O golpe de hoje é pior do que foi em 1964, diz Wanderley Guilherme dos Santos

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
[email protected]

Jornal GGN – Em entrevista a Marco Weissheimer (Sul21), Wanderley Guilherme dos Santos, o cientista político que antecipou a conjuntura que levaria o Brasil à ditadura militar, disse que o impeachment de Dilma Rousseff é um golpe muito pior do aquele de 1964. Isso porque, naquela época, a sociedade estava intimidada e os militares tinham uma agenda minimamente nacionalista. Hoje, o País parece anestesiado a ponto de aceitar o processo em curso no Senado, mesmo com evidências claras de que a ideia é impor um projeto reacionário e antinacionalista.

Segundo Santos, hoje, “(…) os assalariados, de modo geral, com a ameaça de desemprego, estão muito pouco dispostos a participar de manifestações com pautas universais, generalizantes”, como o combate ao impeachment por ser uma afronta à Constituição e à democracia. “Só farão isso por questões específicas. Essa postura obedece a razões materiais compreensíveis”, disse.

Além disso, há a percepção de que “a redefinição programática e de reajustamento reacionário” atrelada à chegada de Michel Temer ao poder “é muito forte e pouco vulnerável a pressões externas. Ele tem algumas instabilidades, como essa briga agora entre Gilmar Mendes e o Ministério Público Federal, mas elas não transbordarão para uma associação com quem está de fora. Assim, acredito que essa aparente apatia não é, na verdade, uma apatia, mas sim uma avaliação bastante pessimista, porém racional.”

Segundo Santos, o impeachment é um jogo que já foi jogado. A derrota está dada. “O que vai acontecer agora, e já começou a acontecer, como tem ocorrido em várias democracias sociais no mundo inteiro, é uma redefinição programática drástica dos contratos de solidariedade social com uma hegemonia desabrigada da lógica do interesse do capital.” O cientista político citou o “desmanche das políticas sociais construídas a partir de 2002 e a instalação de uma forma diferente de ler os votos constitucionais que não são específicos, mas sim declarações de intenções.”

Esse processo em curso é patrocinado por um “bloco reacionário e sólido” que até admite algumas rusgas internas, mas tem em comum o objetivo de expulsar a esquerda do jogo político legal por algum tempo. “O consenso básico deles é: esquerda fora. Esse é o denominador comum que os unifica.”

“Em certo sentido, o golpe atual é pior que o de 64, pois tem um compromisso antinacional e reacionário muito mais violento que o dos militares daquela época. Estes tinham uma seção autoritária, mas comprometida com interesses nacionalistas. Não é o caso agora. Cerca de 90% desse bloco que apoia Temer é profundamente antinacional. Isso não está acontecendo só aqui, vem acontecendo pelo mundo inteiro depois da crise de 2008”, disse Santos.

“Tudo isso que estou dizendo não significa que nós vamos ficar olhando para tudo isso de braços cruzados, sem fazer nada. O que estou fazendo é procurar ver essa conjuntura com um olhar realista, inclusive para não criar expectativas falsas. As lideranças da esquerda não podem ficar levantando expectativas falsas que sabem que não poderão cumprir. Isso é ruim. O que não quer dizer que vamos ficar parados. Nós ficamos parados durante a ditadura? Não e tampouco ficaremos parados agora. Na ditadura, não acreditávamos que, em 48 horas, iríamos derrubar os generais. Nem por isso ficamos parados”, completou.

CONSTRUINDO A TEMPESTADE PERFEITA

Na visão de Wanderley Guilherme dos Santos, a crise que derrubou só corroeu um dos pilares de sustenção de um governo (apoio popular) porque “um trabalho que vem sendo realizado há alguns anos junto ao subconsciente da sociedade para cultivar a impressão de que tudo o que vinha sendo feito desde 2002 era algo paliativo, populista e maligno para comprar o apoio das classes mais desfavorecidas.”

Para ele, “(…) a Lava Jato colheu os frutos desses 13 anos de cultivo de uma subjetividade disposta a aceitar determinadas coisas. E a devastação produzida por isso foi muito grande. A imensa maioria das forças de esquerda não tem nada a ver com o número de pessoas denunciadas e condenadas pela Lava Jato. Há uma discrepância absoluta aí e ninguém está se dando conta disso.”

Segundo Santos, a militância de esquerda foi atingida pelos desdobramentos da Lava Jato e, por isso, não teria ocupado as ruas contra o golpe do impeachment como poderia.

Apesar disso, mesmo que esse seja um dos objetivos dos agentes do golpe, a Lava Jato deve continuar ainda que Dilma não esteja mais no poder. “Pode até ser que eles tenham pensado nisso [acabar com a Lava Jato] em algum momento do processo, mas acho que tomaram gosto pela coisa. É um poder que, agora, o Gilmar Mendes identificou. É um poder tirânico, aparentemente dentro da lei. Eu duvido que isso termine tão cedo.”

LULA PERDE EM 2018 E PODE SER PRESO

Questionado sobre a possibilidade do PT virar o jogo e eleger Lula em 2018, surfando na eventual impopularidade de Temer, Santos respondeu que dificilmente vê a vitória do ex-presidente na próxima eleição. “Eles não deixarão Lula ganhar essa eleição em hipótese alguma. Não sei como vão fazer, mas não deixarão. A esquerda não ganhará a eleição em 2018 de jeito nenhum. O que não quer dizer que a gente não vá mostrar a cara.”

Ainda segundo ele, Lula deverá ser preso pela Lava Jato. Com ajuda da imprensa, a força-tarefa está preparando o terreno para isso. “Estão preparando o ambiente e o farão quando avaliarem que isso provocará apenas alguns protestos impotentes. Há um ano, eles não fariam, pois não daria certo. Eles não estão para brincadeira e vêm trabalhando sistematicamente para “acostumar” a opinião pública com a ideia da prisão de Lula. Eles vêm realizando sucessivas ameaças, às quais reagimos, para ir criando o clima. A ideia é que, ao longo dessas sucessivas ameaças, a nossa reação vá perdendo força na sociedade.”

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

7 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Em 64, os militares pelo

    Em 64, os militares pelo projétil impuseram um projeto ao país. Hoje a turma que chegou lá não precisou nem projétil e muito menos de projeto pro país. O norte é o puro saque, é pilhar o estado e vender barato o que for de valor. 

     

     

  2. Nada justifica a passividade do povo
    Desculpe mas essa desculpa de medo pelo emprego ou necessidade de uma agenda específica de manifestação eu não engulo. Em junho de 2013 o povo foi às ruas aos milhões por quase nada, na verdade NEM 0,20. Foi por lavagem cerebral, foi por ódio de classe, foi por baixeza de caráter e princípios. Nada desculpa o povo e até mesmo as elites, por engolir este golpe vagabundo, sem armas, dado por ladrões e instituições vendidas. Não podia passar algo tão hediondo. NÃO existe desculpa para uma nação aceitar isso.

  3. Hoje está sendo pior se não

    Hoje está sendo pior se não levarmos em consideração o desrespeito sistemático do direito à vida na ditadura, que, inclusive, quase vitimou a Dilma. Se passarmos por cima disso, com a aniquilação de milhares de pessoas, por meio de tortura e combate às guerrilhas, talvez a tragédia de 1964 tenha sido melhor que a de hoje. O ideário antipatriótico pode ser revertido, vidas não podem ser ressuscitadas. Aguardemos os próximos anos…

  4. Esse é o tipo de abordagem e

    Esse é o tipo de abordagem e análise de fundo que convém ler, sobre um processo que se entende a partir da história e da política.

    Todavia, são relativamente raras as visões deste tipo. Abundam as abordagens juridicizantes, em que a sagacidade na percepção de lances táticos, na lógica da dialética de tribunal, quer assumir o papel de grande percepção.

    O campeonato narcísico de adivinhação do próximo lance do teatro de tribunal acrescenta nada à compreensão geral.

     

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador