O levanta-e-corta entre MP e SABESP na crise da água, por Sergio Reis

O levanta-e-corta entre MP e SABESP na crise da água

O cenário que conjecturamos há alguns meses começa a se delinear. No dia seguinte à reeleição de Alckmin, os Ministérios Públicos Estadual e Federal protocolaram uma Ação Civil Pública solicitando a redução da vazão de saída do Cantareira. Dois dias depois da reeleição de Alckmin, a SABESP, “em atendimento ao MP”, diz que irá realizar a mencionada redução, ainda em prazo a ser definido. Hoje, três dias depois da reeleição de Alckmin, a presidenta da SABESP, Dilma Pena, admite na CPI realizada na Câmara Municipal que falta água, sim, em São Paulo – e vale dizer que ela postergou por duas vezes o depoimento, fazendo-o apenas agora, após o sucesso de Alckmin logo no 1º turno. Não é preciso ser mais claro para explicar a mecânica do estelionato eleitoral promovido pela gestão Alckmin, apoiada pela imprensa e pelas instituições que deveriam fiscalizar o governo.

O compadrio entre MP e SABESP não começou nessa semana, como sabemos. Em Agosto, o parquet chegou a requerer explicações do Governo de São Paulo sobre a gestão da crise hídrica, demandando respostas em 15 dias. Alckmin não respondeu, e não houve repercussões, críticas ou comentários por parte do órgão fiscalizador. Acabou sendo um jogo de cena. O silêncio permaneceu até agora, curiosamente. A SABESP, a partir dessa manifestação mais recente, ainda poderá ser arvorar do argumento de que está apenas cumprindo uma decisão judicial – mais uma mostra de sua inimputabilidade e, em sentido prático, de sua falta de gestão e de capacidade de conduzir o problema da falta de água de uma outra maneira.

Conforme comentei ontem, é provável que as ações mais impopulares só sejam tomadas após o 2º turno, considerando-se o eventual impacto que elas teriam na candidatura de Aécio Neves – algo admitido pelo próprio Alckmin. O problema é que, em um regime de obras de improviso, há maior suscetibilidade a falhas. A SABESP, então, terá de “segurar as pontas” ao máximo até, pelo menos, o final do mês. Para piorar o quadro, “São Pedro” não está sendo generoso, e Outubro, o primeiro mês da tão mencionada estação chuvosa, está com as piores vazões de entrada da história do Cantareira: 3,9 m³/s. Mesmo com todas as reduções de vazão de saída que já ocorreram, as represas estão perdendo, ao dia, 1,7 bilhão de litros de água – 500 milhões a mais do que a “pessimista” previsão de Mauro Arce, Secretário de Recursos Hídricos. Vale dizer, na verdade, que os próprios relatórios da SABESP, historicamente, consideram como chuvoso, efetivamente, apenas o período Dezembro-Março (é apenas aí, em geral, quando os reservatórios têm as suas perdas do resto do ano compensadas).

É curioso notar o verdadeiro curto-circuito de declarações contraditórias e desencontradas por parte dos próprios representantes do governo, bem como o completo desapego da imprensa em, apenas, dar uma estudada nos números que são apresentados. Como pode, a essa altura do campeonato, um superintendente da SABESP nos dizer que ainda há muito da primeira cota do volume morto a ser extraído e que é bastante improvável que a segunda cota venha a ser utilizada? Como pode a SABESP dizer em nota que há, ainda, 60 bilhões de litros de volume morto a serem retirados se o valor correto é 33? Como podem ainda fazer declarações sobre a chuva como se as precipitações previstas para o final deste mês pudessem vir a recuperar o nível dos reservatórios ao ponto de não mais precisarmos da segunda cota?

Alguns colegas do blog, com razão, aventaram a possibilidade de que a crise da água venha a ser utilizada por Aécio Neves contra o governo federal, naquilo que constituiria uma espetacular inversão de papéis e responsabilidades. Com a conivência (e o apoio) da mídia, isso é, realmente, uma possibilidade. Com efeito, o próprio MP deu um jeito, na Ação Civil Pública, de também responsabilizar a ANA pelo colapso do Sistema, e a SABESP deu a inacreditável declaração de que apenas segue as determinações dessa Agência Reguladora quanto às vazões de saída – quem acompanha minimamente o caso sabe que o Comitê Anticrise, formado por esses dois órgãos mais o DAEE, foi desconstituído após a SABESP se recusar a cumprir o acordo que já havia feito com a entidade federal a respeito das reduções de vazão. A tentativa de reescrever a história apenas 20 dias após esse acontecido nos mostra bem a sensação de controle da opinião pública que possui o Governo de São Paulo.

No entanto, é preciso ponderar o seguinte: ainda que, de forma sui generis, Alckmin venha a tentar expor a sua inimputabilidade por meio da transferência de culpa ao governo federal por uma crise que está totalmente em seu domínio, esse procedimento não poderá ser feito com relação a outras represas que estão sob a égide, inteiramente, da SABESP, como é o caso do Alto Tietê. Hoje, ele está com 11%, e nos próximos dias o volume morto das represas Biritiba-Mirim e Jundiaí, forçosamente, terão de ser extraídos. Na verdade,  como cada reservatório está com cerca de 10 cm de cota de água, as bombas já estão sendo utilizadas – eu coloquei fotos ao final do post de ontem que comprovam isso (embora a grande mídia, é claro, não noticie).

Além disso, outras represas também estão secando, e poderão, muito em breve, se tornar um grande problema para o governo recém-reeleito. O Rio Claro, pequeno tanque, está perdendo quase 1% ao dia, e hoje está com 57%; o Alto Cotia, com 34% (mostrei em outro texto que ele já entrou em racionamento, em outra oportunidade, quando chegou a 28%); o Guarapiranga, com 49%. Em parte, a aceleração da redução de seus níveis ocorre por estarem ajudando o Cantareira. Como é improvável que este se recupere, esse auxílio continuará a ocorrer, sobrecarregando esses outros sistemas.

Na eventualidade de o colapso também ocorrer nos outros sistemas, é perfeitamente possível que a gestão tucana, incapaz de formular um discurso que contenha um mínimo civilizado de autocrítica, venha a querer incluir todas no eventual pacote de “transmissão de responsabilidades” para o governo federal. Não seria, também, nenhum conspiracionismo pensar que a grande imprensa, longe de informar, se limitará a reproduzir esses discursos. O que mais lamento, contudo, é que há quem tenha ficado efetivamente feliz com o estelionato eleitoral, apenas porque significou mais uma vitória do PSDB no Estado. E há, também, quem não tenha juízo de assumir suas obrigações constitucionais, os seus encargos legais. O estadismo, esse compromisso com as decisões que se toma e com as virtudes da ação política, deveria não depender de ideologia. Pelo visto, estava enganado.

Redação

21 Comentários

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  1. Vai ser um alivio tremendo

    Vai ser um alivio tremendo -TREMENDO- ver Sao Paulo dizer “Adeus, Brazil”, e desaparecer do mapa aos pouquinhos, aa mingua, por seus proprios atos.

  2. Infelizmente o que se espera

    Infelizmente o que se espera é o MANTRA de sempre:

    A CULPA É DO PT!….A CULPA É DO PT!….A CULPA É DO PT!….A CULPA É DO PT!….A CULPA É DO PT!….A CULPA É DO PT!….A CULPA É DO PT!….A CULPA É DO PT!….A CULPA É DO PT!….A CULPA É DO PT!…. 

    Perdi minhas esperanças disso mudar um dia.

  3. O estelionatário possui a

    O estelionatário possui a fluência oratória capaz de convencer suas vítimas, neste caso específico ainda conseguem apontar seus dedos de vidro para o governo federal invertendo as resposabilidades.

  4. o duro éouvir a moça
    da

    o duro éouvir a moça

    da meteorologia da globo dizer que exatamente no dia 25 dste mes,

    um dia antes da eleição,

    choverá em são paulo e tudo estaria resolvido.

    haja cara de pau.

    haja manipulação!

  5. Explica, mas não justifica.

    Ainda com toda a blindagem da imprensa e manipulação de informações da Sabesp, postergação do depoimento, duvido que haveria mudança no quadro.

    Veja, 60% de preferência é um índice muito elevado para pensar que a crise hidrica o faria desidratar (sem trocadilho) a ponto de levar a disputa para o segundo turno.

    Paulista gosta de tucano e muito mais do Alckmin, mas a campanha do Padilha também foi infeliz, pq sequer se aproximou dos índices históricos do PT no estado.

    1. É realmente muito difícil

      É realmente muito difícil bater o PSDB em São Paulo, e eu concordo bastante com o diagnóstico de que houve equívocos na campanha do PT. Meu ponto, contudo, é que Alckmin fez de tudo para evitar com que tivéssemos um segundo turno nas eleições estaduais. Realmente acredito que, se não tivesse havido tanta blindagem, isso teria ocorrido (em 2010, em um contexto muito menos hostil, faltaram 30 mil votos para que houvesse o segundo turno).

      1. Sim, mas não! (hehehehe)

        Sergio, meu ponto é que não dá para colocar panos quentes.

        O Alckmin tentar evitar o segundo turno é legítimo e (imagino eu) é o que Dilma gostaria, na eleição presidencial! Estranho seria se qualquer candidato não o quisesse!

        Se no pleito anterior eram 30k votos, hoje essa diferença está muito, muito maior. Fosse apenas “hostilidade”, não teria reduzido tanto a base de eleitores do PT em SP (30%).

        Abraço

  6. H2O

    Os caras sao incompetentes mercadistas. A midia encobre isso. O MP se move depois da reeilecao. Tudo isso pode enrolar o cidadao, mas nao produz agua. Muitos podem pensar diferente, mas o PSDB e uma tragedia para o Brasil.

     

  7. Pois e: sai a imprensa que

    Pois e: sai a imprensa que “correu muito” no primeiro tempo pra “proteger a casinha” tucana e entra o MP, mais descansado, no segundo, pra blindar o tucanato.

    E ainda se acham sutis…

    Essa coalizão já mostrou que está disposta a tudo para derrubar o PT. Foi assim no passado do qual eles se vangloriam, e será cada vez pior daqui pra frente.

    Já falaram até de separatismo…

    A civilidade não se defende só com belos discursos, não; estou avisando. O poder legal tem que ser acionado. Eles já passaram do ponto retorno; a coisa pode sair do controle institucional fácil fácil se continuarem fazendo pose de salão ennquanto toam chute na canela. Estou avisando.

  8. E os orgão que deveriam fiscalizar….

    Em são paulo tudo acontece e nada repercute. Aquilo é o verdadeiro curral eleitoral que se reproduz a partir das redaçòes dos jornalões onde todos, sem exceção, são do partido do patrão desde criancinha. Mas como o governo consegue arrebanhar orgãos de fisalização de grandes salas e gravatas pretas que se dizem independentes de tudo e de todos é que é muito estranho. Parece que eles até de divertem da capacidade de esconder sujeiira debaixo do tapete, que já não aguenta mais. Esquece uma pastinha aqui, outra ali, chia e depois esquece, etc.

    Se o pt  fizesse um mal governo o ódio se explicava, mas com um país mudando para muito melhor como vemos, é estranho. Eles também ganharam muito.Não vou entender. 

    O pauista vai morrer de sede, mas abraçadinho no alkimim/psdb/pig. Quem entende…

  9. Por favor não me deprimam

    Depois de eleger Russomano e Tiririca.

    Descobir que sou um burro, por que mesmo sendo sudestino escarecido não votei no aécio. (segundo o sociólogo FHC)

    Reeleger o Geraldinho.

    Encarar que é uma fralde eleitoral a crise da água em SP e que

    ficaremos sem água depois do dia 26 de outubro.

    Estou me sentindo o Felipão das eleições.

    Acho que vou me matar antes que eu morra de cede, raiva ou de vergonha.

     

  10. Por favor não me deprimam

    Depois de eleger Russomano e Tiririca.

    Descobir que sou um burro, por que mesmo sendo sudestino escarecido não votei no aécio. (segundo o sociólogo FHC)

    Reeleger o Geraldinho.

    Encarar que é uma fralde eleitoral a crise da água em SP e que

    ficaremos sem água depois do dia 26 de outubro.

    Estou me sentindo o Felipão das eleições.

    Acho que vou me matar antes que eu morra de cede, raiva ou de vergonha.

     

  11. nao é possivel nos sentirmos impotentes

    como ateu, vou apelar a deus, para não ter esse imenso sentimento de impotência com tamanha irresponsabilidade!

     

  12. Excelente cobertura

    Excelente a coberturade Sérgio Reis da crise da água no estado. Descobri o jornal há pouco tempo, e fico feliz de ver que ainda há jornalistas republicanos. Parabéns, e obrigado.

  13. Estelionato eleitoral?

    Estelionato eleitoral?

    Conta outra.

    Para os eleitores, é melhor passar sede com o PSDB do Alckim do que poder tomar uma ducha despreocupadamente com o PT do Padilha.

    Simples assim. 

    É uma questão de liberdade de escolha.

    Estes eleitores farão racionamento com um grande sorriso no rosto. 

    Lembro de um vizinho eleitor do Collor quando sua poupança foi confiscada. No dia seguinte ele me falou com orgulho: temos que dar nossa contribuição ao país.

    Assim, os eleitores paulistas dirão: temos que dar nossa contribuição para a natureza. 

    Quem deve estar morrendo de rir disso são aqueles que compraram “Sabesp”, embolsaram uns dividendos, realizaram seu lucro e passaram a bola adiante. Apesar de que, quem ficou, tem a certeza que o governo irá recomprá-las a um bom preço antes de uma eventual queda. Afinal, foi para isso que os liberais burgueses criaram o Estado.

    1. Entendo seu ponto, e concordo

      Entendo seu ponto, e concordo em boa medida. Mas acho que há um contingente não negligenciável de cidadãos que sequer tem acesso a conjuntos de informação como esses que busco apresentar, e que portanto nem escolhem objetivamente esse “patriotismo tucano” que você comentou – e que realmente existe. O desafio é chegar até essas pessoas e provocar essa reflexão, às expensas do pensamento único da grande mídia. É aí, na minha opinião, onde está a grande tragédia.

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