Temer jamais seria eleito, garante Guilherme Boulos

Líder do MTST destaca fatos que apontam para o aumento de conflitos sociais no governo Temer

https://www.youtube.com/watch?v=5ANC0N5DnfQ&feature=youtu.be ]

Edição de imagens – Pedro Garbellini
 
Jornal GGN – O coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Tento (MTST) e da Frente de Resistência Urbana, Guilherme Boulos, conversou com o GGN sobre os primeiros dias do governo interino de Michel Temer. Boulos é uma das lideranças que aderiu a dois blocos surgidos no último ano para combater o golpe do impeachment: Frente Brasil Popular e Frente Povo Sem Medo, que reúnem cerca de 60 coletivos sociais.
 
Na entrevista completa, que você acompanha a seguir, o líder fez um diagnóstico dos primeiros dias do governo Temer e das manifestações contra ações do presidente interino. “Esses primeiros dias (…) demostram bem o caráter ilegítimo desse governo. Porque nenhum governo eleito poderia apresentar um programa como esse”, diz ele, dando destaque às propostas já apresentadas por ministros da situação como o de reduzir o Sistema Único de Saúde (SUS), e o corte de 11 mil moradias do programa Minha Casa, Minha Vida. “Temer que dizia [antes do afastamento de Dilma], jurava de pés juntos, que não iria mexer em programa social, queria ampliar inclusive os programas sociais”.
 
O ativista chamou atenção também para o nome de políticos escolhidos para ministérios importantes, como o de Mendonça Filho, na Educação. “Um sujeito que foi contra as cotas [para entrada em universidades públicas], contra o ProUni, contra o Fies e contra royalties do pré sal para a educação”. 
Boulos avalia que os conflitos sociais vão aumentar no governo Temer, em resposta à prática de políticas que ferem o bem-estar social. “Os setores dos movimentos sociais organizados, ou já estão mobilizados ou estão planejando produzir mobilizações”. A ocupação de várias sedes da Funarte (Fundação Nacional de Artes) pelo país, por artistas contra a extinção do Ministério da Cultura, é um dos exemplos dessas manifestações que o líder do MTST destacou. Dois dias após a entrevista concedida na última quinta-feira (19), o governo interino voltou atrás e recriou o MinC
 
https://www.youtube.com/watch?v=BVxP17mBykQ&feature=youtu.be ]
 
O ativista fez também críticas ao PT no governo, lembrando que nos últimos meses diversos coletivos tomaram as ruas contra o golpe, não pela gestão Dilma, mas porque direitos sociais e a própria democracia do estado brasileiro estavam em risco. 
 
https://www.youtube.com/watch?v=A47zqpYRZFw&feature=youtu.be ]
 
A crise política enfrentada hoje precisa ser analisada de forma mais ampla, reflete Boulos, afirmando que o descrédito do sistema representativo atinge todos os partidos. Ele reconhece a importância do governo dos Partidos dos Trabalhadores na implantação de políticas sociais. “Mas esse avanço se deu sem nenhuma ruptura, esse avanço se deu sem nenhum combate estrutural aos privilégios que há quinhentos anos se estabelece por aqui”. 
 
https://www.youtube.com/watch?v=M4-mkwYeuUU&feature=youtu.be ]
 
O líder do MTST acredita que a força que os movimentos sociais progressistas demonstraram nos últimos anos tende a aumentar com a consumação de um “governo ilegítimo” de Temer, obrigando a união mais forte dos coletivos sociais.  “Há um caldo para reconstrução da esquerda do Brasil, a partir de um novo projeto e eu acho que é por aí que nós temos que trilhar”.
 
https://www.youtube.com/watch?v=IxyU-kVFLc0&feature=youtu.be ]
 
Sobre a participação da mídia na condução do golpe, Boulos afirma: “É uma luta de Davi contra Golias. Eles têm o monopólio midiático. Sempre tiveram, não é de hoje (…) Se nós pegarmos o que foi, por exemplo, o papel da Rede Globo na campanha das direitas nos anos 1980, quando escondia comícios multitudinários, num momento não deu mais, transbordou, não tinha como, tiveram que mostrar, mesmo ainda dentro do regime militar. Nós precisamos, ao mesmo tempo, que potencializamos e utilizamos melhor as redes, e os espaços do jornalismo crítico, trabalhar para massificar as nossas mobilizações”. 
 
https://www.youtube.com/watch?v=GM0T5xeMH8I&feature=youtu.be ]
 
Acompanhe a transcrição completa da entrevista a seguir. 
 
 
Jornal GGN – Qual é sua primeira percepção do governo interino? As primeiras ações do governo Temer põem em risco a democracia que o Brasil pretendeu para si, a partir do que é exposto na Constituição Federal de 1988? 

Guilherme Boulos – Esses primeiros dias, nós estamos falando há uma semana, que a faixa presidencial foi usurpada pelo Sr. Michel Temer, demostram bem o caráter ilegítimo desse governo. Porque nenhum governo eleito poderia apresentar um programa como esse que está sendo aplicado, como já começou a ser aplicado, com muita velocidade nos primeiros dias, porque não seria eleito.

Nós tivemos em sete dias atrocidades que apontam a retrocessos de 30 anos, a uma tentativa de aniquilar a Constituição de 88 naquilo que ela criou de uma rede de proteção social, que é limitada, precária. A rede de proteção social do estado brasileiro é muito limitada, mas mesmo ela se tornou um entrave para uma acumulação selvagem de capital conduzida por setores aristocráticos, antipopulares da sociedade brasileira desde sempre. Basta citar algumas medidas: quinta feira [12/05] anterior, o Sr. Michel Temer é empossado como presidente interino; logo em seguida o ministro interino da Saúde [Ricardo Barros] dá uma entrevista dizendo que o SUS [Sistema Único de Saúde] tem que ser reduzido, tem que ampliar os planos de saúde privados. Ele que foi financiado por operadoras de plano de saúde privados, diz inclusive que não é atribuição do ministério e do Estado fiscalizar esses planos de saúde. De quem seria essa atribuição? Coloca como modelo a Grécia, onde, vale dizer, 40% da população não tem acesso à saúde pública.

O ministro da Educação, que é o Mendonça Filho, que também levou como espólio a pasta da Cultura, que foi aniquilada em sua autonomia como ministério, é um sujeito que foi contra cotas, contra ProUni, contra Fies, contra royalties do pré sal para a educação. Vai e diz [assim que assume] que vai cobrar mensalidade em cursos de extensão e de pós-graduação na universidade pública. [Dois dia após essa entrevista Michel Temer voltou atrás e recriou o Ministério da Cultura, numa tentativa de conter protestos de artistas que ocuparam as sedes da Funarte em protesto contra a extinção da pasta]

No primeiro ato de fato de corte, cortam 11 mil moradias do Minha Casa, Minha Vida, o Temer que dizia, jurava de pés juntos, que não iria mexer em programa social, queria ampliar inclusive os programas sociais. O primeiro corte deles é 11 mil moradias populares da faixa 1 do Minha Casa, Minha Vida. Colocam na pauta a reforma da Previdência. Aí vale dizer que isso já havia sido colocado também pelo governo da Dilma. Retomam isso.

Isso [tudo], do ponto de vista econômico, da lógica deles de que a Constituição não cabe no orçamento, não cabe no PIB. É essa lógica neoliberal, tacanha, sínica, que querem impor ao país. Mas eles foram além, eles deram um gesto que não tem nada a ver com orçamento, que não tem nada a ver com cortes que mostra o caráter absolutamente reacionário desse governo, esse governo golpista. Então cortam ministérios: Cultura, Desenvolvimento Agrário, subordinam direitos humanos, igualdade racial e mulheres ao ministério da Justiça, sob o comando de um brucutu que nem o Alexandre de Moraes, dizendo que vai criminalizar movimentos sociais. 

Não tem nenhuma mulher, nenhum negro nos ministérios de Temer. Isso não acontecia desde o general [Ernesto Geisel [4º presidente do regime militar, de 1974 a 1979. Ou seja, é um governo que é absolutamente ilegítimoNão representa nem de longe o que é a sociedade brasileira na sua diversidade, na sua complexidade, muito menos os anseios populares. E esses sete dias deixaram muito claro. Mas esses sete dias deixaram claro também que isso não passa sem resistência da sociedade brasileira. Não houve nem 24h de trégua, no mesmo dia tinham 30 mil pessoas organizadas pela Frente Povo Sem Medo, na Av. Paulista [em São Paulo. As mulheres foram às ruas em mobilização, os artistas ocuparam as sedes da Funarte pelo país, os estudantes secundaristas e universitários se mantiveram e aprofundaram suas mobilizações de rua. Ou seja, eles estão atiçando um formigueiro no Brasil. [A Funart – Fundação Nacional de Artes – é responsável pelo fomento de políticas públicas para cultura, uma espécie de braço do Ministério da Cultura

A gente sabe que um dos principais fatores que contribuíram para o golpe foi a grande imprensa. E essas manifestações que estão surgindo desde a constituição desse governo interino não estão tendo a visibilidade da importância delas por essa grande imprensa. Como competir com esses grandes canais de comunicação para que mais pessoas compreendam o que está de fato acontecendo?

 É uma luta de Davi contra Golias. Eles têm o monopólio midiático. Sempre tiveram, não é de hoje, e aí nós precisamos dizer, ser honestos, dizer que os treze anos de governo petista não enfrentaram esse monopólio midiático, eles, ao contrário, a Rede Globo e as grandes redes continuaram ser as principais beneficiárias da publicidade estatal, não houve nenhum tipo de pauta efetiva de democratização das comunicações no Brasil. E isso agora vai se expressar de forma ainda mais forte porque há um consenso da classe dominante no Brasil em dar governabilidade ao projeto do golpe para buscar criar uma ideologia do consenso, de que não há divergência ou de que os divergentes são radicais que precisam ser extirpados, criminalizados. 

As formas que nós temos pra combater isso são as que nós temos tidos também nos últimos anos, e temos que saber utilizá-las com cada vez mais eficácia. São os espaços das redes sociais, o espaço de blogs, sites que de algum modo tem algum compromisso com o jornalismo crítico, sério e popular e, ao mesmo tempo, amplificar as nossas mobilizações a um tal ponto que se torne impossível não falar delas. 

Se nós pegarmos o que foi, por exemplo, o papel da Rede Globo na campanha das direitas nos anos 1980, quando escondia comícios multitudinários, num momento não deu mais, transbordou, não tinha como, tiveram que mostrar, mesmo ainda dentro do regime militar. Nós precisamos, ao mesmo tempo, que potencializamos e utilizamos melhor as redes, e os espaços do jornalismo crítico, trabalhar pra massificar as nossas mobilizações.

Olhando de fora do MTST e de outros movimentos sociais, você acha que logo em seguida ao golpe ainda falta uma reação mais contundentes dos movimentos sociais que estão sendo diretamente feridos? Por que não uma resposta tão rápida a esses primeiros pacotes de maldades do Temer?

Acho que as respostas estão correndo. Muitos setores sociais que tem se organizados, se mobilizado nas ruas. É claro que há uma perplexidade de parte da sociedade diante do que está se produzindo. Os setores dos movimentos sociais organizados, ou já estão mobilizados ou estão planejando produzir mobilizações. Vamos ter agora nos próximos dias uma mobilização ampla, dezenas de milhares de pessoas vão marchar, agora no dia 22, para a cada do Michel Temer, aqui em São Paulo. No Rio de Janeiro está se programando [protesto, em Brasília tem atividade na Explanada dos Ministérios, contra medidas como essas. Então tem atividades sendo construídas, organizadas e outras que estão ocorrendo. 

Agora, há um setor da sociedade que foi às ruas nos últimos meses, sejam os que foram de verde e amarelo contra a corrupção e que ajudaram a produzir isso que está aí – lutar contra a corrupção para levar o partido historicamente mais corrupto ao poder -, que estão os mais honestos deles confusos, sem saber o que fazer. Eu acho que as próximas semanas vão ser muito importantes pra construir bandeiras, palavras de ordem, formas de unidade de agregação desse sentimento popular de repúdio ao governo ilegítimo que se estabeleceu no país. E a tendência é que essas mobilizações tenham uma crescente, até porque, esses anúncios que eles fizeram nessa semana não me parecem que são bravatas. Isso vai ser levado à diante. Vão atacar a Previdência social, vão atacar a legislação trabalhista, vão atacar a saúde pública, vão atacar a educação pública. Estão atacando a moradia popular. Estão atacando a cultura à cultura, os artistas estão reagindo. Isso tende a gerar, no curto prazo, uma reação em cadeia, que deve produzir mobilizações amplas no país no próximo período.

Durante seu governo, Dilma se afastou das bases que ajudaram ela ser eleita e reeleita e, por isso, para alguns cientistas políticos entrevistados por nós, os movimentos sociais demoraram para aderir as manifestações contra o impeachment. Foi isso mesmo que aconteceu?

– Dificilmente esse golpe teria acontecido no Brasil da forma como ocorreu se nós tivéssemos um governo conectado com os anseios populares. Porque as pessoas não estavam dispostas a irem para as ruas defender o governo da Dilma. Não existiam razões para isso. O governo também estava falando em reforma da Previdência, tava fazendo um ajuste fiscal brutal, adotou o programa que foi derrotado nas urnas em 2014, não um programa que o povo elegeu no segundo turno de 2014. O governo foi se tornando indefensável, e não era fácil as pessoas compreenderem que a luta contra o golpe não era uma luta em defesa deste governo. Isso seguramente foi um dificultador da mobilização. 

Nos últimos dois meses que precederam ao golpe, as pessoas foram tomando mais claro o que viria junto com o golpe, qual era o pacote do golpe e que o que estava em jogo não era defender a Dilma, porque não dava… E se fosse a questão defender a Dilma as pessoas não iriam pras ruas para isso, com o governo que estava sendo feito. A questão que estava em jogo era defender o que resta de liberdades democráticas no país, defender os direitos sociais que agora estão sendo duramente atacados num tipo de ataque sem precedentes na história recente do Brasil. Esse debate foi ficando claro pras pessoas ao longo do tempo e só na iminência do golpe se consumar. 

Seguramente se nós tivéssemos um governo que aplicasse um programa popular que ao invés de ter feito ajuste fiscal pra cortar seguro desemprego, pra cortar pensão, tivesse feito ajuste fiscal taxando fortuna, taxando herança, fazendo o andar de cima pagar a conta da crise, nós teríamos muito mais gente nas ruas pra barrar o golpe do que nós tivemos.

Segundo o DataPopular, cerca de 70% da população não estava entendendo a narrativa do golpe, ou seja, havia também um problema de comunicação da própria presidente Dilma, e se ao menos ela tivesse batido em programa do Temer, Uma Ponte para o Futuro, provavelmente ela teria mais adesão nas ruas. Já o DataFolha mostrou que as pessoas que foram às ruas, tanto pró impeachment, como contra o impeachment, cerca de 77% e 78%, respectivamente, tinham ensino superior, sendo que a média da população com ensino superior é de 14% (segundo IBGE). Você concorda que esse foi um erro fundamental, de trazer para perto da realidade das pessoas o que estava ocorrendo no jogo político?

– Acho que o maior problema não foi a comunicação. O maior problema foi a política aplicada pelo governo. Na medida em que o governo não construiu uma diferenciação tão frontal em sua política, do programa que ele denunciava, isso gerava descredibilidade. O fato das manifestações terem incluído, tanto de um lado como do outro, um setor relativamente restrito da sociedade, isso é real, o povão, o povo da periferia, a massa trabalhadora do país não entrou em cena nesse debate, não entrou em cena nem pra ir pra Av. Paulista exaltar o Sérgio Moro, ou o Bolsonaro, em pra ir pra Paulista dizer ‘não vai ter golpe’. 

Esse é um desafio que acho que tem a ver com a trajetória da esquerda brasileira no último período. A nossa esquerda, lamentavelmente, perdeu nos últimos 20 anos, por ter deixado de fazer trabalho de base, a conexão com as massas do país. A esquerda passou a pensar em, exclusivamente, eleições, mandatos. Esse ciclo da esquerda apresentou um teto, um limite. E aí não adianta você ficar 20 anos sem se comunicar com o povo e na hora do desespero achar que vai gritar e o povo vai vir junto. Não funciona assim. Isso aponta pra necessidade de reconstruir um novo ciclo de trabalho de mobilização popular, de reinventar a esquerda brasileira a partir de uma outra forma de fazer política, que não é a política de gabinete, que não é a política institucional-eleitoral, apenas, mas uma política que tenha as ruas como seu palco principal. Recorrer a isso depois de 20 anos sem fazer isso, o povo não vem. Você tem que manter esse contato fundamental. Esse processo, de algum, modo diagnosticou isso.

O PT, voltando para a oposição, saberá saber se reconectar com os novos movimentos sociais, muitos pequenos coletivos ligados a uma ordem que respeita mais a horizontalidade do que a verticalidade. Acha que o PT está preparado pra saber lidar? Ou, como afirmam os partidos que aderiram ao golpe, o PT está falido?

– O sistema político brasileiro está em falência, de onde vem esse discurso é uma piada. O PSDB ou PMDB, ou o DEM dizer que um partido está em falência no país é risível. Essa crise demonstrou que este sistema político iniciado na Nova República, do pacto conservador, da governabilidade parlamentar, se esvaiu numa crise de representatividade sem volta. Isso é fundamental a gente ter em mente. 

Agora, o PT, e aí é importante nós fazermos um balanço, nesses treze anos, não podemos negar que houve avanços e políticas sociais no país e que agora estão na iminência de serem desmontadas completamente. Mas esse avanço se deu sem nenhuma ruptura, esse avanço se deu sem nenhum combate estrutural aos privilégios que há quinhentos anos se estabelece por aqui

As pautas históricas do campo popular e de esquerda no Brasil, foram deixadas na gaveta. Não teve reforma agrária, não teve reforma urbana, não teve reforma tributária, com imposto progressivo no Brasil para os mais ricos, que não pagam impostos, praticamente. Não teve democratização das comunicações, não teve democratização do sistema político. Esses temas todos permaneceram como tabus, em nome da necessidade de manter o pacto conservador de governabilidade. Em nome de uma aliança com esses mesmos setores da Casa Grande, que hoje prescindiram e deram uma pernada no governo PT. 

Fazer isso, aliança que fez, com os dominantes de sempre na sociedade brasileira, com os partidos do pântano no Brasil, e achar que depois, ainda que sacado por um golpe, vai chegar e vai ter a legitimidade de dirigir a esquerda no Brasil, vai ter a legitimidade de fazer uma oposição à esquerda como fez nos anos 1990 o Fernando Henrique antes desse processo, eu não creio que vai ser assim. 

Acho que há hoje um espaço e uma demanda pela reinvenção da esquerda no Brasil. Seguramente há muita gente no PT que pode fazer parte disso. A gente vê no PSOL, em vários outros movimentos sociais, tanto nesses mais novos movimentos, como nos movimentos que historicamente o povo brasileiro construiu como sua ferramenta de luta. Há um caldo pra reconstrução da esquerda do Brasil, a partir de um novo projeto. E eu acho que é por aí que nós temos que trilhar.

Muitos fazem aquela análise de que a sociedade brasileira é naturalmente reacionária. Ao mesmo tempo, você acha que o PT teria tido condições de tentar aplicar medidas tão duras, com tantos grandes sistemas contra essas mudanças, e ao mesmo tempo uma sociedade que talvez não entendesse muito bem isso?

A sociedade brasileira não é autenticamente reacionária por si. Acho que isso é uma leitura da história que ignora o submundo da história oficial, que ignora as inúmeras revoltas populares, a inúmeras manifestações de resistência contra a colonização, contra a escravidão, contra a opressão, em defesa da soberania nacional, em defesa dos direitos trabalhistas e sociais, que o povo brasileiro produziu ao longo de séculos.

Essa questão é interessante, pelo seguinte, esse argumento que as vezes os setores que tiveram no governo usam: ‘olha, não há relações de forças, você defender que pudesse ter feito mais do que foi feito é uma utopia, uma ilusão, não existiam condições pra isso’. 

Isso é ter uma visão muito tacanha, muito estreita das relações de força do país e de como se dão as relações de força na política. É evidente que a gente não faz política como quer. Nenhum de nós faz política do jeito que quer. A gente tem condições que são colocadas e que nos impõe limites. Agora você ter o poder executivo por treze anos na mão, você chegar a ter 90% de aprovação popular, isso é um instrumento poderosíssimo pra alterar essas relações de força. Isso não foi utilizado. Você imagine? 

Acho que tem um exemplo que é muito categórico na América Latina, gostem ou não do exemplo venezuelano, mas acho que ilustra esse processo. Hugo Chaves chega ao poder em 1998 sem apoio das instituições, não tinha maioria, tinha um exército hostil, tinha uma mídia ainda mais golpista que a brasileira. Hugo Chaves tinha todas as razões pra botar todo mundo numa mesa, a burguesia venezuelana que controlava através da PDVSA [Petróleo da Venezuela S.A. – o presidente da república não controlava o petróleo que era 80% do PIB ou mais na Venezuela.

Não precisou chamar todo mundo à mesa pra fazer um grande acordo, um grande pacto porque não tinha relação de força. Qual foi a opção do Hugo Chaves, do governo bolivariano naquele momento? Foi fazer alguns pactos necessários mas ir construir governabilidade não por acordo com maioria parlamentar, ir construir governabilidade nas favelas, nos rincões, fazer círculo bolivariano, fazer misiones. Ou seja, construiu um respaldo popular para este projeto, uma governabilidade nas ruas, não naquele parlamento que estava posto ali.

Qual foi o resultado disso? Alguns anos depois, em 2002, dão um golpe no Chaves, só que esse golpe não dura 48h, porque esse povo, que sustentou projetos, cercou o Palácio, centenas de milhares de pessoas dizendo ‘devolvam nosso presidente’. E o Chaves teve que voltar e o projeto durou anos mais. E lá se fizeram reformas muito mais ousadas e ofensivas do que aqui, porque se criou as condições pra mudar as relações de força. 

Se a presidenta Dilma tivesse no começo do ano de 2015, ao invés de mandar pro Congresso projetos como corte de pensão, corte de seguro desemprego – isso é uma vergonha -, tivesse mandado um projeto de taxação de grandes fortunas, que não passada, evidente – o Congresso é comandado pelo Eduardo Cunha e Renan Calheiros, é claro que não passava -, mas você criava agenda política, você forçava o Congresso a ter que se explicar por meses pra sociedade porque que não quer que rico pague imposto, ao invés de ficar botando a agenda deles de redução da maioridade penal, de terceirização, todas as atrocidades que nós vimos no último período da pauta do Cunha. Ou seja, isso é criar relação de forças, é criar agenda, é ter ofensiva, é ter iniciativa. Isso não teve nesses treze anos. 

 
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Redação

12 Comentários

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  1. Quem disse que precisa?

    Quem disse que precisa ser reeleito? Até parece que já não pensaram nisto. Vão deixar o orçamento tão refém do mercado, que quem entrar depois terá de se curvar ao Mercado, aos EUA, aos bancos e tudo o mais.

    1. Oi Ze Guimaraes
      Entendo que o

      Oi Ze Guimaraes

      Entendo que o orçamento já era refém do rentismo.

      Se Dilma quisesse continuar o projeto popular, mais do a caça aos corruptos, teria que estourar o esquema do pagamento das dividas internas e externas.

      Parando por aqui, mas projetos populares, não compactuam com esse esquema.

      O rentismo é a dona da bola.

      Saudações

  2. O Brasil acabou e virou

    O Brasil acabou e virou motivo de piada e vergonha internacional.

    O pior é que parece que, como sempre, o povo brasileiro aceita resignado os acontecimentos que compremeterão o nosso futuro.

    É como se dissessem: Ah, que a vontade de deus seja feita.

    VTNC! T_M Q S F_D_R M_S_O.  .

  3. O mais lamentável de todo

    O mais lamentável de todo esse quadro, é que os membros do extra partidário clã demotucano não aprenderam a fazer oposição, portanto não aprenderam política. As 2 armas de um político, dentro do cenário político, são a auto edificação e a desconstrução de seus adversários, com ética, boa dose de convencimento e muito carisma. Essas 2 armas têm que ser aplicadas intercaladamente de acordo com os momentos e situações, jamais somente uma ou somente outra. Hoje, verificamos que políticos de verdade e seus militantes / eleitores estão mais a esquerda, principalmente, e que os demotucanos e seus militantes / eleitores, principalmente, são quase todos Demóstenes Torres… Caiado Torres, Aécio Torres, Agripino Torres, Gilmar Torres, Serra Torres, Fernando Henrique Torres, Marinhos Torres, Frias Torres, Mesquita Torres…   

  4. O arrazoado do titulo é

    O arrazoado do titulo é fragil. Nenhum vice-presidente seria eleito como cabeça de chapa, se pudesse não seria candidato a vice-presidente, Café Filho jamais seria eleito no lugar de Getulio, Jango no lugar de Janio ou Gerald Ford no lugar de Nixon.

    1. mi

      Nem o mimi da mama, nem nenhum outro desse partido camaleão, se elege presidente, nem se o sertão virar mar ou o mar virar sertão.   São muito ruins e manjados.. Escorregadios. Subreptícios,vivem de conchavos.  Párias.  O tal mimi deixou claro ao dizer que sabe lidar com bandidos:quer mais ? Aperfeiçoado ao lidar com demo-tucanos.

    2. Vice Presidente

      Me desculpe André, mas você esqueceu que Jãnio e Jango se elegeram em chapas diferentes. Jânio venceu para presidente e Jango para vice.

      1. Digo que Jango, se fosse

        Digo que Jango, se fosse candidato a Presidente, não seria eleito, tinha votos para ser Vice mas não para ser Presidente, se tivesse teria se candidato como herdeiro de Getulio.

  5. E quanto vale a “garantia” de Boulos ?

    Em 2010  Lula elegeria quem ele quisesse, tanto é assim que elegeu uma desconhecida como Dilma.

    A reeleição na bacia das almas com gasto bilionário, contabilizado e não contabilizado, e estelionato eleitoral é outra história.

    Óbvio que “o programa”, as propostas do atual governo não seriam aprovadas nas urna, prova disso é que o candidato que pregou a necessidade dessas medidas, o único que “jogou limpo” na campanha, não foi para o segundo turno. Eleitor adora ser enganado.

    Boulos é só mais um que ganha a vida reclamando. Não tem muito, ou nada, de concreto a propor.

  6. “Temer jamais seria eleito.”

    É exatamente aí que reside o problema. Temer, a despeito da cantilena de que foi eleito junto com Dilma, etc., jamais se elegeria na cabeça de chapa sustentando, com discurso político em campanha, as medidas que vem implementando – ou tentando implementar. Talvez sequer se elegesse com discurso mentiroso maquiado pela magia de um João Santana – falta-lhe, afinal de contas, o que possuiu Dilma: um cabo eleitoral com o poder de Lula.

    O que decorre daí: um total descompromisso com a população. O que é compreensível: o impeachment foi comprado por farto dinheiro empresarial. O compromisso é com este segmento, o qual sempre entendeu que paga uma excessiva massa salarial. Esse salário mínimo mesmo, que ainda anda até longe dos R$ 1.000,00, é um ultraje para o setor empresarial.

    Como disseram outro dia: os coxinhas pró-impeachment que recebem salários logo logo perceberão a fria em que se meteram…

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