O austericídio nativo, por Mino Carta e Rodrigo Martins

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Ao congelar os gastos públicos por 20 anos, Temer condena o Brasil à estagnação, alerta Lindbergh Farias

Wanezza Soares
Lindbergh Farias

Cotado para a presidência do PT, o senador não poupa críticas à política econômica de Dilma

Ao congelar os gastos públicos por 20 anos, incluindo os investimentos em saúde e educação, como prevê a PEC 241, aprovada pela Câmara dos Deputados, o governo Temer destrói a Constituição de 1988, maior legado do peemedebista Ulysses Guimarães, e arrasta o País para um prolongado período de estagnação, avalia o senador petista Lindbergh Farias.

“Em vez de ajuste fiscal, precisamos de um plano de recuperação econômica para o País”, afirmou no programa Jogo de Carta, exibido na noite da quarta-feira 26 pelo site de CartaCapital. Cotado para a disputa pelo comando do PT, o senador alerta para a necessidade de resistir à caçada ao ex-presidente Lula, propõe o resgate de valores perdidos pelo PT no poder e não se furta a criticar a desastrosa política econômica de Dilma Rousseff, que também enveredou pela austeridade.

“Na verdade, o governo Temer está esticando o Plano Levy (ministro de Dilma) por 20 anos”, lamenta Lindbergh.

Jogo de Carta: O senhor é candidato à presidência do PT?

Lindbergh Farias: Meu nome está sendo ventilado, mas tem outros, como Fernando Haddad. Há uma ideia de renovação no PT. Ainda não sou candidato, mas não diria que não serei. Hoje, não é fácil ser presidente do PT, num momento em que estamos enfrentando esse processo de criminalização do partido, da esquerda como um todo, com essa caçada a Lula.

JC: No Congresso, a agenda de desmonte dos direitos sociais e trabalhistas avança com força.

LF: Eles querem acabar com o legado de Lula, de Ulysses Guimarães, estão rasgando a Constituição Cidadã com essa PEC 241, e também o legado de Getúlio Vargas, com os ataques à Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). É um golpe continuado, de classe, conduzido por elites brasileiras que nunca tiveram compromisso com a democracia.

Os objetivos começam a aparecer: restaurar o neoliberalismo, entregar o pré-sal aos estrangeiros. No Brasil, temos uma das maiores taxas de juro do mundo. Na Europa, os juros são negativos. Mario Draghi, presidente do Banco Central Europeu, tem dito que ninguém investiria na economia europeia se a taxa fosse alta, pois o lucro seria maior com títulos da dívida. É o que ocorre no Brasil.

JC: E isso vai produzir quais resultados a curto prazo?

LF: O receituário de Temer vai nos arrastar para uma estagnação de muitos anos. O consumo das famílias representa 63% do PIB. O desemprego está crescendo, as famílias estão endividadas. O que propõe o governo? Uma reforma da Previdência que vai desvincular o salário mínimo das aposentadorias. Medidas como esta vão aprofundar o problema do consumo das famílias.

JC: A Câmara acaba de congelar os gastos sociais por 20 anos.

LF: Isso é o salário indireto do trabalhador. Vão deprimir o consumo. Temos um plano de austeridade pelos próximos 20 anos. As empresas brasileiras estão numa crise violentíssima e é errado achar que a iniciativa privada faz investimento sem o poder público investir.

Não consigo ver por onde vamos retomar o crescimento. Em vez de ajuste fiscal, precisamos de um plano de recuperação econômica. E só tem um caminho para fazer isso: aumentar os investimentos e os gastos sociais.

JC: A equipe econômica de Dilma também não incorreu no mesmo erro?

LF: Claro. Ela acertou ao baixar a taxa de juros, mas a política de desoneração no primeiro mandato foi um erro grosseiro. Podíamos ter feito um plano de investimento público para o País turbinar. Em momento de desaceleração econômica, quando se faz desoneração, o empresário bota o dinheiro no bolso. O erro fatal foi convidar Joaquim Levy para assumir o Ministério da Fazenda. Ele tocou um ajuste draconiano.

JC: Se Dilma não tivesse apostado nesse caminho, o cenário seria outro?

LF: Acho que não teria havido o impeachment. Com o ajuste de Levy, aumentou o desemprego, houve um tarifaço. Dilma perdeu apoio da base popular. O curioso é que os defensores da PEC 241 denunciam a “gastança do governo do PT”. Isso é uma falácia. Na verdade, o governo Temer está esticando o Plano Levy por 20 anos.

Alexandrino

  • A delação de Alexandrino só vale após incriminar Lula (Foto: Giuliano Gomes/Folhapress)

 

JC: Quais foram os maiores erros do PT?

LF: Um erro foi insistir na conciliação com as elites. Havia uma situação econômica especial que o propiciava, com o boom das commodities. Isso não existe mais. Precisamos resgatar em nosso programa a democratização dos meios de comunicação, a proposta dereforma tributária. Não tem como avançar os investimentos em saúde e educação com a tributação regressiva que temos no Brasil.

Não é um bom momento para fazer autocrítica, no meio de uma guerra dessas, mas precisamos estabelecer uma nova forma de atuação na política. Precisamos admitir que muitos companheiros se desviaram, abandonaram seus princípios. O principal erro desse programa de conciliação é que subestimamos a luta de classes. Esses caras nunca quiseram o Lula no poder, não gostam do Bolsa Família, de pobre em avião, de negros na praia ou na universidade.

JC: Temer chega até 2018?

LF: É um governo muito fraco. Muita gente da esquerda acha que Eduardo Cunha não vai falar, mas fala. Ele está preocupado com a mulher e gosta de protagonizar. Se falar, Temer não se segura um dia. A delação da Odebrecht também pode ser bombástica para o governo, envolve todo o seu ministério. No Congresso, há mil especulações.

O julgamento das contas da chapa Dilma-Temer no Tribunal Superior Eleitoral pode levar a uma eleição indireta no próximo ano. Estão falando em Fernando Henrique, em Nelson Jobim. É imprevisível.

JC: O que está por trás do recente entrevero entre o presidente do Senado, Renan Calheiros, e a ministra Cármen Lúcia, do STF?

LF: Como dizia Rui Barbosa, a pior ditadura é a do Judiciário, pois contra ela não se pode recorrer a ninguém. Não podemos separar esse episódio do que está acontecendo no País. O Ministério Público e setores do Judiciário acham que agora são senhores absolutos. O caso da prisão de policiais legislativos envolve senadores, logo o caso deveria ser repassado ao Supremo.

JC: Lula parece ser o alvo prioritário da Lava Jato.

LF: Sim. Ele lidera as pesquisas de intenção de voto sem dizer uma palavra em canto nenhum, apesar de todo o massacre do Jornal Nacional contra ele. Por isso, quero tanto vê-lo falar em um programa eleitoral, dizendo tudo o que os governos petistas fizeram para a população mais pobre e que essa turma pretende desmontar. Esse é o medo deles.

As elites ainda morrem de medo do que significa o Lula. Temos de fazer uma grande campanha para defendê-lo. Eu conheço os processos e não existe uma prova contra ele. Segundo relatos de jornais, os procuradores rejeitaram a delação de um executivo da Odebrecht, Alexandrino Alencar, porque ele não falou nada para incriminar Lula. Só aceitaram após ele citar o ex-presidente.

Jogo de Carta

  • ‘O PT subestimou a luta de classes’, diz Lindbergh a Mino Carta (Foto: Tadeu Amaral)

 

JC: Enquanto isso, os outros alvos não são incomodados…

LF: É uma seletividade impressionante. Ninguém fala mais dos 23 milhões de José Serra, com conta no exterior. Ninguém fala mais das delações contra Aécio Neves. No caso de Aécio, um delator da OAS falou de propina na construção daquele Centro Administrativo (erguido em Belo Horizonte). E se fosse o Lula?

JC: Haverá coragem para prender efetivamente o ex-presidente?

LF: Desse pessoal espero qualquer coisa. São promotores e juízes de classe média alta que vivem em círculos abastados. Uma atitude dessas pode ser aplaudida nesses meios. Investigação tem de ter, mas é possível fazer investigação sem espetáculo. Espero que tenham juízo.

Não vamos aceitar que inabilitem ele. O ex-presidente conquistou uma importante vitória na ONU, que aceitou a denúncia apresentada por seus advogados. Coloca esses procuradores, alguns irresponsáveis, sob a mira da repercussão internacional. Quero muito ver o Lula presidente da República de novo. Ele fez um governo de ampla conciliação nacional, e olha o que fizeram com ele.

JC: Para quando está prevista a troca de comando no PT?

LF: O Congresso deve ocorrer em março e teremos uma reunião do diretório nacional em 9 de dezembro. Nela definiremos o calendário de debate interno. Tem muita gente que quer uma mudança de rumo no PT, aproximar o partido das ruas.

JC: Há o risco de uma grande debandada da legenda?

LF: Acho que não. A criação de novos partidos tem de surgir como um gesto heroico, grandioso. No atual momento, de ataque violentíssimo a Lula e de resultado eleitoral adverso, sair do partido neste momento não é um gesto de coragem.

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

5 Comentários

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  1. Renovação da direção nacional, desafios e guerra aberta.

    Colocar gente nova no diretório nacional, resgatar os núcleos (o que já acontece, espontaneamente, pelo país) e jogar no lixo a política de conciliação com a direita empresarial golpista e entreguista são politicas que devem ser adotadas pelo PT.

    O grande problema é a lerdeza da envelhecida (de idéias) composição do diretório nacional. Sua lerdeza abre espaço até para que o desastroso José Eduardo Martins Cardoso tente colocar as manguinhas de fora e, com apoio da mídia anti-petista, tente “modernizar” o PT com uma absurda “inflexão ao centro” partidário.

    Quanto a 2018, um pacto de não agressão com Ciro Gomes seria de grande valia para enfrentar a máquina de propaganda midiática que estará ao lado do insosso Geraldinho e do “candidato a Duce” Bolsonaro.

    Como acredito que chegaremos ao limite (que pode ser ultrapassado) da guerra civil no ano que vem, espero que a direção paquiderme do PT não tente segurar o ímpeto do povão quando este tiver noção “na carne” do retrocesso a década de 20 do século passado que sua inocente adesão ao pato falsificado provocará.

  2. Finalmente! Finalmente!

    Finalmente! Finalmente! Alguém do PT fala o óbvio. Sobre a Dilma e o ajuste fiscal do seu Levy, sobre a política do “paz e amor” e o ciclo de expansão da economia mundial, sobre a reformulação necessária… só faltou falar sobre duas coisas: 1) ainda no plano da autocrítica, o “centralismo leninista” dos anos noventa, agravado a partir de 2003, que levou à destruição da base social do PT; 2) a imprescindível frente ampla que hoje se impõe hoje.

  3. Bom, pelo menos já sabem da

    Bom, pelo menos já sabem da necessidade de mudar.

    Aí vem o segundo e maior problema: os meios.

    O crescimento do PT se deveu muito à onda redemocratizadora.

    O Partido surfou alí e foi a vanguarda da força de esquerda que existe DESDE SEMPRE aqui e no mundo.

    Toda forma de combate, luta e crítica a privilégios e injustiçãs tem a ver com a esquerda.

    Sendo assim, era simplesmente ridícula a ideia de um partido especial guiado por pessoas extraordinárias. 

    Agora que se misturou aos demais e acabou a “esperança”, resta criar uma nova onda.

    E volta-se na questão: como?

    Como se jogaram no lixo circunstâncias, conjunturas e situações especiais?

     

  4. O austericídio nativo

    Boa entrevista com Lindbherg.

    O que falta ao PT  é justamente a liderança dos mais jovens e sua aguerrida militância. Chega da pasmaceira do Falcão. Deve haver uma volta às origens, às bandeiras do partido, aos movimentos sociais, ao povo.

    Se o Pt esquecer ou pretender avançar fora disso será apenas mais um partido.

    Também não é hora de olhar o passado. Como bem foi dito, no meio de uma guerra não se pode distrair com discussões que tirem o foco da situação.

    Haverá seguramente uma discussão dos caminhos tomados, dos arrivistas oportunistas, dos perdidos pela corrupção e, passada essa fase, uma retomada do caminho histórico.

    Não há outra opção viável.

  5. E em relação à

    E em relação à carta-delação-de-tipicidades-criminosas hoje publicada pelo Renan ao povo de Maceió, nada? O cara confessa profusão de crimes. Cadê o douto janot(a), agora “em suspeição” euniciana…

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