Falas em reunião são ou não provas contra Bolsonaro?

Sozinhas não são provas do crime, mas declarações do presidente Jair Bolsonaro em vídeo integram "quebra-cabeça" da acusação do ex-ministro Sérgio Moro

Foto: Marcos Correa/PR/Divulgação

Falas em reunião são ou não provas contra Bolsonaro?

Da BBC

Por Letícia Mori

As declarações do presidente Jair Bolsonaro durante uma reunião ministerial ocorrida há um mês são “peças” em um “quebra-cabeças” da acusação do ex-ministro Sergio Moro de que o presidente interferiu na Polícia Federal, mas sozinhas não são provas de crime. É o que avaliam criminalistas ouvidos pela BBC News Brasil após a divulgação do vídeo do encontro pelo STF (Supremo Tribunal Federal).

O vídeo é um dos documentos coletados no inquérito envolvendo suposta interferência de Bolsonaro na Polícia Federal, relatada por Moro quando deixou o Ministério da Justiça e Segurança Pública.

A filmagem foi tornada pública nesta sexta-feira (22/05), por decisão do decano do STF, ministro Celso de Mello. O vídeo é longo e contém muitas outras falas de Bolsonaro e dos ministros sobre diversos assunto, mas contém alguns trechos que são mais relevantes para o inquérito sobre a PF.

Nele é possível ver Bolsonaro dizendo o que já havia sido descrito no relatório da AGU (Advocacia-Geral da União) sobre o encontro.

“Já tentei trocar gente da segurança nossa no Rio de Janeiro oficialmente e não consegui. Isso acabou. Eu não vou esperar foder minha família toda de sacanagem, ou amigo meu, porque eu não posso trocar alguém da segurança da ponta de linha que pertence à estrutura. Vai trocar; se não puder trocar, troca o chefe dele; não pode trocar o chefe, troca o ministro. E ponto final. Não estamos aqui para brincadeira”, disse o presidente.

Bolsonaro também reclama do fato de a Polícia Federal não lhe passar informações.

“E eu tenho o poder e vou interferir em todos os ministérios, sem exceção. Nos bancos eu falo com o Paulo Guedes, se tiver que interferir. Nunca tive problema com ele, zero problema com Paulo Guedes. Agora os demais, vou! Eu não posso ser surpreendido com notícias. Pô, eu tenho a PF que não me dá informações”, diz ele.

Moro pediu demissão após ser surpreendido pela demissão de Maurício Valeixo da chefia da Polícia Federal. O ex-ministro da Justiça afirmou que Bolsonaro interferiu na PF, que está encarregada de investigações criminais que podem envolver familiares do presidente.

Para Davi Tangerino, professor de direito criminal da FGV, o vídeo reforça a versão de Moro de que estava sofrendo ingerência — ou seja, é uma peça que ajuda a reforçar a narrativa de Moro, mas sozinho não é prova de cometimento de crime.

“Moro não mentiu. Ele disse que foi pressionado, e está aqui a prova. Mas quem defende o presidente pode argumentar que é uma pressão normal, não uma ingerência criminosa”, afirma Tangerino.

O professor de criminologia da USP Maurício Dieter afirma que Bolsonaro tem o poder de nomear quem quiser para seus ministérios, e só há crime se foi possível provar que houve interferência para proteger seus familiares de investigações em andamento — o que as falas no vídeo, por si só, não comprovam.

Para Dieter, o contexto de interferência — quando Bolsonaro diz ‘vou interferir’ — pode ser lido como legítimo, no sentido de ele querer que seus ministros “se aproximem mais de suas ideias e demonstrem maior lealdade em todas as suas manifestações”.

“Nessa reunião Moro foi objeto de forte recriminação diante de seus pares; destinatário de indiretas e muito sarcasmo. Deve ter se sentido humilhado. E essa humilhação deve ter afetado sua memória, a ponto de indicar uma reunião cheia de grosserias e não poucas demonstrações de burrice como prova de algum crime por parte do presidente”, opina o criminalista.

Já Tangerino afirma que “o vídeo sozinho não prova crime, mas também não é irrelevante”.

“Nem sempre no direito penal você vai ter a prova igual as que aparecem nos seriados, uma única prova incontestável. Muitas vezes a conclusão de que um fato aconteceu se dá juntando peças”, explica.

“Uma pessoa que é paranóica, como Bolsonaro, mesmo que tivesse cometido um crime, não deixaria um rastro claro, uma mensagem que dissesse: ‘preciso trocar o Valeixo porque meu filho cometeu um crime’. Se estão esperando esse tipo de provas, não vai acontecer”, diz Tangerino.

O professor de direito penal da USP Gustavo Badaró, também diz que não há nenhuma prova categórica no vídeo divulgado.

“Continua na mesma. Choque de versões. Não vi nenhuma ‘bala de prata’ contra o presidente”, diz ele.

A versão do presidente é de que, quando fala em trocar a segurança, está se referindo à segurança física dos filhos — cuja segurança pessoal, no entanto, é de responsabilidade do GSI (Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República).

No vídeo Bolsonaro também diz ‘meus amigos’ quando fala da atuação da PF no Rio — amigos cuja segurança pessoal não é feita pela polícia ou pelo GSI.

Crime de responsabilidade

Embora, por si, não forneça nenhuma prova categórica de que Bolsonaro tenha cometido crime em relação à PF, segundos os criminalistas, o vídeo pode reforçar a discussão sobre o presidente ter cometido crime de responsabilidade.

Crimes de responsabilidade têm uma possibilidade maior de interpretação do que crimes comuns — nos quais é preciso que a atitude comprovada seja exatamente aquela descrita na lei, explica Davi Tangerino, da FGV.

Estão previstos como crimes de responsabilidade do presidente da República coisas mais amplas e abertas à interpretação, como, por exemplo, “proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo”.

“O presidente tem um ‘caminhão’ de crimes de responsabilidade”, opina. “O impeachment é um caminho jurídico muito mais verdadeiro, porque em vez de convivermos com uma acusação criminal nebulosa, que precisa de tempo para ser investigada, você têm elementos jurídicos mais do que suficientes para discutir o impedimento por crime de responsabilidade”, afirma.

Outros juristas já disseram ver crime de responsabilidade em atos do presidente no passado — incluindo Miguel Reale, um dos autores do pedido de impeachment de Dilma Rousseff.

Para um impeachment contra Bolsonaro, seria preciso que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, aceitasse um dos pedidos que foram apresentados e que o impedimento fosse votado no Congresso.

No momento não há sinais de que isso possa acontecer — Bolsonaro tem negociado cargos com o Centrão para fortalecer sua base parlamentar, hoje pequena.

Situação de Moro

Ao abrir o inquérito sobre as acusações de Moro contra Bolsonaro, o procurador-geral da República, Augusto Aras, afirmou também que, se não comprovadas, isso poderia levar à denúncia contra Moro por denunciação caluniosa ou calúnia.

Os criminalistas, no entanto, não veem elementos para isso.

“A chance de o Moro ser criminalizado nesta historia beira a zero. Ele não mentiu”, opina Tangerino.

Gustavo Badaró, da USP, concorda.

“O crime de denunciação caluniosa exige que se dê causa à instauração de inquérito contra pessoa ‘que se sabe inocente'”, explica. “Ou seja, é preciso ter certeza de que a pessoa contra quem se dá causa à instauração do inquérito é inocente.”

“O Moro vai dizer que, na visão dele, não considerava o presidente inocente, que, ao menos subliminarmente, ele entendeu que era interferência nos inquéritos. Logo, não houve denunciação caluniosa”, afirma.

 

Redação

8 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Nao sabemos se algo foi cortado. Ou pelo executivo, para se protegerem, ou pelo judiciário, pra não estuprar ainda mais a democracia. Mas o intrigante foi a solicitação do ministro Celso de Mello no sentido de confiscar os celulares de bozo e filho vereador federal.
    Contudo, pelos comentários dos especialistas, deduzo que a ação do STF no caso da utilização criminosa do diálogo DilmaxLula foi contraria ao direito e a constituição.
    Mas é isso; contra Lula vale tudo. E Dilma, vc deveria ter dado alguns cargos para o exército pois, como bozo, poderia se esconder atrás deles.

  2. Impeachment só será possibilidade concreta se Bolsonaro ficar com 15 por cento ou menos de aprovação. Com esse valor pra cima ele tem bala na agulha pra negociar com o centrão pro centrão vestir a camisa do governo e em nome dele bater e saber levar pancada sem mimimi. Com o centrão não tem impeachment nao

  3. Falas em reunião são ou não provas contra Bolsonaro? Parece até uma novidade ou que foi o primeiro delito, com provas, cometido pelo atual governo. Entendo que a pergunta título desta matéria não deixa de ser uma confissão da impotência, da omissão, do medo, da covardia, do absurdo ou até (quem sabe?) do próprio interesse das autoridades dos três poderes, em permitir que a alta fervura no caldeirão do caos transborde o produto da destruição, por todos os cantos do país. Também não adianta que uma parte da grande imprensa fique batendo e chutando o cachorro morto do governo Bolsonaro, quando deveriam direcionar toda potência da sua indignação, para uma rígida e maciça cobrança a todas as autoridades que detenham a responsabilidade de fazer prosseguir todas as ações legais, que são necessárias para se por fim, de uma vez por todas, a esse governo que ganha no grito, às decisões favoráveis que o livra das graves delinquências e ilegalidades cometidas, até aqui. Já passou da hora das autoridades gananciosas deixarem ir-se seus anéis e preservarem seus dedos.

  4. Al Capone cometeu crimes de toda sorte, de assassinato a corrupção da própria polícia e Justiça.
    Apesar de serem de farto conhecimento público, só conseguiram condená-lo por sonegação de impostos.
    Milicianos cometem toda sorte de crimes, mas apesar de serem de conhecimento público, vivem soltos e aterrorizando a população com suas extorsões, assassinatos, tribunais do crime, corrupção policial, etc.
    Aqui, são até celebrados e homenageados pelo clã gerado por um militar fracassado (apesar de sua adoração ao “segmento”), mas “bem sucedido” politico, a tal ponto de ser eleito para o “comando supremo” do segmento que o excluiu.
    Por que esta introdução?
    Apenas para lembrar que este “elemento” conseguiu criar caso até na caserna e ser absolvido por um tribunal militar em tempos de ditadura. Ou seja: pode ser tosco, mas é “ensaboado” desde sempre.
    Assim como milicianos, desenvolveu esta habilidade de se comunicar (até ameaçadora ou contundentemente) sem se comprometer.
    Vamos então ao conteúdo específico da tenebrosa reunião, esquecendo todas as barbaridades não relacionadas ao processo “interferência na PF”:
    1) Apesar de declarar “zero” de referências à PF na reunião, o vídeo o desmente: “TENHO A PF QUE NÃO ME DÁ INFORMAÇÕES”. (NB: a PF é um organismo de Estado, não de governo e não existe para prover o (des)presidente de “informações”). Como é “escorregadio” (“velhaco”), sabe que não pode pedí-las a pessoas que não são do seu círculo de “confiança”, traduzida em fiel obediência.
    2) Tal frase está no mesmo conjunto (contexto) onde diz que “não vai esperar que fodam parentes OU AMIGOS)”. Neste momento, a palavra (ensaboada) “segurança” deixa de pertencer ao âmbito oficial (GSI) , já que “amigos” estão fora das responsabilidades institucionais.
    3) Diz que não conseguiu mudar (o que? 2 seguranças da GSI?) e se for preciso muda toda a cadeia, da ponta ATÉ O MINISTRO!
    4) Aí vem a “cereja do bolo”: …” VOU INTERFERIR!”… e incontinenti OLHA PARA MORO, à sua esquerda, após Mourão. NÃO olha para Heleno e talvez seja a única vez em seu discurso que olha para o ex-ministro da Justiça.
    Há diversas outras evidências específicas, mas estas já evidenciam, corroboradas por outras anteriores: telas de conversas não negadas, etc.; e posteriores: AÇÔES que CONSOLIDAM AS AMEAÇAS veladas com as PRÓPRIAS INTERFERÊNCIAS REAIS e o desmascaramento de quaisquer evidências de “problemas de segurança” de familiares e até amigos (!!!).
    Há ainda a falsidade ideológica institucional: pode ser “praxe” colocar o nome do ministro envolvido sem assinatura. MAS NÂO SEM SEU CONHECIMENTO!
    Enfim, como dito no post, se exigirmos do vídeo “provas categóricas” como “bala de prata”, tal como uma frase explícita (de um “ensaboado de 40 anos de praia” que sirva de confissão, tipo “vou demitir toda a cadeia de comando desde o superintendente do RJ até o ministro porque estão investigando meus filhos”, vamos esperar 2022 (ou 26?) para que este país se livre desta que é seguramente a pior escolha democrática (ou não) de nossa História.
    Messias acostumou-se a tirar o foco real da discussões e a negar e minimizar fatos graves.
    É como ao ser flagrado pela esposa na cama com outra mulher, vai levar focar a discussão no fato de que não se pode provar que estava fazendo sexo, pois a coberta sob a qual houve o flagra não permite provar que havia penetração…
    É fato que Moro e seus métodos reprováveis é farinha do mesmo saco. Apenas é de um pó diferente que não se misturou ao do (des)presidente.
    Mas aqui, não é o caso. Os ministros são escolha do presidente, mas servem AO PAÌS e não a pessoa dele.
    Como dito pelo próprio adolinquente: Se não for do jeito que (resumindo) “ele quer”, muda até o ministro, se por prevaricação, o PGR Aras não o DENUNCIAR:
    MUDE-SE o PGR (institucionalmente).

    1. Complementando o maroto e contumaz desvio de foco:
      Assim como no ex. de flagra do comentário acima, a discussão não é sobre a “transparência da coberta do casal”, a discussão do vídeo não é sobre “provar com uma bala de prata” se houve “tentativa de interferência”…
      HOUVE INTERFERÊNCIA!
      MATERIALIZADA após as insinuações.
      Insinuação sempre poderá ser contestada, pois é subjetiva por definição, exatamente para não ser falada com todas as letras.
      Mas a REALIZAÇÃO FACTUAL das insinuações é comprovação do seu sentido.
      Exatamente como no vídeo.

      Acrescente-se o enorme tempo gasto pelo (des)presidente para defender posições e problemas de cunho PESSOAL com TODO UM MINISTÉRIO, dando irrelevância à assuntos de ESTADO ou pelo menos da PANDEMIA. Tais assuntos no máximo deveriam ser discutidos em particular com o(s) ministro(s) envolvidos.
      A suspeita é que prestes a conflitar com um ministro com mais popularidade (à época) que ele próprio, aproveitou para pré-justificar-se com a gangue paramiliciana, digo equipe ministerial.
      Aliás esta é uma das técnicas bastante utilizadas psicopatologicamente:
      Antecipar m#Rd@s, para acostumar ao fedor, amaciando seu impacto.

  5. Têm sim elementos suficientes no vídeo para no mínimo afastar Bolsonaro da presidência. Mas em um país de covardes como o Brasil isso de novo não vai gerar nenhuma ação contra o criminoso.

  6. Por mais que tenha nojo desse desgoverno miliciano, tudo não passa de diz que diz para alavancar a candidatura do marreco à presidência…..o imbecil que se diz presidente já falou e fez coisas mais graves que dariam argumentos para vários pedidos de impeachment…..
    A rede golpe só está fazendo o que sempre fez com governos petistas e de esquerda…. criando fumaça para alcançar seus propósitos ao criar um ambiente perfeito para a revolta popular….
    Interferência na pf? E a invasão a empresa de Roseana Sarney matando sua precoce candidatura, como souberam do dinheiro? Fofoca,? E o engavetador geral da república? E a montanha de dossiês do vsmpirao, que segundo alguns montou um QG da arapongagem no ministério da saúde……e a grana do FBI direto nos bolsos da galerinha,? oras, isso vem de longe…..quem reclama é o marreco,? O vazador-mor da república????

  7. O Gabinete de $egurança Institucional é responsável pela segurança de amigos do Presidente da República?

    Não, não é. Destarte, porque o Bolsonaro interferiria no G$I para impedir que sua familícia e seu amigo fossem phodidos?

    Acho que é esse o ponto. Ele queria interferir na PF a fim de blindar seus bandidos de estimação. E o fez.

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador