Manifestação na Paulista e os abusos da polícia, por Matê da Luz

Foto: Gabriela Bilo/Futura Press

por Matê da Luz

Por diversos motivos ontem não tinha como ser um dia como outro qualquer: passei o tempo todo colada na TV, enquanto trabalhava, escutando toda argumentação/acusação do processo de impeachment. 

Uma das coisas agradáveis, comentei com minha irmã, foi escutar diversas vezes “senhora presidenta”, refrescando minha memória sobre aquele momento onde a democracia existiu. Pena que, muito antes daquele momento, a história já estava escrita, com final infeliz. Dá um desânimo, sabe? Deve saber…

Daí chega o horário da filha vir embora da escola. Por precaução e cuidado, sempre manda um whatsapp falando ue entrou no ônibus. Ontem não mandou. Estranhei mas, como ela é toda livre, pensei “mãe tem que aprender a desencanar”. Só que não desencanei. Ligação a cobrar no telefone de casa – ela avisa que está descendo do ônibus porque a Paulista está interditada pela manifestação e, então, ela vem andando pra cá. Calculo uma hora, no máximo uma e meia – eram 18h, pra balizar a sensação que foi vivida por aqui. 

Saí às 19h e nada dela. Nadica de nada, mas como eu havia contabilizado alguns minutos a mais, pedi que minha mãe mandasse uma mensagem quando ela chegassse. A mensagem não chegou, já beiravam as 20h. O plim do celular me trouxe alívio, mas desconfiança: era a filha, do celular de um amigo, avisando que decidiu dar uma paradinha na manifestação e, então demoraria mais um pouco. Ok, alívio, mas ainda com sensação esquisita no peito, mãe tem dessas, mãe tem que aprender a desencanar. Tentei, juro que tentei. 

Dali pra frente minha angústia foi aumentando e, então, ela avisou que estava impossível passar pela Paulista, que estavam jogando muitas bombas e que ela estava bem, mas ia demorar mais um tanto. Nada de alívio, só a vontade de receber a mensagem “estou em casa”. Demorou mais um tanto pra chegar – ela e a mensagem. 

O amigo respondeu ao meu questionamento de cadê com um “ela já foi, tia”. Nevos à flor da pele, demora uns 30 do MASP até em casa. Em 30 nenhuma mensagem dela. Ainda não chegou. Quase choro, me apego no santo porque olha, mesmo que mãe tenha que desencanar, a essa altura eu queria mesmo era me materializar na Paulista e procurar minha filha. Inviável, impossível, enfim, reza, minha filha, reza. Só assim pra focar em algo que não seja o “cadê”. 

A tal da mensagem que esperei durante 5 horas finalmente chegou. Minha mãe avisou que ela estava lá, que agora estava bem. O AGORA mexeu comigo. Voei pra casa e entendi que entre nosso primeiro contato e sua chegada em casa, minha filha passou por bomba de gás lacrimogêneo, tombo no meio do tumulto de fuga da polícia descontrolada e humilhação numa batida de mãos na parede que contou, inclusive, com policial homem revistando uma menina que voltava pra casa sem envolvimento algum com atividade suspeita, zobaria porque “ela é novinha, olha só” e obrigação de reconhecimento de superioridade, crendeuspai!, tendo que chamar o oficial de senhor. 

É… aquela democracia, onde a pessoa eleita pelo voto da maioria, deixou de existir faz tempo. Mas dói mais, muito mais, sentir as dores de uma ditadura que já se apresenta por aqui quando ela mexe na alma da gente. Sinto. Não durmo, não como direito, o que faz com que hoje também tenha sido esquisito pra caramba, um dia melancólico, não sei explicar. 

Ela? Está bem, disse que esse tipo de sitação já havia passado pela cabeça dela, polícia não é mais aquela coisa que onde tem tá tudo bem, sabe? E que, na próxima manifestação, ela promete me avisar com mais frequência sobre onde está – e sobre o que aconteceu, por pior que seja, pra não dar asas ao meu criativo coração. 

(RESUMINDO: vai ter luta, sim!) 

Mariana A. Nassif

3 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. E ainda há colunistas que desdenham do uso do termo “golpe”

    Na Folha de hoje, Hélio Schwartsman afirma: “poucos hão de julgar crível um cenário em que o governo Temer revogue garantias fundamentais, censure a imprensa ou suspenda eleições.” Fica a desagradável impressão de que esse cenário em que policiais, oficiais da PM, abusam em público de meninos e meninas “suspeitas” de terem participado de um protesto político, não é considerado por ele um atentado gravíssimo à democracia, que já vem ocorrendo bem antes de qualquer mudança no governo federal, chefiado pelo ex-secretário de (in)segurança que se tornou ministro da (in)justiça.

    Temos denúncias da realização de um “corredor polonês” de policiais contra duas meninas, encurraladas nos fundos estabelecimento comercial, cujo único “crime” foi ter participado de uma manifestação política contra o governador.

    Quanto à censura, já começou: o corte de verbas à mídia alternativa e crítica ao governo é uma decisão que de técnica não tem nada.

    Essa impressão de tapar o sol com a peneira é particularmente desagradável, quando se trata de um colunista que tem feito críticas muito certeiras às iniciativas de censura à imprensa, mesmo disfarçadas com aparato legal.

    O receio de que a repressão se torne ainda mais feroz e descarada só aumenta quando esse grau de cegueira em relação à censura e à repressão política explícita, com abuso da força e de mecanismos de humilhação dos inimigos políticos (que não são tratados como advogados) é revelado por jornalistas que, em várias outras situações, revelam demonstram uma capacidade de crítica bastante aguçada.

     

    Obs.: Gostaria de fazer esse comentário no lugar da própria coluna, mas Folha não permite comentários de quem não é assinante, mesmo que seja assinante do portal que abriga a publicação, o UOL.

     

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador