Lula: matar o mito para encerrar o ciclo, por Tereza Cruvinel

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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do Brasil 247

Lula: matar o mito para encerrar o ciclo, por Tereza Cruvinel

Quando Juscelino Kubitscheck morreu, em 1976, viu-se que deixou uma fazendinha em Luziânia e um apartamento no Rio de Janeiro. E, no entanto, nos anos que se seguiram ao golpe de 1964, a ditadura forjou a lenda de que fora cassado porque era corrupto e roubara muito durante a construção de Brasília. JK foi cassado porque era o mito eleitoral e político daquele tempo, o candidato mais forte às eleições presidenciais que estavam marcadas para 1965. O triunfo da nova ordem política erigida pelos militares exigia a destruição do mito JK, o presidente que mudara a face do Brasil acelerando a industrialização e interiorizando a capital. Mataram o mito. Depois, o pleito de 1965 foi desmarcado e os brasileiros só votaram novamente para presidente em 1989. Para visitar a cidade que criara, ele vinha a jantares clandestinos organizados pela amiga Vera Brant.

Na segunda morte de JK, a morte física em 1976, estudantes, candangos e centenas de brasilienses acompanharam o féretro da Catedral até o cemitério Campo da Esperança cantando o “peixe vivo” e gritando “abaixo a ditadura”. Foi a primeira grande manifestação política de que participei.

Antes de JK, a caçada a outro mito também relacionado a mudanças sociais e econômicas de viés popular, havia terminado com o suicídio de Getúlio Vargas, que com o tiro no peito adiou em dez anos o golpe de 1964.

Há uma clara semelhança entre o assassinato político de JK pela ditadura e a caçada Lula para abrir caminho a uma troca de guarda no poder. Para colocar um fim à ordem política instaurada pelo PT com a chegada de Lula à presidência em 2002 é preciso acabar não apenas com a ideia de que os governos petistas promoveram os mais pobres à cidadania, reduziram a desigualdade, resgataram milhões da miséria e mitigaram, com políticas afirmativas a nossa dívida histórica para com os negros e afrodescendentes. É preciso apagar a ideia de que a Era Lula produziu um invejável ciclo de crescimento e instaurou, com Celso Amorim, uma política externa altiva que garantiu ao Brasil uma projeção internacional sem precedentes. Não basta também apenas a desqualificação eleitoral do próprio PT, por erros cometidos e por erros que são do sistema político. É preciso destruir o mito projetado por estas mudanças, o mito Lula.

Em janeiro, afastada das lides diárias do jornalismo, acompanhei de longe a abertura da temporada de caça a Lula. O que se prenunciava desde o início do ano ficou claro em 27 de janeiro com a Operação Triplo X, que a pretexto de investigar lavagem de dinheiro pela OAS através da venda de apartamentos no Edifício Solaris, mirou Lula e o tríplex que ele cogitou comprar mas nunca adquiriu. De lá para cá os caçadores se espalharam e se armaram, obtendo agora do juiz Sergio Moro a autorização para abrir um inquérito específico destinado a investigar se as empreiteiras beneficiaram Lula ilegalmente através de obras num sítio de amigos de sua família.

Se Lula não tem um tríplex, o crime estará em ter pensando em possuí-lo? Há muitos meses eu o ouvi contar a amigos o que dissera a sua mulher Marisa para que desistissem do apartamento e resgatassem o valor da cota já pago. “Marisa, eles nunca vão nos aceitar como vizinhos num prédio como aquele. Não vão querer andar de elevador com a gente. Vamos desistir disso antes que comecem os aborrecimentos”. Era tarde, vieram mais que aborrecimentos. Vieram acusações difusas, sem forma clara, sem fundamentos sólidos mas corrosivas para o mito. O “tríplex do Lula” passou a existir no imaginário popular, embora não exista na escritura.

Agora, com o novo inquérito, querem provar que o sítio de Atibaia não é de seus donos, mas de Lula. E que empreiteiras investigadas pela Lava Jato investiram nele numa forma indireta de pagar propina ao ex-presidente. É isso que querem provar, embora não digam. Mas no imaginário popular a narrativa já colou. Outra ferida no mito.

Feri-lo porém não basta. A destruição de um mito exige mais, exige sua completa humilhação, exige a retirada de toda e qualquer aura de veneração e respeito. Para isso será preciso processar, condenar, trucidar. Será preciso prender Lula. É a este ponto que desejam chegar os caçadores de Lula, para que nada reste da admiração pelo presidente que saiu da miséria extrema do Nordeste, tornou-se operário, liderou greves, fundou um partido, aceitou as derrotas e um dia venceu a eleição presidencial, tornando-se o presidente brasileiro mais popular internamente e o mais conhecido e respeitado lá fora. “O cara”, como disse Obama, precisa ser reduzido a pó.

Lula talvez tenha subestimado a sanha dos caçadores e se atrasado na defesa. Certamente cometeu alguns erros na estratégia de defesa. Do PT combalido, pouco pode esperar. Mas certamente algo ainda espera dos que ainda acreditam nele. Se planeja em algum momento denunciar à sua base política e social a natureza política da caçada que enfrenta, o momento chegou. A hora é de crise para todos e isso não favorece reações populares. Mas ainda que seja como prestação de contas aos que o levaram à glória e assistem à sua destruição sem ouvir um chamado, Lula precisa fazê-lo.

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

17 Comentários

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  1. Banalidade e retrocesso

    Sérgio Moro é o Eichmann brasileiro. Caça o Lula de forma implacável, com lances bizarros que atentam contra o Estado de Direito, e afirma candidamente que está “cumprindo a lei”.

    O fato de uma parte da elite brasileira ainda se prestar a esse tipo de selvageria, em pleno século XXI, mostra que é ela – a banda podre da elite brasileira – o mal que atrasa o desenvolvimento do país.

    Lula é maior que Getúlio e JK. Espero que se candidate em 2018. Em se candidatando, espero que vença. Em vencendo, espero que se reeleja. Quero estar vivo em 2022 para ver um trabalhador no comando do país, no ano do Bicentenário da Independência.

    1. Banalidade e Retrocesso II

      Bom dia. MCN (11 de fevereiro de 2016 às 09:38): “Sérgio Moro é o Eichmann brasileiro. … Lula é maior que Getúlio e JK. Espero que se candidate em 2018…”. Caro MCN, concordo. Só discordo de Lula ser maior que JK e Gegê. Todos os três enfrentaram o PIG, mas, nos tempos de Getúlio e de JK não havia as facilidades digitais de hoje. Naquele tempo, era mais fácil manipular e mesmo assim Lula, com seu ‘republicanismo’ pueril, deu poder desmedido ao PIG e aos togados messiânicos. Os dois, Gegê e JK, enfrentaram um PIG bem mais hegemônico.

  2. Moro, dá uma olhadinha nisso

    Camargo Correa fez aeroporto “de presente” para fazenda de FHC

     Trabalhadores da fazenda vistoriam a pista de 1.300 metros da Camargo Correa, ao lado da fazenda da família de FHC.

    A Camargo Correa, e a filha de FHC “fantasma” no Senado, tem algo em comum no passado.

    Uma inusitada boa vizinhança entre duas fazendas, onde o conflito de interesses público e privado não tinha porteiras.

    Em 1989, FHC comprou com Sérgio Motta a fazenda “Córrego da Ponte” em Buritis (MG).

    Em 1995, quando FHC já era presidente, e a proprietária da fazenda Pontezinha, ao lado das terras de FHC, era a Agropecuária Jauense, da Camargo Corrêa.

    De acordo com esta antiga reportagem da Revista ISTOÉ, em julho de 1995, a empreiteira iniciou a construção de um aeródromo particular na fazenda, obra concluída em menos de 3 meses.

    Conta com uma pista de 1.300 metros (mesmo tamanho que a do Aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro), e estacionamento para 20 pequenas aeronaves.

    O registro oficial da pista no Departamento de Aviação Civil (DAC), antecessor da ANAC, foi feito em outubro de 1995, autorizando receber aviões do tipo Bandeirantes e Lear-Jets.

    O engenheiro responsável pela obra, Marcelo Ávidos, elogia a qualidade da pista, discorda das restrições de pouso impostas pela Infraero e garante que o aeródromo está preparado para grandes aeronaves. “Até um Boeing 737 pode aterrissar ali”, atesta Ávidos.

    Na época da reportagem (1999), o fazendeiro Celito Kock, vizinho de ambos e atento observador do trânsito aéreo na região narrava:

    “Nunca vi avião nenhum da Camargo Corrêa pousando ali. Mas da família de Fernando Henrique não pára de descer gente”.

    Dois habitués na pista da Pontezinha eram Luciana Cardoso (atual funcionária “fantasma” do Senador Heráclito Fortes), filha do presidente, e seu marido, Getúlio Vaz, que iam à fazenda de Fernando Henrique sempre que podiam.

    A assessoria de imprensa da Presidência da República informou à reportagem que FHC usou apenas uma vez a pista da Camargo Corrêa, num dia em que estava difícil voar de helicóptero. Mas confirmou a utilização da pista pelos familiares do presidente.

    Nesta época, Jovelino Carvalho Mineiro Filho (amigo de FHC) já havia comprado a parte que pertencia a Sérgio Motta, e FHC havia passado sua parte aos filhos Luciana Cardoso, Beatriz Cardoso, e Paulo Henrique Cardoso.

    A sociedade era gerida e administrada por Jovelino Mineiro e Luciana Cardoso.

    MESES ANTES, A CAMARGO CORRÊA GANHOU A OBRA DE AMPLIAÇÃO DO AEROPORTO INTERNACIONAL DE BRASÍLIA

    Apesar de ter os equipamentos necessários para a obra, a Camargo Corrêa encomendou o serviço à Tercon – Terraplanagem e Construções, numa autêntica troca de gentilezas.

    Meses antes, a Tercon havia conseguido um bom negócio ao ser contratada pela Camargo Corrêa para fazer a ampliação do Aeroporto Internacional de Brasília – empreitada que só terminou anos depois. Com isso, não se furtaria a retribuir o favor.

    FILHA DE FHC USOU AVIÃO DA FAB PARA IR À FAZENDA EM 2002

    Em 2002, o procurador da República Luiz Francisco Souza, exigiu explicações à Luciana Cardoso, filha do ex-presidente, por ter viajado a Buritis (MG) num avião oficial da Força Aérea Brasileira.

    Luciana foi a Buritis conferir os danos causados pela invasão dos sem-terra à sede da Fazenda Córrego da Ponte, de propriedade de sua família.

    A assessoria do Palácio do Planalto informou que Luciana era funcionária da Presidência (era secretária do próprio FHC) e viajou com outros servidores do Planalto.

  3. Sempre é lembrado o tempo

    Sempre é lembrado o tempo para o PT,para Lula e para o governo. Pelo desespero demonstrado,pela baixaria aplicada,pelo desrespeito contínuo a um ex-presidente,a uma presidenta legitimamente e democraticamente eleita e,consequentemente,pelo desrespeito ao povo brasileiro,acho que o tempo ,na verdade,chegou. Chegou para a ex-classe dominante.chegou para eles que sempre se locupletaram no poder.

    Basta ver o resultado,cada vez mais negativo,principalmente dos grupos da mídia porca deste país,para saber que eles não tem saída e aí não podemos esperar nada,ou melhor,podemos esperar tudo,tudo de ruim que uma índole ruim pode fazer.

    É isso. Eles são de índole ruim.

  4. Questão que procede

    A construção de um mito, de uma era, quer seja no período do governo de Lula ou no período do governo de Fernando Henrique Cardoso, traz em si mesma sua destituição. Se tal não fosse não haveria mais espaço para o exercício da política. Até mesmo Lula no dia de ontem admitiu que cometeu erros. Somente dessa forma será possível permanecer “vivo” politicamente. Um dos momentos mais cruciais de sua gestão na presidência foi a necessidade de constituição de um mito sobre uma trajetória sindical e popular já consagrada. Espero que os homens que montaram a propaganda sobre a história de um trabalhador e de uma liderança popular saibam reconhecer que ao sacralizar sua história pessoal e familiar provocaram uma reação de dessacralização, de destituição do mito, o que atingiu fortemente o próprio Lula e sua capacidade de representar os anseios do povo.

    Melhor manter como referência da democracia o período da Constituição Cidadã, das conquistas sociais, quando não era preciso adotar o personalismo para defender as conquistas de todo um povo, de toda uma Nação. Ao centrar em Lula os avanços temos em contrapartida também a responsabilização pelos recuos e retrocessos, o que é próprio do processo dialético. Lula não precisa de quem o defenda, Lula já faz parte da história e não deixará de ser um agente político representativo em qualquer função que exerça ou venha a exercer.

  5. Sinceramente, acredito que o

    Sinceramente, acredito que o Lula sobreviverá à mais uma tentativa de destruição da sua imagem.

    Até agora as provas são inconsistentes, faz-se muito barulho, muita marola, o PIG desesperado reproduz tudo, mas não prova nada.

    Acredito que em instância superior, tudo retomará aos devido lugares. Isso se não houver uma tentativa de golpes articulado no judiciário, que eu não acredito.

    Acho que esses caras vão acabar dando mais um título ao Lula, de politico honesto.

     

  6. O Prefeito de São Bernardo do

    O Prefeito de São Bernardo do Campo Luiz Marinho (PT) diz que Lula falou o seguinte sobre o triplex:

    “não quero porque tem três andares com uma escadinha horrorosa. Estou ficando idoso. Pô, é um muquifo.”

    Já a jornalista Tereza Cruvinel diz que Lula disse o seguinte:

    “Marisa, eles nunca vão nos aceitar como vizinhos num prédio como aquele.”

    São opiniões sobre o apartamento totalmente incompatíveis. Em uma, é um muquifo, em outra, é um “prédio como aquele”. Em qual versão devemos acreditar?

  7. Bom dia!

    Bom dia!

    … Mas será que acordaram mesmo? Será que sabem mesmo com quem estão lidando? Há tanto tempo algumas vozes alertaram que esse pessoal já passou do ponto de retorno… Que é a “batalha da vida” deles, os valentes guerriros; que vão morrer atirando!

    … Mas aí, em vez de contra atacar, se metem a fazer “autocrítica'” em público; “autocritica”…

     

  8. Não vai ser isso que impedirá

    Não vai ser isso que impedirá a vitória de Lula ou de quem o Lula apoiar em 2018. Precisarão vir com tanques e frota ianque para impedir a realização das eleições.

  9. Há semelhanças e diferenças

    Concordo que há semelhanças entre a campanha que está sendo feita contra o Lula no presente e a campanha que foi feita no passado contra GV e JK. Mas são semelhanças superficiais, suficientes para a construção de teorias conspiratórias, mas insuficientes para embasar uma boa análise. Os juízes e os delegados que estão no rastro de Lula não chegaram ao poder por um golpe de estado, muitos foram nomeados pelo próprio PT, e agem dentro dos limites de um estado de direito, onde os réus têm amplo direito à defesa, ao contrário do que acontecia com JK.

    JK foi inocentado da acusação de corrupção, e pessoalmente não acredito que Dilma tenha alguma culpa. Mas dizer que na época de JK não havia roubalheira da grossa é tapar o sol com a peneira, assim como negar que houve roubalheira durante o governo de Lula e Dilma. Esse pico de corrupção é característico do modelo econômico nacional-estatista, que coloca o estado como indutor do desenvolvimente e torna dezenas de empresas dependentes de contratos com o estado, e elas obviamente farão de tudo para obter esses contratos. Independente da culpa ser deste ou daquele, é de todo pertinente questionar a validade de um modelo econômico que acarreta tanta corrupção.

    Eu penso que é hora de abandonar essas tolas teorias conspiratórias e admitir que Lula e o PT erraram feio ao mergulhar na corrupção ao mesmo tempo em que muniam de recursos a Polícia Federal e nomeavam juízes íntegros para o STF. Lula, particularmente, foi traído pela vaidade. Em outros tempos ele se deu ao luxo de debochar do repórter que apontava o óbvio enriquecimento ilícito de seu filho ao afirmar que o rapar era o “Ronaldinho dos negócios”, bem como pôde sem mais delongas, como diz o vulgo, tirar o dele da reta quando estourou o escândalo do mensalão, abandonar seus companheiros e até declarar com todas as letras que eles “não eram gente de sua confiança”, tudo isso sem que fosse execrado por seu partido e por seus companheiros. Agora ele está vendo que deu um passo maior que as pernas.

  10. Não pode ser inocência, Alice virou corrupta mesmo!

    Dizer que o FRACASSADO PT deu cria a corrupção, é ser piegas. A verdade parece ser só uma, entre 1 milhão de brasileiros que estudam ou buscam o poder político, 5% tem o desejo desenfreado de roubar  os outros 95%. Um país que não sofre qualquer ameaça de guerra, mas, que tem os políticos mais caros do planetas, e mesmo assim ganham milhões em extras para impedir seus conterraneos de terem um serviço digno de saúde, segurança  e educação publica de alto nível, Ou vocês acreditam que o FHC, Lula ou a Dilma não sabiam da corrupção que corria solta dentro da Petrobras, BNDS, Mensalão e etc? O que um Presidente da Republica quer ao nomear os juízes do STF em vez de haver concurso nacional? ou ministros que não tem formação universitária alguma em suas pastas? Quem escreveu essa matéria tem sérios problemas em ver as grandes diferenças entre a Ordem e Progresso que havia no período Militar do curso da decandencia em se encontra o Brasil” Defender quem por 8 anos alimentou a corrupção, afundando o país com programas que pregam a saída da miséria, apenas para ganhar votos, mas, esses mesmos beneficiados sofrem com o péssimo serviço de saúde, educação da idade da pedra, esse beneficio não impediu de crescer a marginalização, a segurança publica é uma verdadeira guerra civíl todos os anos. Mas, eles tem proteção especial, saúde de primeira qualidade, a migalha foi dada, a próxima já esta sendo preparada para suportar outros anos de miseria na area escolar, saúde ou segurança publica. Alice viu lucro na corrupção e quer que o povo se EXPLODA! ******** REELEJA E DÊ CRIA A UM LADRÃO”

     

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