O elitismo de Temer e a ponte para o passado, por Marcio Pochmann

Jornal GGN – Em artigo para a Rede Brasil Atual, o professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas, Marcio Pochmann, aborda os sinais de retrocesso já visíveis nos primeiros momentos do governo do presidente interino Michel Temer. Para o autor, essa composição ministerial de homens brancos de alta renda é comparável à República Velha “da chamada democracia censitária, cujos requisitos definiam a participação de somente homens alfabetizados e com propriedade e renda acima de um limite mínimo”.

“Dessa forma, procurava-se iludir a população com o argumento do despreparo da população e de que o elitismo dos dirigentes políticos permitiria obter o melhor para o País com políticos profissionais, os mais ricos, brancos e alfabetizados. Prevaleceu, assim, o atraso em várias dimensões, com a exclusão do sistema político nacional dos homens pobres, dos analfabetos e das mulheres”.

Abaixo, a íntegra do artigo:

Da Rede Brasil Atual

Governo Temer e o retorno da Nova para a Velha República

Por Marcio Pochmann

Sinais de retrocesso do governo interino de Michel Temer são comparáveis aos esquemas tradicionais da República Velha, em que só os brancos e políticos profissionais tinham voz no poder

Poucos dias após ascender, o início do conjunto do governo Temer rapidamente moldou o retrato legítimo de uma ponte para o passado. Ao mesmo tempo em que saíram de cena os laços da política fundada pela Nova República (1985 – 2016), constituída com o apoio fundamental do PMDB na transição da Ditadura Militar (1964 – 1995) para a universalização do voto, apareceram sinais de retrocesso comparáveis aos esquemas tradicionais da República Velha (1889 – 1930).

A herança inegável do Brasil do século 19 não deixa o imaginário atual da política nesta segunda metade dos anos 2010, quando tomada por governos sem votos, exclusivamente masculinos, ricos e políticos profissionais consagrados em eleições fraudadas. Isso porque até o ano de 1932, por exemplo, o sistema eleitoral da República Velha era o da chamada democracia censitária, cujos requisitos definiam a participação de somente homens alfabetizados e com propriedade e renda acima de um limite mínimo.

Dessa forma, procurava-se iludir a população com o argumento do despreparo da população e de que o elitismo dos dirigentes políticos permitiria obter o melhor para o País com políticos profissionais, os mais ricos, brancos e alfabetizados. Prevaleceu, assim, o atraso em várias dimensões, com a exclusão do sistema político nacional dos homens pobres, dos analfabetos e das mulheres.

O resultado do sistema político elitista da República Velha oriunda do século 19 era participação inferior a 5% da população no processo eleitoral. Somente com homens, brancos, letrados e ricos, a política era algo estranho ao povo, que desconhecida inclusive o que era cidadania e a força de suas decisões.

Do governo Temer iniciado no dia 12 de maio de 2016, o retrato inicial que fica para a posteridade é o de sua formação exclusiva por políticos profissionais carimbados, todos do sexo masculino, brancos, ricos e quase sem votos. Ao excluir qualquer tipo de representação proveniente daqueles que não vivem exclusivamente da política, dos pobres, dos homens não brancos e das mulheres, chega-se ao legítimo governo herdeiro da República Velha.

Ainda é cedo para admitir a similitude da foto do governo atual com o conteúdo do século 19 das políticas públicas a serem adotadas. Mas os sinais iniciais apontam a intenção de finalizar o conjunto marcante das políticas constituídas pelo ciclo político da Nova República, especialmente com a dilapidação do que for possível da Constituição Federal de 1988 e dos avanços democráticos e participativos.

Isso não parece distante, se considerar o viés político ultraconservador e de condução hiperliberal da economia adotado imediatamente pelo governo Temer. Temporário, possivelmente corre o risco de se tornar, mesmo com todo o apoio midiático e, sobretudo, do interesse rentista nacional e especulativo internacional.

Ao se mostrar cada vez mais um governo impopular, cuja resposta à crise do capitalismo brasileiro passa ao largo do tradicional receituário (neo ou hiper) liberal, o retrocesso ganha impulso, para além do que já foi possível identificar nestes primeiros dias do governo Temer. Infelizmente, o aprofundamento da recessão sob o tecido social e o avanço da crise financeira e, na sequência, bancária para o segundo semestre do ano, não poderá ser detido com receituário recuperado do álbum de fotografias do século 19.

A resposta a isso está em gestação acelerada. O segundo semestre de 2016 será vibrante e inesperado.

* Professor do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho, ambos da Universidade Estadual de Campinas.

Redação

5 Comentários

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  1. Importante

    Acredito, hoje, que o que está ocorrendo trará algo de bom para o Brasil; é que ao percebermos quem são de fato esses políticos poderemos entender que o que eles realmente querem é apena o poder pelo poder, não há interesses comuns com os anseios do POVO BRASILEIRO e acredito e espero que o PT e seu quandro tenham entendido que assaltar patrimônio público com a desculpa que era para o partido não o diferirá desses que querem apenas o poder. Façam os projetos sociais evoluirem, elevem o nível do ensino nas escolas públicas, ofereçam um bom ensino profissionalizante,saúde,segurança mas principalmente educação,pois se olharmos a história de qualquer país veremos que só a educação muda e transforma um país.

  2. O voto censitário caiu junto
    O voto censitário caiu junto com a monarquia. Na república velha já tinhamos o voto comum, ainda que restrito apenas à homens maiores de 21 anos e que fossem alfabetizados. Não havia exigência de renda para ser possível votar. Mas a taxa de analfabetismo era enrome. Junte-se a isso, o voto não ser secreto e nem obrigatório e o coronelismo atuar sem grandes constrangimentos, a participação nos pleitos girava em torno de 2,2 %

    http://www.sul21.com.br/jornal/eleicoes-2014-historia-do-voto-no-brasil/

  3. A cara do ministério e a cara do Brasil

    O ministério formado por Temer tem a mesma cara de qualquer diretoria de grande empresa no Brasil: homens de meia idade, brancos, de alta renda, que fizeram altos estudos. Isso acontece porque, em razão da baixa capilaridade social brasileira, indivíduos que não pertençam a esse grupo têm dificuldade em obter os conhecimentos e as ligações que os permitam ascender aos círculos do poder. Isso não vai mudar até que nossa sociedade permita que a aquisição de conhecimentos e ligações seja acessível a um maior número de pessoas, o que, por sua vez, só pode realizar-se de forma gradual, e não por obra e graça de um decreto ou canetada, pois trata-se de um emponderamento econômico, e não político.

    Definir cotas para mulheres e negros em um ministério não passa de uma maquiagem, de uma falsificação, pois as limitações da capilaridade social brasileira não foram superadas e aquelas mulheres e negros não estão lá em razão de sua capacidade, mas porque são mulheres e negros. Eu, pessoalmente, ficaria ofendido se fosse nomeado para um cargo apenas por causa de uma característica inata ao invés de minha capacitação para o referido cargo – quem sabe não foi esse o caso do Joaquim Barbosa?

    Toda maquiagem sai com a água, e nenhuma farsa se sustenta para sempre. Só porque tínhamos até intem um ministério com mulheres e negros não significava que nosso quadro social havia mudado. Mudou a fachada. Se o PT proporcionou de fato uma tremenda ascenção social a milhões e milhões de desfavorecidos, então por que essa multidão não se pronunciou quando do impeachment?

  4. de um governo impregnasdo de

    de um governo impregnasdo de infamias para completar

    o golpe não pode se esperar nada…

    nem a classificação de repredsentantes retrôs da república velha

    eles merecem, de tão retrogados que são e demonstram ser em

    suas atitudes de vilania e incompetencia….

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