Ion de Andrade
Médico epidemiologista e professor universitário
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Febre Amarela e Ministro candidato: país acéfalo?, por Ion de Andrade

Febre Amarela e Ministro candidato: país acéfalo?

por Ion de Andrade

A autoridade sanitária no Brasil é o Ministério da Saúde, não a OMS!

A inclusão pela OMS de todo Estado de São Paulo como área de risco para a Febre Amarela é, do ponto de vista da Saúde Pública, a mais grave derrota nacional de que se tenha notícia. O Brasil é um desses países onde as condições de saúde, de saída precaríssimas, evoluíram para melhor ao longo de todo o século XX, quando passou a ser tratada como de interesse governamental, influenciada pela bacteriologia de Pasteur trazida até nós por Oswaldo Cruz em fins do século XIX fato que ganhou maior relevo com a Reforma Sanitária e com o SUS. Diga-se porém, que comparativamente, durante os distantes anos 60 e 70 quando governou a ditadura, a fronteira de doenças como a Malária e a Febre Amarela recuou continuamente. Então esse fato notório não tem paralelo na história do Brasil desde a bacteriologia de Pasteur.

Por diversas razões o risco de Febre Amarela em São Paulo é, não somente inteiramente inaceitável, como produzirá um prejuízo nacional em múltiplas frentes.

A primeira delas, obviamente, é de que isso implica, pois a OMS não é irresponsável, que haverá provavelmente novos casos e óbitos de Febre Amarela em São Paulo;

A segunda é que sendo a locomotiva econômica do Brasil há inevitavelmente o risco de que casos de Febre Amarela sejam exportados para todo o Brasil, país que, como sabemos, está infestado de Aedes aegypti de ponta a ponta do território nacional assim como para países vizinhos também infestados pelo mosquito;

A terceira é que há o risco de que os prejuízos materiais para o país venham a ser gigantescos. Não esqueçamos que São Paulo é a porta de entrada do Brasil no plano da economia e a Febre Amarela exigirá dos potenciais agentes econômicos visitantes (e de seus familiares) o reconhecimento do risco e a vacinação prévia por uma vacina que não é isenta de riscos;

Finalmente o Brasil, que além de estar se firmando internacionalmente como uma República de bananas e como o país do lawfare, ganha agora nova distinção só comparável à de alguns países africanos. A perda de status para o país é pior do que a que foi provocada pela redução de nota pela Moodys. Incomparavelmente pior, aliás.

Mas o que é a Febre Amarela?

Sumariamente pode-se dizer que se trata de uma febre hemorrágica aparentada à dengue cuja a gravidade é muito maior. A letalidade da doença é superior a 50%, podendo atingir em algumas séries taxas de cerca de 70% de óbitos. Isso significa que a cada 100 pessoas que adoecerem ao menos 50 morrerão no cenário mais otimista. Sendo a letalidade alta e a circulação viral mais rápida no doente, as epidemias de Febre Amarela, apesar de transmitidas pelo mesmo Aedes aegypti tendem a ser menores do que as epidemias de dengue.

Se esse problema não for manejado pronta e adequadamente pelas autoridades sanitárias, o seu controle será ainda mais difícil.

Na última Emergência em Saúde Pública vivida pelo Brasil, assumida clara e honestamente como tal pelo governo Dilma, a da microcefalia, cujo vírus, originário de Uganda, é também transmitido pelo Aedes, o Ministério da Saúde interveio com um Plano de Contingência com os seguintes eixos:

  1. Mobilização e combate ao mosquito
  2. Atendimento às pessoas e
  3.  Desenvolvimento tecnológico, educação e pesquisa

Esse plano de contingência envolveu autoridades e pessoal civil e militar, orçamentos, propaganda, além de iniciativas de Vigilância Epidemiológica e ambiental como a criação em todos os estados afetados de salas de situação com pessoal específico para o monitoramento da epidemia. Sublinhemos, nesse caso, que o impacto potencial da microcefalia, por triste e inaceitável que também seja, não é comparável ao da Febre Amarela que mata.

As Emergências internacionais relacionadas ao Ebola em 2014 antes dele ao H1N1 em 2010 também tiveram planos nacionais condignos, ainda que a ameaça não tenha se configurado como Emergência Nacional de Saúde Pública no Brasil.

Reconheçamos também que as ações de Vigilância do Ministério da Saúde seguem uma rotina que vai além dos golpes e dos governos e são da responsabilidade de pessoal técnico de alto nível. Apesar disto há decisões que só podem ser tomadas no nível político da gestão. Por exemplo, a decretação de uma Emergência em Saúde Pública é uma delas!

As perguntas que temos que nos fazer diante da inclusão pela OMS de São Paulo como área de risco para Febre Amarela são:

  1. Existe uma Emergência Nacional de Saúde Pública em Febre Amarela no Brasil hoje? Em caso afirmativo, por que não foi decretada?
  2. Onde está o Plano de Contingência Nacional, que eixos terá e quem é que está produzindo?
  3. Teria um governo com 95% de desaprovação capacidade de dar más notícias à população em Saúde Pública, área, aliás, em que congelou os orçamentos por vinte anos? Se a resposta for negativa, tem esse governo condições mínimas de gerir essa eventual Emergência Nacional?
  4. Por que a inclusão de todo o estado de São Paulo como área de risco para a Febre Amarela foi feita pela OMS e não pelo próprio Ministério da Saúde? Que relação existe entre essa irresponsabilidade institucional da autoridade sanitária nacional, que deveria obrigatoriamente ter veiculado a notícia, e a condição de candidato do Ministro da Saúde?

Era previsível que num país sem nenhum amortecedor social como o nosso, onde as políticas sociais são frágeis e podem ser suprimidas sem que haja nenhum cuidado em projetar as pessoas na miséria que todas essas mazelas voltassem. Na votação da PEC 55 eu mesmo fiz esse alerta em alguns artigos.

Por óbvio, elas estão voltando.

O Brasil finalmente se tornou uma República de bananas, um país miserável e esfomeado onde a tuberculose e a sífilis batem recordes e onde agora, apesar dos esforços de Oswaldo Cruz, temos a Febre Amarela instalada de volta  no Estado mais rico da federação.

Mas há pior! No dia 24 de janeiro vão condenar Lula em Porto Alegre e nos fechar as portas do país ao Bem-Estar Social e a uma Saúde Pública digna!

Que não digam os mentirosos que a Febre Amarela em São Paulo é coisa do PT porque aquele estado é governado pelo PSDB há décadas e, sendo o mais rico, sofre pouca interferência do Ministério da Saúde. Então, por favor deem a Cesar o que é de César!

 

Ion de Andrade

Médico epidemiologista e professor universitário

8 Comentários

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  1. A registrar a intensa

    A registrar a intensa campanha da midia eletronica, especialmente da GLOBO, a espalahar PANICO no Pais, contribuindo para as absurdas filas em postos de saude. O tema é materia prima filet mignon para as emissoras ocuparem espaço e ganhar audiencia. O risco real da FEBRE AMARELA no conjunto da população é infinitamente menor do que aquele que a campanha radio-tv tem espalhado de hora em hora, é um risco de contaminação de quem esta em contato com certas areas MAS

    o barulho da midia transformou em surto epidemico gravissimo, foi o que provocou a OMS pelo estardalhaço.

    Pessoas de idade e pessoas de saude fragil vão morrer POR CAUSA DA VACINA, que é de modelo antigo e apresente riscos.

    Morre muito mais gente todo dia de gripe do que dessa febre amerela fabricada pela midia.

     

    1. Vá se vacinar, se ainda não tomou vacina.

      André Araújo, deixe de agir como um Bolsominion, isto é, como um idiota, e vá se vacinar, se nunca tomou vacina contra a febre amarela. Se é idoso, consulte seu médico antes, faça os exames que ele mandar, siga as orientações dele. Mas não mate gente com seu comentário idiota, ridículo, anti-científico e extremamente perigoso. Quer morrer, se enforque, beba cianeto, mas não mate gente chamando de “fabricada pela mídia” um risco que veio para ficar, uma epidemia que vai acontecer.

  2. febre amarela

    Eu só queria que alguém me explicasse por quê o secretário do ministro da saúde afirmou na Globo que o país tem estoque de vacinas suficiente para toda a população (207 milhões de doses). Por que esse montante foi estocado se não havia a doença no Brasil?

  3. FEBRE AMARELA….

    Febre Amarela? Que Febre Amarela? Aquela que há duas semanas David Uip, dizia que não existia. Assim como não existia PCC. Tratada como se tratou da dengue. Depois Dengue Hemorrágica, depois Guillain Barré, depois Chicungunya, depois Microcefalia? E as pobres mães de pobres crianças que fiquem com seus filhos e suas sequelas permanantes pelo resto da vida? Mas o mosquito do mato, no Parque da Canterira não atravessa a avenida em frente ao parque. E o Aedes Aegipty, não atravessa a cerca para visitar seus primos, nem os macacos dentro do parque.  Aliás, o tal mosquito da dengue não é culpa das masmorras medievais de lixões, falta de recolhimento de lixo, condições sub-humanas, córregos e rios privadas em esgotos a céu aberto, sujeira por todo lado, falta de controle sanitário e prevenção médica exercida pelo Estado. É culpa do vasinho de flores. O esgotamento do Sistema Cantareira, que por 25 anos ficou sem investimentos, ampliação e manutenção, levando à tragédia da falta de água pela política de privatarias, inclusive de água, do Picolé de Chuchu, não agravou o problema e a dissiminação da epidemia? E onde está o IBAMA, a responsabilizar estados que mortandade absurda de macacos, destruimndo a biodiversidade brasileira, sem um único e insignificante movimento das autoridades ambientais? E olha que temos Secretárias do Meio Ambiente por todas as cidades, para felicidade de cabides de empregos !!!!! O Brasil é de muito fácil explicação !! (P.S. Em plena véspera de 2020, o importante continua sendo a Elite Politica livrar sua pele e salvar sua eleição a cada 2 anos. O Povo que morra de febre amarela) 

  4. Haja Asilo de Alienados nesta Ditadura das Togas…
    Nassif, a degeneração dos alicerces institucionais – como Jânio de Freitas e você pontuaram ontem – provoca, além de todos males apontados, uma paralisia cognitiva como a que nos leva a subestimar oficialmente a questão da febre amarela em São Paulo. Sem jornalismo digno desse nome, o PIG não correlaciona o atraso e abandono parcial das obras do Rodoanel à infestação da doença nos macacos, assim como ignora solenemente um pormenor que pode explicar boa parte dessa corrida da população em busca de vacinas: Mairiporã decretou estado de emergência e calamidade pública por causa do aumento no número de pessoas mortas pela febre amarela. E o município, além de ter 80% de seu território ocupado pelos parques Cantareira, Juqueri e pela represa Paiva Castro, que abastece a região metropolitana, é uma espécie de Capital Evangélica que em março próximo atrairá milhares de fiéis para sua “Marcha para Jesus”, animada por bandas, cantores e astros evangélicos e demais convidados da Aliança das Igrejas Evangélicas, além das assembléias semanais das Testemunhas de Jeová, que superlotam todos espaços, inclusive ao redor da capela e igreja de Nossa Senhora do Desterro, que deu nome ao lugar no século XVI, bem antes de sua elevação à condição de vila paulistana de 1696 até 1880/89, quando fez parte de Guarulhos antes de virar município autônomo. Célebre pelo Asilo de Alienados ou Hospital Psiquiátrico do Juqueri, erguido em 1889 pelo médico Franco da Rocha, mudou de nome em 1947, de Juqueri – nome guarani de flores do gênero Mimosa que ali se multiplicavam – adotou o de Cidade Bonita em tupi-guarani, Mairiporã – depois de uma mobilização da população que, cansada de ser confundida com os internos do hospital psiquiátrico, promoveu uma espécie de plebiscito pioneiro, que levou Ulysses Guimarães a cunhar a frase “Juqueri, terra de loucos. Loucos por cidadania”. Com o início das obras do trecho Norte do Rodoanel, em 2013, toda região perdeu a invulnerabilidade que suas aves lhe garantiam, ao manter sob controle a população dos mosquitos transmissores de febre amarela de que se alimentam. Além do desmatamento, o barulho das explosões e dos bate-estacas dos sete túneis e mais de 100 pontes e viadutos do trecho se encarregaram de expulsar os pássaros para matas sem tanta poluição sonora e viabilizar a a multiplicação dos 80 ovos por postura dos mosquitos, capazes de resistir até um ano sem água antes de eclodirem. Como o BID desembolsou R$ 2,8 bilhões dos quase dez bilhões reais que o trecho já consumiu, fica fácil saber quem alertou a OMS/OPS sobre as consequências do atraso dessa mega obra na maior floresta urbana do mundo, razão pela qual a epizootia ou morte dos macacos, seguida pelas primeiras mortes dos moradores vizinhos, levaram à decretação de SP como área de risco de uma epidemia que se supunha extinta há 76 anos. em todo Brasil. Com isso, o BID (que recebeu até um contra-eia-rima, um estudo de impacto subscrito por pesquisadores da USP, alertando para os riscos) se livra de maiores responsabilidades. O que não é o caso do MPF e MP paulista, que diante da gravidade da situação se omitiram por completo, assim como o Conama, Consema, IBAMA, SMA/SP e outras instituições que, garantidas pela Constituição de 88, perderam sua razão de ser – uma vez que inteiramente dependentes da existência ou não de Justiça para terem algum significado real, se tornaram siglas-fake – tamanha sua negligência criminosa. Para concluir essas observações sobre o atual déficit cognitivo ou acefalia que nos torna vulneráveis aos males medievais, como a febre amarela ou a ditadura das togas, é necessário lembrar que nossa dependência da vacina importada do laboratório francês Sanofi Pasteur – e, devido ao custo, fracionada – é recente: fabricada há 80 anos pelo Bio-Manguinhos/Fiocruz, a vacina brasileira era exportada até 2016 para 74 países. Como o Instituto Butantã, o único capaz de produzi-la além do Bio-Manguinhos, sofreu um incêndio em 2010 e desde então nunca se recuperou plenamente, a importação e o fracionamento (para quem não tenha de viajar para o Exterior, aonde é exigida a vacina inteira) é a estratégia do momento, até para uma eventual privatização do sistema nacional de medicamentos imunobiológicos…

  5. O Conceito científico de Emergência em Saúde Pública

    Eis o conceito de Emergência em Saúde Pública segundo EDUARDOHAGE CARMO, GERSON PENNA
    e WANDERSON KLEBER DE OLIVEIRA em Emergências de saúde pública: conceito, caracterização, preparação e resposta

    “evento que apresente risco de propagação ou disseminação de doenças para mais de uma Unidade Federada (Estado ou Distrito Federal), com priorização das doenças de notificação imediata e outros eventos de saúde pública3 (independentemente da natureza ou origem), depois de avaliação derisco, e que possa necessitar de resposta nacional imediata. De acordo com a Portaria de doenças e agravos de notificação imediata (Ministério da Saúde, 2006), considera-se um evento: cada caso suspeito ou confirmado de doença de notificação imediata; agregado de casos de doenças que apresentem padrão epidemiológico diferente do habitual (para doenças conhecidas); agregado de casos de doenças novas; epizootias e/ou mortes de animais que podem estar associadas à ocorrência de doenças em humanos (por exemplo, epizootia por febre amarela); outros eventos inusitados ou imprevistos, incluindo fatores de risco com potencial de propagação de doenças, como desastres ambientais, acidentes químicos ou radionucleares.

    A Inclusão de todo o Estado de São Paulo como área de risco para Febre Amarela preenche o conceito de Emergência em Saúde Pública e nem foi decretada, nem tem plano de contingência nacional em andamento.

    A que serve o Ministério da Saúde e o Ministério Público?

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