Mais do mesmo: falta planejamento, falta água

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Percival José Bariani Junior

Larissa Braga Macias Casares

Como é de conhecimento nacional, o Estado de São Paulo e, em especial, o Município de São Paulo, passa por uma das piores crises de estiagem da história, com reflexos diretos no abastecimento de água, haja vista a redução drástica no nível dos reservatórios. O denominado Sistema Canteira – que abastece 10 municípios da região metropolitana de São Paulo – é que tem ganhado especial relevo na mídia, com seus níveis de reservação reduzindo diariamente, o que tem levado o Governo do Estado de São Paulo, por meio da SABESP, a promover, ainda que não admitido oficialmente, um rodízio no abastecimento de água, de forma que a população vem sofrendo, com frequência, com a falta de água.

Não se pode negar os impactos das atuais condições climáticas no nível dos reservatórios, no entanto, atribuir toda a culpa pelo desabastecimento à estiagem é conclusão simplista e que tangencia o real problema: a falta de um planejamento adequado do setor de saneamento básico, que dificulta e até mesmo inviabiliza a realização dos investimentos necessários para garantir o acesso ao serviço público em momentos de crise.

O planejamento da prestação dos serviços de abastecimento de água é, destaque-se, um dever legal do Poder Público. A Lei Federal no. 11.445/2007, que estabelece as diretrizes nacionais do saneamento básico, dispõe que o titular dos serviços de abastecimento de água deverá elaborar plano de saneamento básico, o qual deve: (i) diagnosticar a situação do serviço público na região prevendo seu impacto nas condições de vida; (ii) conter os objetivos e metas a curto, médio e longo prazo para universalizar o serviço; (iii) contemplar também programas, projetos e ações necessárias para atingir esses objetivos e metas e prever ações para emergências e contingências a partir de mecanismos e procedimentos para a avaliação sistemática da eficiência e eficácia das ações programadas, dentre outras providências.

É a partir, portanto, do plano de saneamento básico que as peculiaridades da prestação dos serviços de água e do esgoto e as reais necessidades de investimentos, com vistas a universalizar os serviços e garantir sua continuidade, inclusive em situações de emergência, devem ser devidamente identificados e, assim, orientarem o desenvolvimento de ações e programas que atendam a esses fins.

Ocorre que, infelizmente, o que se vê no Estado de São Paulo é, exatamente, a ausência de um planejamento adequado. A extrema dependência dos reservatórios e, por consequência, das chuvas não é novidade e, até o momento, não se viu qualquer medida concreta do Estado para viabilizar a utilização de outras tecnologias, como, por exemplo, a dessalinização ou a perfuração de poços tubulares profundos, técnicas que transformam a água marinha em água potável e captam água dos aquíferos subterrâneos, respectivamente. Tais tecnologias, ainda que mais caras, podem e devem ser desenvolvidos de forma paulatina para servirem, ao menos, como contingência no caso de problemas no fornecimento de água por meio do sistema convencional.

Os recursos naturais são escassos e a demanda por água só aumenta, acompanhando o crescimento populacional, de forma que é inconcebível que nos dias de hoje ainda se dependa, tão intensamente, de um fator totalmente incerto quanto o volume anual de chuvas para garantir o acesso à água, bem de primeira necessidade e que preserva a dignidade humana.

Ademais, apesar dos estudos continuadamente desenvolvidos pela SABESP para reduzir as perdas do sistema de abastecimento de água, que no caso do Município de São Paulo chega a patamares superiores a 30%, ou seja, mais de um terço da água produzida perde-se na rede de distribuição antes de chegar ao usuário final, certo é que nenhum resultado efetivo se viu até hoje. Por tratar-se de um problema crônico e muito grave, deveria ser enfrentado com maior seriedade e afinco.

Vale ressaltar que uma solução encontrada por alguns municípios, e que tem se mostrado eficiente, é a concessão do serviço, na qual são estabelecidas metas específicas a serem alcançadas pela concessionária, seja no que concerne aos investimentos para a universalização dos serviços, seja no que diz respeito à redução das perdas, sendo que a eficiência da concessionária em atingir essas metas pode ser fator, inclusive, para balizar sua remuneração.

Os pontos citados acima são as notas preliminares e essenciais para que o setor hídrico, não só paulista, como o do Brasil, inicie uma nova fase por meio do uso consciente da água não só pelos usuários, que pagam a conta, mas também, e principalmente, pelos titulares e prestadores dos serviços, que, infelizmente, são desprovidos de um mínimo de planejamento estratégico de curto, médio e longo prazo.

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

14 Comentários

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  1. Privatiza, vai privatiza

    “Vale ressaltar que uma solução encontrada por alguns municípios, e que tem se mostrado eficiente, é a concessão do serviço, na qual são estabelecidas metas específicas a serem alcançadas pela concessionária, seja no que concerne aos investimentos para a universalização dos serviços, seja no que diz respeito à redução das perdas, sendo que a eficiência da concessionária em atingir essas metas pode ser fator, inclusive, para balizar sua remuneração.”

    Nunca, sob o Governo tucano, a Sabesp estabelecerá metas específicas que demandem investimento. O compromisso da Sabesp é com seus acionistas, quase escrevo aecistas, não é com a população para a qual deveria atender, mas esperar isso de um governo que tem por ideologia a privatização é demais!

  2. o que se pretende realmente…

    fazer com que o consumo médio residencial seja considerado como um desperdício e que, por isto, e com o uso desta  manobra cretina, deva ser reduzido com aplicação de multas

  3. Dessalinização

    Não tem sentido falar em dessalinização da água em São paulo. É muito caro. Numa região desértica tudo bem, mas em São Paulo caem 1300 mm de chuva por ano. É muita água. É a terra da garoa.

    É só construir mais reservatórios, sai muito mais barato e é mais eficiente.

    1. Terra da Garoa?

      Faz muitos anos que São Paulo deixou de ser a terra da garoa. O clima tem mudado de forma brutal, entre outros fatores devido ao aumento do tamanho da cidade.

      É impossível construir reservatórios dentro da cidade, com a densidade demográfica existente, a menos que se fale em piscinões ou coisa do tipo. Mas aí existe o custo do tratamento dessa água para torná-la potável.

      Não digo que não seja factível, mas não é muito mais barato nem mais eficiente.

      1. Ilha de calor.

        São Paulo se transformou numa das maiores ilhas de calor do mundo, desta forma o microclima se altera significativamente, e como as dimensões da cidade são colossais esta alteração atinge regiões afastadas, logo NATURALMENTE era de se esperar esta mudança.

  4. Me desculpem os autores deste

    Me desculpem os autores deste texto, mas a indicação como fontes alternativas de água a  dessalinização, no caso de São Paulo, é uma ENORME BESTEIRA. Seria muito mais barato e sustentável tratar os esgotos da cidade de São Paulo e arredores e utilizar a água da represa Billings.

    Além do custo da dessalinização propriamente dita, ainda teríamos o custo do recalque da água do litoral paulista à cidade de São Paulo.

    Parece que os paulistas acham normal a poluição e olham para outros lados quando na sua frente está a solução. Rios poluídos são recuperáveis, mas acham mais fácil tirar água do aquífero ou do mar do que tratarem os rios, isto é um absurdo.

    1. Governo irresponsavel

      Aeh amigão. Maestro.

      Paulista não acha normal a poluição, só que os governantes ficam nas promessas e não fazem o que prometem, principalmente nas epocas das eleições.

       Não acredito que exista um só paulista que aceite bombar o rio pinheiros, verdadeiro esgoto, para dentro da Billings, enorme caixa de agua ao lado da cidade e tratada como recipiente de esgoto.

      BILLINGS Mar de agua doce ao lado da cidade. Só esta represa não bastaria pra atenuar e muito com o problema da agua na cidade???

      1. Confira os volumes

        O volume do reservatório Billings é de 995 milhões de m³, já o volume de todo o sistema Cantareira 990 milhões de m³, ou seja, dobraria a reserva de São Paulo, e o custo (ou benefício) seria o tratamento do esgoto de São Paulo.

        O problema é que o Alckmin gastou rios de dinheiro no seu sistema de “flotação” (que ninguém mais lembra) mostrando que a sua incopetência já vem de longa data.

        Lembro que o tratamento de esgoto avançou muito nos últimos anos, logo há a possibilidade de tratamentos eficientes nos dias atuais.

        Mais uma coisa é certa, é muito mais barato tratar corretamente os esgotos de São Paulo do que dessalinizar e transportar até a cidade. Chutando (não sou especialista no assunto) acho que tratar o esgoto é da mesma ordem de grandeza do que bombear a água é um desnível de 760m (Potência=49,65MW) (5m³/s, 760m e rendimento 75%), só o custo do recalque em termos de energia seria de 130 milhões por ano, isto para uma vazão de 5m³/s.

        1. }Crime contra a humanidade

          Diante desta realidade se ocorrer a tragedia que se anuncia, os responsaveis terão que responder criminalmente pelas vitimas.

          É muito descaso e irresponsabilidade, inacreditavel.

        2. Exemplo do que deveria ter sido feito

          Cedae será a fornecedora de água de reuso para o Comperj

          Acordo do Estado com a Petrobras representa maior projeto de reuso do mundo

          O Governo do Estado, por intermédio da Cedae, e a Petrobras assinam nesta terça-feira (3/5), às 15h, no Palácio Guanabara, contrato preliminar para fornecimento de água industrial ao Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj). O projeto vai garantir a oferta de 1.500 litros por segundo de água de reuso para as operações futuras do Comperj.

          A água de reuso para o Comperj será produzida a partir do esgoto tratado pela Estação Alegria, no Caju, onde será construída uma “Unidade de Tratamento Terciário”, que produzirá a água industrial para o complexo petroquímico. Hoje a ETE Alegria, no trato secundário, já retira 98% da carga orgânica do esgoto recebido.

          – O modelo consiste em transportar até a refinaria a água tratada na Estação de Alegria por meio de adutora de cerca de 50 quilômetros de extensão, que atravessará a Baía de Guanabara, o que representa um ganho ambiental e uma referência internacional em termos de reaproveitamento de recursos hídricos – destacou o presidente da Cedae, Wagner Victer.

          A cerimônia de assinatura do contrato preliminar para fornecimento de água de reuso ao Comperj contará com a presença do governador Sérgio Cabral, do vice-governador e secretário de Obras Luiz Fernando Pezão, do secretário do Ambiente, Carlos Minc, do diretor de abastecimento da Petrobras, Paulo Roberto Costa, e do presidente da Cedae, Wagner Victer.

          Fonte:

          http://www.rj.gov.br/web/imprensa/exibeconteudo?article-id=443246

    2. “Além do custo da

      “Além do custo da dessalinização propriamente dita, ainda teríamos o custo do recalque da água do litoral paulista à cidade de São Paulo”:

      A gente precisa entrar na fila e comprar ingresso pra ver Sao Paulo pagar o custo de seus recalques?

    3. “Além do custo da

      “Além do custo da dessalinização propriamente dita, ainda teríamos o custo do recalque da água do litoral paulista à cidade de São Paulo”:

      A gente precisa entrar na fila e comprar ingresso pra ver Sao Paulo pagar o custo de seus recalques?

  5. Planejar?
    PLANEJAMENTO PARA QUÊ?

    Quando se fala em planejamento é comum se associar esta atividade com as idéias marxistas, classificando-a imediatamente como “coisa de comunistas”. Mas até hoje foi o planejamento que permitiu a humanidade chegar até aqui, como conjunto de sobreviventes, já que os meios de produção de alimentos, de energia, de medicamentos, de construção de infraestrutura de transporte, suporte e de habitação etc., foram garantidos através de decisões antecipadas de anos e até de décadas no tempo.
    Por exemplo, uma casa leva de três a doze meses para sair do papel, enquanto um edifício de apartamentos pode levar de um a três anos, dependendo do porte e complexidade da construção. No caso da energia, que é a alavanca para todas as demais atividades do desenvolvimento humano, é preciso muito mais antecedência, pois se leva anos para construir uma central de produção de energia elétrica, ou ainda uma unidade de extração e refino de petróleo ou gás.
    Além disso, o planejamento nesse caso se torna estratégico, pois uma falha no atendimento das necessidades, quaisquer que sejam, de um país compromete diretamente o futuro de sua população, podendo levá-la ao caos, com todas as conseqüências desastrosas associadas: perda de perspectiva, fome, sede, paralização econômica, miséria, desemprego, morte e destruição. Nesse sentido o planejamento torna-se vital.
    Mas é preciso entender o que significa planejar, seu sentido positivista, seu andamento otimista que se apoia sobre o “princípio do ótimo”, que nos diz que “não importa o quanto se andou errado até um certo momento, sempre será possível, a partir daí, se encontrar uma maneira de corrigir o caminho e marchar para uma melhor solução”.
    Portanto, planejar é ter a intensão e o desejo de melhorar e isso significa estar sempre revendo os resultados e corrigindo os erros, que são os elementos que direcionam as correções. Isto é, voltar a planejar, acreditando sempre que assim será possível aumentar as possibilidades de nossa sobrevivência.
    Basta apenas lembrar que é assim mesmo que a vida é “nutrida”, pois ela acaba quando se perde a capacidade ou a vontade de planejar, admitindo-se que não há mais nada a fazer para impedir o “caos”.
    Não se trata de “arrogância”, como costumam afirmar os “criacionistas” obcecado e radicais, já que, mesmo estes, quando pensam um pouco e são honestos, admitem que só conseguem permanecer vivos se o fizerem por merecer. E isso só conseguem se praticarem, pelo menos num “mínimo”, o “ato” de planejar e não se “entregarem aos vários caprichos da natureza”. PLANEJAR É ATUAR PARA VIVER.

  6. Sem recuperar as nascentes

    Sem recuperar as nascentes dos rios que abastecem os reservatórios para que mais reservatórios?  Vejam esse projeto já implantado em Extrema, MG, e em pleno funcionamento.  Vi uma excelente reportagem no Globo Rural mas não encontrei o vídeo onde mostra o projeto desenvolvido no estado de Nova Iorque.  Mas o resumo está nesse link http://www.omunicipio.jor.br/Sao-Joao/2014/05/recuperacao-das-areas-de-nascentes-evita-falta-de-agua.html

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