Golpe civil e adiamento do projeto brasileiro, por Marco Aurélio Cabral Pinto

 

Artigo do Brasil Debate

Por Marco Aurélio Cabral Pinto

A inconfidência mineira fracassou na conquista da independência política (soberania) do Brasil diante dos interesses internacionais no último quartel do século 18. À época, os dominadores portugueses percebiam o Brasil como espaço de acumulação privilegiado e, a despeito de teses nacionalistas infiltradas na máquina pública, utilizaram-se de inteligência e poder policial-militar para sufocar projeto de poder soberano no País.

Séculos depois, o “ouro negro” surge na base da crise política que ameaça a continuidade da democracia brasileira. Não a democracia televisiva, festejante. Mas a real, como sistema político que se orienta pela vontade da sociedade difusa. Por alguns chamada de populismo, a democracia brasileira parece suprimida diante de golpe civil que alçou ao núcleo de poder da República os interesses conservadores, com nenhum outro objetivo do que abortar o aprofundamento do projeto brasileiro.

O mais triste é que o golpe civil se desenrola em momento em que o Brasil parece sobrevoar crise internacional de grandes proporções, cujos desdobramentos políticos aparentemente reforçam hipóteses de instabilidade sistêmica crescente.

O objetivo do presente artigo é analisar a crise brasileira sob o ponto de vista do golpe civil em curso.

A operação Lava Jato como bomba atômica política

Exatos 29 dias do pleito eleitoral que escolheria presidente, governadores, senadores e a totalidade dos deputados federais e estaduais no País, recuperou-se assunto até certo ponto “resolvido” por parte dos “aliados” do PT. A investigação Lava Jato era até então mais uma investigação da equipe da polícia federal para “crimes financeiros”, debelada politicamente no Congresso a despeito da repercussão pública negativa para o Governo Federal.

A Lava Jato durou cerca de 70 dias entre a deflagração e o estabelecimento de CPI mista com objetivo de apurar irregularidades em contratos da Petrobrás. No entanto, o assunto se encontrava latente.

A ressurgência das agressivas manchetes (Jornal Nacional e Revista Veja) às vésperas das eleições deveu-se a vazamento (espionagem ou cooptação da PF?) de depoimento de ex-diretor que implicava conjunto amplo de políticos em esquemas de corrupção nos contratos da petroleira. No entanto, o efeito sobre a candidatura para reeleição foi relativamente pequeno.

A ação da Polícia Federal e o vazamento seletivo de informações à mídia: seria tudo concertado?

Às 6 horas da manhã de 17 de março de 2014 os cerca de 400 agentes da polícia federal envolvidos na operação Lava Jato iniciaram operação de grande envergadura. A ação ocorreu em Curitiba e outras 16 cidades do Paraná, São Paulo, Distrito Federal, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Rio de Janeiro e Mato Grosso. Ao todo, foram cumpridos cerca de 80 mandados de busca e apreensão, 18 de prisão preventiva, 10 de prisão temporária e 20 de condução coercitiva (intimados a depor). Poucas horas depois a grande imprensa brasileira iniciava divulgação de informações sobre a operação, providas pela própria polícia federal. O quadro abaixo relembra os principais passos da Operação Lava Jato:

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Golpe Civil

O resultado sobre a formação do pacto político brasileiro não poderia ser mais desastroso. A participação dos banqueiros na gestão dos recursos públicos remonta a era FHC, quando o Ministério da Fazenda (Banco Central, Tesouro, Receita Federal) e Ministério do Planejamento (orçamento e gestão) eram integralmente controlados por preferidos dos banqueiros.

Para tanto, frustrou-se conjunto de medidas esperadas para o governo eleito: diminuição de juros, aumento de escopo de projetos públicos etc. Alegadamente, os banqueiros estariam “intervindo” para preservar a capacidade brasileira de endividamento, em linha com os interesses de acumulação bancária.

No entanto, aparentemente o pleito da banca, derrotada nas eleições, foi bem além da simples correção de gastos públicos. Importa que o avanço da agenda neoliberal triunfe sobre as estruturas estatais brasileiras, retirando-se qualquer possibilidade futura de implementação de projeto nacionalista com mobilização da indústria e da pesquisa & desenvolvimento brasileiras.

Como alvo principal dos ataques figuram as duas principais empresas de energia – Petrobrás e Eletrobrás –, para as quais há estudos de venda de ativos majoritários nas controladas (BR Distribuidora, Transpetro / Furnas, Chesf).

Assim, as holdings públicas se ocupariam de “negócios-meio”, atuando como captadoras de dividendos para geração de superávit primário pela União. À Petrobrás caberia enfrentamento do arriscado e relativamente pouco lucrativo segmento de exploração. Até refino tem sido negado pelos interesses invasores, bastando-se examinar o alvo das denúncias de corrupção – empreiteiras de construção civil pesada em refinarias de petróleo.

As empresas de engenharia brasileira têm incomodado bastante os interesses internacionais com seu protagonismo na ocupação dos territórios econômicos vizinhos (América do Sul e África). Por outro lado, dispõem de recursos financeiros e humanos para avançar no processo sem recorrer a negociações com os interesses financeiros em busca de crédito para investimentos. As empreiteiras brasileiras possuem competitividade e liderança tecnológica para ganhar espaços ulteriores no mapa mundi.

Desta forma, nos últimos cerca de 10 anos, a engenharia civil brasileira permitiu a expansão das fronteiras econômicas do País, passando a incomodar interesses internacionais, principalmente norte-americanos em Angola (que também possui grandes reservas de petróleo).

O momento para se abortar o projeto civilizatório brasileiro não poderia ser mais oportuno. Foi equacionada, entre 2003 e 2014, boa parte das obras necessárias ao escoamento da produção agrícola brasileira para o exterior, perpetuando-se modelo de dominação no qual prevalece aliança entre banqueiros e latifundiários.

E a razão para a aliança é econômica. Dado que o crescimento da produtividade agrícola foi extraordinário (sementes trangênicas) na última década, os lucros dos latifundiários superaram em muito as necessidades de reinversões significativas (ampliação das fronteiras agrícolas), canalizando-se enormes recursos para o cassino financeiro, ainda que em fluxos decrescentes na conjuntura.

Completadas as obras para atender aos interesses exportadores, daqui para a frente o País iria (digo iria porque não irá mais) empreender esforços para melhorar a vida da sociedade na urbe, com investimentos significativos em saneamento, transporte, educação, saúde, iluminação pública, resíduos etc. Isto iria movimentar cadeia produtiva com elevado conteúdo nacional, elevando  ainda mais a oferta de emprego e a renda.

Infelizmente, este projeto foi abortado por golpe civil organizado e implementado pela aliança conservadora da elite contra o povo (banqueiros, latifundiários, mídia de massa). Este golpe civil impõe ao governo eleito regime de ajuste fiscal e desverticalização das principais empresas públicas mobilizadoras do capital industrial nacional, sob pena de levar adiante processo de impeachment presidencial ainda durante o ano de 2015.

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Redação

10 Comentários

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  1. Não falar em forças ocultas conspirando é um erro

    A matéria fica inquinada, pois despresa uma parte da equação do golpe relevante.

  2. Nem li

    O cara não sabe sabe o que aconteceu há mais de duzentos anos e quer destrinchar os acontecimentos atuais ?

    Os inconfidentes, uma turma de bacanas escravagistas, jamais quiseram livar o Brasil de Portugal, queriam era se livrar do Brasil e ficar com suas pedras preciosas.

    Pobre povo que não conhece sua própria história.

  3. As pessoas que falam em golpe

    As pessoas que falam em golpe de estado e comparam a situação atual à de 1964 subestimam um fator importante. Em 1964 a única instituição que tinha um sistema de comunicação nacional e condições de coordenar ações em todos os Estados da federação era o Exército. Nos dias de hoje, os computadores do Exército são invadidos por moleques que divulgam informações sigilosas dos oficiais no Twitter. É impossível dar um golpe de estado quando a reação pode ser organizada e coordenada em tempo real em todo o território nacional. A própria imprensa, por mais que tenha condições de superar seus adversários, se sente acuada pelos milhões de ferroadas que leva todos os dias em razão da manipulação dos fatos e da invenção e difusão de inverdades para prejudicar o PT e beneficiar o PSDB. O único golpe que vejo em andamento é o “golpe do golpe” para paralisar o governo e destruir as possibilidades de Dilma fazer seu sucessor. 

    1. Ninguém falou em golpe militar

      O autor do post não falou em golpe militar. Ele falou em golpe civil. No momento atual, um golpe militar é fora de questão porque falta um personagem essencial, que estava presente nos anos 50/60 e está ausente agora: as “vivandeiras”, que era como se chamava os políticos que corriam aos quartéis tentando seduzir militares para uma intervenção. No momento atual, só há possibilidade do exército entrar em cena em um caso apocalíptico, como a irrupção de uma guerra civil.

      Não há necessidade de golpe porque o governo Dilma está tropeçando nas próprias pernas. Dilma nunca teve possibilidades de fazer seu sucessor, ela é a criatura, e não a criadora. Com perdão pelo anacronismo, foi seu sucessor que fez ela. E vai desfaze-la no momento oportuno.

  4. Teoria conspiratória

    Então nada existiu, foi tudo uma trama para abortar o tal projeto civilizatório brasileiro?

    Desculpe, mas se supostamente nada do que estamos vendo é verdade, a Petrobras está bombando, a economia está a mil e o projeto civilizatório do PT vai de vento em popa, por que motivo Dilma, que venceu a eleição, se submeteria a uma conspiração tão fuleira?

    Crise econômica não dá para disfarçar, aparece no preço das mercadorias, na cotação das moedas, na taxa de juros, no valor das ações das empresas, na confiança dos investidores. É um fato insofismável.

    1. Concordo plenamente. A

      Concordo plenamente. A situação que atravessamos é real, embora seja explorada ao extremo. Se os escândalos vem do descobrimento, não importa, vamos investigar. O que precisamos é preservar a democracia e aprimorá-la para que não haja corrupção. A oposição está no próprio governo, e Temer diz que o PMDB está sempre a favor do Brasil… Quem tem esse tipo de aliado pode pagar um preço muito alto, talvez o próprio mandato, o que seria um retrocesso incalculável.

  5. Marco Aurélio, apesar de um

    Marco Aurélio, apesar de um tom pessimista ou “realista”, como queiram, ao final da matéria, foi bastante didático lê-la. Concordo em boa parte com suas análises, principalmente no que se refere à influência liberal e financista no atual governo.

    O poder do capital e do imperialismo age mesmo nos pretensos governos de esquerda e tenta ocupar algum espaço. A engenharia nacional realmente possui uma capacidade técnica brilhante e é motivo de orgulho e esperança, pois quando saírmos desta crise, e aí vai meu tom otimista, afinal tenho dois filhos ainda crianças e não posso vacilar, esta mesma engenharia ora nocauteada contribuirá para reerguer a nação.

    Além da especulação, “financismo”, imperialismo, podemos mudar um pouco o discurso e falarmos simplemente da tão óbvia livre concorrência que é um dos fundamentos do capitalismo. Quando exercida de forma injusta e predatória, quando se alia à boataria especulativa, espionagem e sabotagem (não afirmo, mas o acidente recente em fpso afretado é suspeito) industriais, com o desejo de elimar e submeter a concorrência e apropriar-se de seus mercados, demonstra o que há de mais sujo no jogo capitalista internacional. E as pessoas ficam de “mimimi” em relação ao socialismo…mas esta é oura questão.

    Realmente há em curso um neocolonialismo, aliás nunca deixou de haver…Investimentos em edução, pesquisa, tecnologia e industrialização são o que colocam uma nação no rumo do desenvolvimento e da prosperidade. Obviamente com a devida garantia de oportunidades para as classes trabalhadoras e empreendedoras, assim como com políticas de inclusão social e distribuição de renda.

    As nossas empreiteiras não devem ser demonizadas. Os corruptores devem e vão pagar pelos seus atos ilícitos, mas estas mesmas empresas geram empregos, renda, impostos e demais benefícios para o país.

    Esse golpe branco ou civil só vai acontecer se nós permitirmos. Basta aplicarmos o TBC: “tirar a bunda da cadeira” e irmos para as ruas. Dia 13 estarei lá porque acredito no Brasil, tenho filhos lindos pelos quais lutar!

    Um abraço,

     

  6. nem sequer os nomes dos que

    nem sequer os nomes dos que perpetraram o golpe

    civil-militar de 64 foram divulgados pela comissao da verdade

    e já há outro golpe civil na praça.

    é só perceber os nomes dos que perpetram o golpe  de agora

    para identificar os nomes do golpe do passado.

    ou vice-versa.

  7. Eu acredito que ainda podemos

    Eu acredito que ainda podemos virar a mesa em favor do país, é necessário coragem, muita coragem e sacrifício.

  8. Se o povo brasileiro inviabilizar o Brasil será culpa da elite

    O caso do Juiz que dirige o carro que sequestra nos autos, ou da turba mal educada que xinga um ex-ministro gratuitamente, exemplos eficazes e aterradores, reveladores de uma sociedade que ostenta, a par de suas grifes, ignorância, parvoíce, vocação de trapaça, incapacidade crônica para a ironia e o senso de humor, prepotência e arrogância sem limites, hipocrisia e desfaçatez, velhacaria e vulgaridade. São estes os brasileiros que impõem o suicídio a um país favorecido pela natureza como nenhum outro. 

    E o Mino Carta vai, pouco a pouco, concluindo pelo Fim do Brasil.

    E não é que  pessoal da Empiricus profetizou com acerto.

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