Nossos pratos dourados primeiro, disseram os juízes

O golpe “com o STF com tudo” arrasou a economia brasileira, comprometendo a arrecadação fiscal. Ciente da precariedade de sua posição, Michel Temer abriu o cofre e comprou apoio parlamentar (liberação de emendas de deputados e senadores), jornalístico (aumento dos gastos com propaganda) e judicial (concessão de aumentos salariais aos juízes) comprometendo ainda mais a situação orçamentária do país.

A riqueza do petróleo foi entregue aos estrangeiros a preço de banana. Os bancos públicos estão sendo sucateados para serem entregues aos banqueiros brasileiros. As estatais de energia que restam estão sendo vendidas por tostões. A água do subsolo não será mais nossa. E o Exército pretende comemorar a recolonização financeira do país com espumantes importadas e caviar russo (tudo obviamente pago pela União).

Michel Temer proibiu o combate ao trabalho escravo. Os juízes liberaram a locação de escravos. A participação dos salários no PIB, que já estava em queda, continuará caindo de maneira consistente. Aqueles que já lucram um pouco e que lucrarão ainda mais com a superexploração dos empregados, subempregados e desempregados que apoiaram um golpe para perder seus direitos sociais, previdenciárias e trabalhistas dirão que a economia deles está crescendo.

Karl Marx diria que o golpe de 2016 revitalizou o “exército industrial de reserva” para incrementar a extração de mais valia. Pessoalmente prefiro chamar os manifestoches de “reserva de jecas manufaturados pela mídia”. Afinal, o capitalismo no Brasil sempre foi e continua sendo uma ficção. Os burgueses brasileiros só louvam o mercado porque querem roubar o Estado com ajuda dos políticos do PMDB, PSDB e DEM e dos juízes.

A fome retornou ao país real, mas as autoridades que vivem na Ilha da Fantasia (refiro-me aos membros do Executivo, Legislativo e, principalmente, do Judiciário) cortaram os programas sociais e usaram seu poder e influência para abastecer ainda mais suas contas-correntes. Eles nunca passaram fome. Em razão dos aumentos salariais e senhoriais que conquistaram nos últimos anos os juízes e desembargadores poderão degustar queijos e vinhos finos na França, Pasteizinhos de Belém em Portugal, embutidos e carnes defumadas na Alemanha e, é claro, presunto Jamón na Espanha.

A manutenção do Museu Nacional custava o equivalente a despesa com um Ministro do STF. O Estado brasileiro, que sempre tem dinheiro para custear os lanchinhos sofisticados dos juízes e para comprar carros oficiais de luxo para Desembargadores e Ministros de Tribunais, não foi capaz de evitar o desastre.  O acervo destruído no incêndio de 02/09/2018 é inestimável. Milhares de peças e documentos consumidos pelo fogo eram originais e únicos e não podem, portanto, ser recuperados. Os juízes, contudo, não estão nenhum pouco preocupados com o que ocorreu. Os salários, penduricalhos e privilégios medievais deles estão garantidos. E se depender deles até mesmo os Tribunais podem ser incendiados pela austeridade neoliberal.

Os filhos famintos dos pobres voltaram a povoar os cruzamentos das principais avenidas das grandes cidades brasileiras. Delicadas e sensíveis quando estão entre amigas, as madames não hesitam em mandar seus motoristas fechar os vidros dos carros blindados que usam para viajar de um castro a outro. As que podem mais enxergam menos pobreza ao se locomover utilizando helicópteros. “Se não têm pãocomam brioches” deve ser uma frase comum nas bocas das esposas dos juízes, parlamentares, generais, procuradores, promotores, etc… que se refestelam com o que há de melhor à custa do Estado.

O peso do Estado, no entanto, eles não querem suportar. Como todos sabem, no Brasil os ricos (e os membros da elite do serviço público) sempre encontram maneiras criativas e criminosas de contornar os impostos. Sonegar não é crime, dizia o cartaz de um manifestante que exigiu a deposição de Dilma Rousseff. Se não era juiz ele certamente tem um desembargador na família ou na algibeira.

“Mezes após a proclamação da República, encontrando-se o Visconde de Taunay com Benjamin Constant, poz-se êste a queixar-se amargamente do regimen por êle próprio implantado.

-Olhe – dizia – eu contava com sincero patriotismo e só tenho encontrado “pratiotismo”. Conhece a palavra?

Taunay fez um sinal significativo. E Benjamin:

-Inventei-o para o meu uso; ha simples transposição de um “r” da segunda silaba para a primeira. “Pratiotismo” é o amor incondicional, acima de tudo, do “prato”, da barriga, do interesse, o sentimento que inutilisa, espesinha e conculca o patriotismo.”  (O Brasil Anedótico, obras completas de Humberto de Campos, livraria José Olympio, Rio de Janeiro, 1936, p. 142/143)

A julgar pelo que está ocorrendo no Brasil, o novo regime trocou o patriotismo pós-moderno globalizado pelo bom e velho pratiotismo retrô. Nossa república nasceu torta e nem mesmo Lula conseguiu desentortá-la. Desolado. Estou desolado. Pior… tenho certeza de que eles, os golpistas de terno e de toga, não deram um golpe para aceitar passivamente o restabelecimento da soberania popular. Em algum momento eles se tornarão ainda mais violentos. Nós também recorreremos à violência ou cuidaremos dos nossos próprios pratos?

 

 

PS: Ilustra o texto uma foto da obra de THOMAS COUTURE – Los Romanos de la Decadencia (Museo de Orsay, 1847. Óleo sobre lienzo, 472 x 772 cm)

 

Fábio de Oliveira Ribeiro

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