fogão no lombo do jegue e foi para casa. No dia seguinte, o complemento. Foi até a distribuidora e comprou um botijão completo, a “cota”, como é chamdo o botijão vazio, e o conteúdo, o gás. Instalado o botijão, o sertanejo aposentou o fogão a lenha. 

    Essa cena se repetiu aos milhares, aos milhões, notadamente no Norte e Nordeste, daí a encomenda emergencial da distribuidora, como explicou o diretor ao funcionário do BB. 

    Esse sertanejo, premido pelas circunstâncias, na primeira dificuldade livrou-se do botijão vazio, um importante ATIVO, que se transforma em R$ 60/70 na primeira bodega (acabei de pagar R$ 100 por uma cota-botijão vazio). E voltou para a lenha. Provou do fruto proibido. Vai ser difícil, penoso e cruel adaptar-se à nova realidade. 

    Meirelles e Pedro Parente nunca vão saber o que é isso.

     

  3. Vai piorar. Como disse outro

    Vai piorar. Como disse outro dia. 

    “Milhões de brasileiros que usavam fogões a gás foram condenados a voltar a usar lenha para cozinhar. O resultado previsível será um aumento do desmatamento. A julgar pelos preconceitos sociais, que nos últimos anos foram elevados à condição de categorias jornalísticas inquestionáveis, em breve os pobres voltarão a ser hostilizados pela imprensa. Armando-se de argumentos ecológicos, os jornalistas irão choramingar porque florestas inteiras foram e serão devoradas pelos fogões dos pobres. Vítimas do empobrecimento programado, eles serão culpados porque se recusam a comer alimentos crus.”

    https://jornalggn.com.br/blog/fabio-de-oliveira-ribeiro/o-poder-do-mercado-e-a-impotencia-dos-juizes-por-fabio-de-oliveira-ribeiro

     

  4. MAS E QUANDO OS INCÊNDIOS FOREM NOUTROS…?

    Mas e quando não forem só as pessoas vitimadas pela miséria que estiverem pegando fogo?   E quando forem os crápulas poderosos do executivo, do legislativo e do judiciário?  E quando forem os bancos, os prédios públicos onde os malditos se esbaldam de fazer maldades?   Será que não conseguem imaginar que o ódio pode levar muitos à loucura e tudo isso virar uma imensa fogueira?

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