O (in)desejável fim dos paraísos fiscais

Jornal GGN – Os líderes mundiais estão comprometidos em acabar com os paraísos fiscais. Ou pelo menos é que eles dizem desde a publicação dos Panama Papers. Durante a crise econômica mundial a promessa era a mesma e a evasão de divisas e lavagem de dinheiro de origem criminosa continuou a toda.

Reportagem da BBC analisou as redes de interesse e buscou responder por que é tão difícil acabar com os paraísos fiscais. “Os Estados Unidos e o Reino Unido são os paraísos fiscais mais importantes do mundo. Os maiores bancos e multinacionais usam os paraísos fiscais para empresas fantasmas que fazem parte de um sistema global de evasão. O mesmo vale para as grandes fortunas individuais. Estes atores são obstáculos para uma mudança real”.

Enviado por Henrique O.

Da BBC

Por que é tão difícil acabar com os paraísos fiscais?

Por Marcelo Justo

Em teoria, os líderes das grandes potências do mundo estão de acordo: desde a publicação dos Panama Papers, o presidente americano Barack Obama e os principais governantes da União Europeia se comprometeram em acabar com os paraísos fiscais.

Com tamanha manifestação de vontade política, esses centros de evasão de impostos deveriam estar com os dias contados. No entanto, há sete anos, sob a sombra da crise financeira mundial, estas mesmas nações assumiram um compromisso parecido.

O primeiro-ministro britânico chegou inclusive a anunciar aos quatro ventos o fim da “era dos paraísos fiscais”, mas o vazamento de documentos de um escritório de advocacia panamenho mostrou que isso não ocorreu.

John Christensen, diretor da ONG Tax Justice Network, dedicada ao combate à evasão fiscal, defende que uma complexa rede de interesses impede o cumprimento de fato desta promessa.

“Os Estados Unidos e o Reino Unido são os paraísos fiscais mais importantes do mundo. Os maiores bancos e multinacionais usam os paraísos fiscais para empresas fantasmas que fazem parte de um sistema global de evasão. O mesmo vale para as grandes fortunas individuais. Estes atores são obstáculos para uma mudança real.”

A seguir, analisamos cada um deles em mais detalhes.

1 – As grandes potências

Nos Estados Unidos, o setor financeiro representa 20% das receitas corporativas e cerca de 7,5% do Produto Interno Bruto (PIB), ou mais de US$ 1 bilhão (R$ 3,5 bilhões) anuais. No Reino Unido, o setor responde por 10% a 17% do PIB e tem exercido um papel essencial para evitar uma crise na balança comercial.

Também estão nos Estados Unidos quatro dos mais importantes paraísos fiscais do mundo: os Estados de Delaware, Nevada, Wyoming e Dakota do Sul. Por sua vez, o Reino Unido conta com territórios onde estão alguns dos paraísos fiscais mais famosos, como Bermudas, Ilhas Cayman e as Ilhas Virgens Britânicas.

Depois de 2008, com a crise econômica global, o déficit fiscal gerado pelo resgate financeiro de bancos provocou fortes tensões em meio a uma crescente pressão política e social por mudanças.

Em 2014, os Estados Unidos criaram a Lei de Cumprimento Fiscal para Contas no Exterior para evitar a evasão fiscal por americanos, mas não tocou em seus paraísos fiscais. “Os Estados Unidos perseguem a evasão fiscal de seus cidadãos no exterior, mas a facilita para estrangeiros em seu território”, afirma Christensen.

“Algo parecido ocorre no Reino Unido, cujo modelo econômico se baseia em paraísos fiscais e seus vínculos com o mercado financeiro britânico. Se realmente quisessem, ambos poderiam acabar com os paraísos fiscais amanhã.”

Essa cumplicidade não se limita à “confraria anglo-saxã”. Em novembro de 2014, os chamados “Luxleaks” indicaram que, entre 2002 e 2010, as autoridades de Luxemburgo, um pequeno país na Europa, haviam favorecido várias multinacionais com acordos especiais de impostos em prejuízo de outros Estados europeus.

Muitas das multinacionais da nação europeia, assim como seus funcionários de alto escalão, negaram na época que houvessem cometido irregularidades.

2 – Grandes bancos

Os 28 maiores bancos do mundo têm ativos de US$ 50,3 bilhões, cerca de três vezes o PIB americano, e uma posição dominante no “sistema bancário sombra”, como são chamadas as operações que estão além do alcance dos organismos de regulamentação nacionais e que representam cerca de 30% da atividade financeira global.

No curto prazo, o mundo financeiro se beneficia desse sistema duplo para emprestar ou investir com uma proteção escassa ou nula por meio de depósitos que cubram o risco de inadimplência.

Em 2008, esse mecanismo levou ao colapso da economia mundial quando diferentes peças distribuídas em países desenvolvidos e seus paraísos fiscais se tornaram uma fileira de dominós de dívidas impagáveis.

As coisas não mudaram tanto desde então. Os Panama Papers revelaram que mais de 500 bancos registraram cerca de 15,6 mil empresas fantasmas por meio do escritório de advocacia Mossack Fonseca.

“Os bancos resistem à mudança graças à forte influência que têm nos meios de formação da opinião pública e sobre a porta giratória que liga os setores privado e público, como um diretor de banco que é transformado em ministro e vice-versa”, destaca Christensen. “Uma de seus recados mais eficazes é que, se as regras do jogo de um país mudarem, eles se mudarão para outros.”

3 – Multinacionais

No ano passado, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), organismo internacional integrado por 34 países, propôs que multinacionais divulgassem um balanço de receitas em cada um dos países que operam para ser possível calcular com precisão os impostos devidos.

Em abril, cinco países europeus – Reino Unido, França, Alemanha, Espanha e Itália – se comprometeram com um “intercâmbio automático de informação” bancária, e o ministro de Finanças britânico, George Osborne, sugeriu que fosse criada uma lista negra dos paraísos fiscais.

“Estou trabalhando neste tema desde 1978 e já vi uma infinidade de vezes esse espetáculo, porque os governos querem mostrar que estão fazendo alguma coisa. A verdade é que o intercâmbio de informação anunciado já não está funcionando, ou seja, não é uma nova medida”, avalia Christensen.

“Além disso, é uma medida que tem como ser evitada, porque, para ser eficaz, necessita de um registro público de todas as empresas offshore (constituídas em outros países além do qual a empresa é baseada) que nos indique quem são seus verdadeiros donos, e o Reino Unido se opõe que trusts (fundos de administração de investimentos e propriedades) sejam incluídos neste registro, o que invalida a mudança.”

4 – As grandes fortunas individuais

Ao lado dos atores corporativos, estão as grandes fortunas individuais. Nos paraísos fiscais, estão guardados títulos de propriedade, dinheiro, obras de arte, antiguidades, entre muitas outras coisas. Uma nova variante para as grandes fortunas são os chamados free ports: grandes depósitos que guardam uma riqueza em trânsito livre de impostos.

A nível acadêmico, fala-se das Cadeias Globais de Riqueza para se referir a este movimento de grandes fortunas que operam simultaneamente em diferentes jurisdições. Empresários, atletas, artistas e banqueiros são os protagonistas destas cadeias de felicidade fiscal.

“Diferentemente da reação midiática institucional de bancos e multinacionais, estes atores não costumam fazer ameaças públicas de que levarão estas fortunas para outros lugares se houver uma regulamentação”, diz Christensen. “Em vez disso, fazem doações a partidos políticos e a universidades para proteger seus próprios interesses.”

Redação

4 Comentários

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  1.  
    Os líderes mundiais, muitos

     

    Os líderes mundiais, muitos deles também líderes nos paraísos fiscais, vão acabar com esses paraísos?

  2. O que se parece começar a

    O que se parece começar a assumir é que todo mundo já sabe: dinheiro pode ser usado como um arma mais letal do que as de fogo. Em grande parte dos EUA o porte de armas é legal, apesar de que ferir – de morte ou não – uns aos outros não é. Talvez seja o momento para refinamento de leis e muito mais rigor ao aplicá-las quanto aos danos que o mau uso do dinheiro pode causar individualmente ou na sociedade. Dinheiro é poder, não pode ser usado sem consciência de que há mais gente no mundo além de seu dono.

  3. Post sobre isso

    Escrevi um post dias atras sobre terceirizaçao mas em que tb falo de paraisos fiscais.

    Pq?

    Pq essas agendas tem os mesmos patrocinadores.

    Vejam:

    >>> Ponte para o “Buraco”: a panaceia da flexibilização trabalhista e terceirização desenfreada <<<

     

     ROMULUS_______SEX, 06/05/2016 – 07:03

    Ponte para o “Buraco”: a panaceia da flexibilização trabalhista e terceirização desenfreada

    Comentário ao post “O xadrez do impeachment de Temer-2018 pela lei da ficha limpa”, de Luis Nassif.

     

    – quem ganha com a terceirização desenfreada?

    – ganham trabalhadores, o Estado e a economia como um todo ou apenas os empresários?

    – a terceirização e outras pautas que revelam de forma cabal a captura do Estado pelo “1%” em nível global, em seu próprio detrimento enquanto Estado.

     

    Mesmo não sendo da área trabalhista, sei um mínimo sobre isso.

    A proibição que sobrou foi a da atividade fim. E só!

    Terceirizar atividade fim NAO TRAZ NENHUM GANHO DE EFICIENCIA.

    É apenas fraude à lei para não pagar encargos trabalhistas. LEIA MAIS »

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