Pesquisa feita por jornal partícipe do golpe pede pé atrás, diz Francisco Fonseca

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Jornal GGN – O conjunto dos dados levantados pelo instituto Datafolha, publicados no último final de semana, mostra a “fragilidade” do governo interino, na visão do cientista político Francisco Fonseca, professor da FGV-SP e  PUC-SP. Em entrevista ao GGN, Fonseca avaliou que os números favoráveis a Temer só se justificam se considerados os afagos da imprensa ao peemedebista, para dar contornos de legalidade ao “golpe” do impeachment.

Na visão do analista, Dilma enfrentou um “massacre midiático” e agora é forçada ao ostracismo, pois a grande mídia não dá destaque a assuntos que favorecem a presidente eleita – como a decisão do Ministério Público Federal contrariando a tese de que pedaladas fiscais são crime de responsabilidade.

Ainda assim, Temer – que é desconhecido por um terço dos entrevistados do Datafolha – não conseguiu unanimidade. Mesmo os 50% que preferem que ele se mantenha no poder à volta de Dilma, para Fonseca, parece um dado “meio ilusório”, pois o interino, em dois meses de mandato, sequer saiu às ruas uma única vez, com “medo” de rejeição.

Fonseca também avaliou que o impeachment não está consolidado, desde que a esquerda seja capaz de se unir e apresentar a proposta de plebiscito por novas eleições. O cientista, contudo, apontou que para 2018, o PT deve lançar outro nome que não o ex-presidente Lula. Para ele, do ponto de vista histórico, o “ciclo de Lula acabou.”

Contraponto

O cientista político Claudio Couto, para quem o impeachment está consolidado, disse ao GGN que não há mérito de Temer nos números do Datafolha. O apoio ao governo interino só se justifica pela rejeição gritante à Dilma, que é vista pela maioria da população como alguém “incapacitada” para lidar com a atual crise política.

Leia mais: Como explicar que 50% preferem Temer à Dilma?

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Abaixo, a entrevista com Francisco Fonseca, realizada na segunda (18).

Jornal GGN: Como explicar os resultados do Datafolha indicando que a agora a população prefere Temer à Dilma, se estudos feitos há algumas semanas mostravam uma rejeição tão alta que até 60% queriam novas eleições?

Francisco Fonseca: Acho esse dado dos 50% meio ilusório. O Brasil vem sendo, desde 2014, massacrado pela mídia comercial com a ideia de que Dilma é incompetente no poder. Há relatos de jornalistas que deixaram a Globo porque foram proibidos de noticiar dados positivos para aquele governo, não é isso? Pois apesar desse massacre midiático, uma metade claramente pouco sólida prefere o governo Temer que, diferentemente do governo Dilma, é menos criticado. Eu olharia outros ângulos dessa pesquisa e acho que a própria chamada da Folha é problemática. Não bastasse isso, o ex-presidente Lula continua sendo o maior dos candidatos, mesmo com a mídia procurando destruí-lo, com ajuda do Sergio Moro. Ele ainda tem 22% das intenções de voto e não é superado por nenhum candidato quando todos são colocados no mesmo rol. Me parece que essa pesquisa, que na chamada tenta mostrar apoio ao governo Temer, uma chancela ao golpe, mostra muito mais fragilidade do que propriamente força política junto ao cidadão comum. Sem contar o agravante de que um terço da população desconhece quem está na presidência. Se ele fosse candidato, teria 5% das intenções de voto, menos que Bolsonaro [7%].

GGN: Hoje a esquerda está divida. Uma parte defende novas eleições, e outra, que Dilma de volte e fique até o final do mandato. No Datafolha, só 3% defendem o plebiscito. O que essa pesquisa diz para a esquerda?

Fonseca: Pesquisa nenhuma pode pautar absolutamente, porque pesquisa é volátil. Daqui a um mês, com as mudanças rápidas de conjuntura, é possível que tenhamos outra composição. Aliás, uma pesquisa feita por um jornal partícipe do golpe pede um pé atrás. É preciso fazer mais estudos, ter mais dados. Mesmo tomando essa pesquisa como crível, Dilma se superou e muito, nesse período de ostracismo midiático – a grande mídia quase não divulga o que ela faz, os eventos que tem efeito, enquanto Temer não saiu uma vez seque às ruas em dois meses de poder. Seu capital político está aumentando, mesmo com o massacre. E a cada medida anunciada, como na aposentadoria, redução de direitos trabalhistas, ajuste fiscal em cima do trabalhador, o que se verá em próximas pesquisas é mais desgaste para o governo Temer. A própria grande mídia que tenta brindá-lo não pode esconder tudo. A forma e conteúdo do governo ilegítimo irá aparecer, conservador, neoliberal e antipopular.

GGN: Mas entre os que discutem as novas eleições e os que pedem o retorno de Dilma, quem vai conseguir mais apoio popular? Qual a melhor proposta que a esquerda poderia apresentar para sair da crise?

Fonseca: É difícil dizer. No mínimo, é preciso concordar que não há como resolver essa crise se Dilma não retornar ao poder. Retornando, a segunda pergunta é: Dilma terá como governar com esse Congresso hostil a ela, fora sua baixa popularidade? Nesse sentido, a proposta de um plebiscito em que brasileiros decidiriam se uma nova eleição deve ser convocada parece interessante. Mas uma eleição tanto para Executivo, quando Legislativo, porque este Congresso também não representa o Brasil. O caminho para unificar a esquerda pode ser aceitar o plebiscito como resultado da crise política, mas sem aceitar a quebra da ordem constitucional, que foi quebrada em 12 de maio [quando o Senado afastou Dilma].

GGN: Na sua avaliação, o plebiscito é viável ou o impeachment está consolidado independente do que Dilma ou a esquerda irão propor?

Fonseca: Eu acho que o impeachment não está consolidado. A proposta é viável do ponto de vista de ter iniciativa política. Se os cidadãos são chamados a opinar, ser contra isso, num momento de crise, para o grupo do Michel Temer, será ir contra a ideia de democracia, pela segunda vez, e contra uma proposta real de democratização. Há uma crise política, inclusive da capacidade de governar de Dilma, mas a população precisa ser chamada a resolver. O Congresso que arque com a responsabilidade se não quiser responder. Isso jogará no colo de Temer toda sua ilegitimidade.

GGN: No início da entrevista, houve uma avaliação sobre o papel da grande mídia no processo de impeachment. Mas qual a visão sobre o papel da oposição, principalmente o PSDB, que depois de quatro grandes derrotas nas urnas, volta ao poder agora, de carona com Temer. 

Fonseca: Acho que o PSDB está fadado à desintegração. Nasceu como o partido das grandes classes médias urbanas, com proposta de parlamentarismo, vida política moderna, racionalidade administrativa, proposta social-liberal, um partido de centro-esquerda. O que vimos foi que o partido se distanciou de tudo isso. O governo FHC foi liberal e conservador, e na oposição ao PT deixou de ser centro-esquerda, foi caminhando para o centro, e agora parece um partido de direita. Não há diferença entre PSDB e DEM, por exemplo. Vamos lembrar que em São Paulo, o PSDB indicou para presidente de Conselho de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa o Coronel Telhada. Isso é ser de direita, além de ter sido agente central do golpe ao não reconhecer a derrota que lhe foi imposta pela quarta vez, mesmo com diferença de 3% dos votos. 

GGN – Mesmo com toda a campanha anti-PT, Lula tem chances reais em 2018 ou está na hora do PT lançar outro nome?

Fonseca: Eu vejo que o ciclo do Lula se encerrou. Ele cumpriu um papel importante numa perspectiva de conciliação de classes. Ele patrocinou grandes acordos políticos que abrangeram desde os miseráveis à burguesia rentista. Ele representou, portanto, um presidencialismo de coalizão que, na verdade, era uma coalizão de classes. Isso se esgotou no Brasil. Agora há uma ruptura de classes, ou as coalizões serão muito mais restritas. Acho que ciclo, o estilo Lula de ser, se encerrou. 

A esquerda precisa lançar um candidato capaz de enfrentar outros interesses que Lula jamais enfrentou. Por exemplo, a dívida interna. Brasil gasta 300 bilhões de reais por ano pagando juros da dÍvida interna, que está na mãos de 20 mil famílias. Lula não enfrentou o agronegócio, não enfrentou a grande mídia, nem os setores entreguistas ligados ao capital internacional. Fez reformas importantes, mas não enfrentou os grandes interesses, como também não fez reforma política. Embora Lula tenha tido enorme importância, seu ciclo de reconciliação acabou. O que o Brasil precisa agora é de uma esquerda moderna capaz de enfrentar os grandes problemas. Por ser Lula um moderado, seu ciclo acabou. Mas não sei se é assim que os eleitores pensarão. Ainda há espaço para ele do ponto de vista popular, mas do ponto de vista de ciclos históricos, não.

Claro que Lula, caso se eleja em 2018, pode dar uma guinada à esquerda. Não seria incomum na vida de políticos.

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

7 Comentários

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  1. legalizaram a prostituição

    A falha entrevistou os russos dela, e como é de amplo conhecimento, estatísticas e números bem torturados…

    Constavam na pesquisa o que o povo achava de perder os direitos à aposentadoria, sus, educação, entrega do patrimônio da nação para o tio do serra conhecido como sam, e em seguida se concordava com etc?

    Não assisto as tvs e não leio imprensa, mas um amigo ainda de bom estomago me alertou que a mídia informa que a corrupção acabou no Brasil.

    O Miriam Brasif fhc, amante no poder sumiu do noticiário, chegaram no preço dela?

  2. O Governo Interino não

    O Governo Interino não existe. Nem existirá. Não há legitimidade jurídica; não há legimitidade ideológica, não há legitimidade eleitoral. Apenas se estar a suportar e pronto.

    De uma coisa fique claro: ladrão abomina ser chamado ou mesmo identificado como ladrão. As sugestões de Cristóvão Buarque para que Dilma renuncie e justo por isso: o peso de “ter que” votar pela segunda vez no impedimento da Presidente e carregar pro resto da vida o medo de ouvir a palavra golpista. Só uns poucos cínicos não se preocupal com isso. Daí o vácuo de autoridade porque todos têm culpa em cartório e quanto mais leve pisar, melhor.

    Estamos numa espécie de limbo. Ninguém tem o controle, exceto o Instituto Milleniun e sua central de achincalhes, naturalmente chefiado pelas Organizações Globo e acompanhado pelos seus sócios, e o jusmidiatismo de Moro e outros agentes da “justiça”, com fulcro apenas na destruição do PT. O resto? Apenas seguindo o curso natural mediante a burocracia. Se pintar qualquer problema maior? Deus dos céus!!!

     

  3. Não dá para acreditar…

    Por razões óbvias não dá para acreditar nos números atuais do DataFolha e Ibope, mais ainda a pedido de entidades do alto empresariado como a CNI.

    Nem perco tempo de ler

     

  4. Concordo com ele em dois

    Concordo com ele em dois pontos: o ciclo de Lula acabou (pelo menos desta versão de Lula que começa com a carta aos brasileiros) e que a esquerda tem que se unir. Na verdade, não só a esquerda, todos os nacionalistas tem que se unir senão o Brasil, como o país que conhecemos desde a década de 30, vai se tornar uma nova colônia como o México já se tornou provavelmente aderindo a um novo Alca e até abrindo mão de sua soberania monetária. Mas aí surge a pergunta: quem vai unificar a esquerda, ou melhor seria perguntar, quem vai unificar os nacionalistas ?

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