Tania Maria de Oliveira
Tânia M. S. Oliveira é advogada, historiadora, pesquisadora e membra da ABJD. Secretaria-executiva adjunta da Secretaria Geral da Presidência da República.
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O Sistema de Justiça e os Órgãos de Controle – o corporativismo como método no CNJ e CNMP, por Tania Maria de Oliveira

O descompasso constitucional que criou poderes sem controle, em uma pretensa legitimidade e autocontenção, se mostra agora um grande erro quando ambos, Judiciário e Ministério Público, se encontram no centro da crise política e institucional do país.

O Sistema de Justiça e os Órgãos de Controle – o corporativismo como método no CNJ e CNMP

por Tania Maria de Oliveira

Criados pela Emenda Constitucional nº 45, a chamada Reforma do Judiciário, o Conselho Nacional de Justiça – CNJ e o Conselho Nacional do Ministério Público – CNMP possuem, dentre outras atribuições, a de suprir a ausência do texto constitucional, com adoção de mecanismos de controle eficaz da atividade administrativa dos vários órgãos jurisdicionais. Ao zelar pela autonomia do Poder Judiciário e do Ministério Público, e pelo cumprimento de seus estatutos legais, podem receber reclamações e representações contra seus membros ou órgãos.

O modelo de autonomia e independência judicial, forjado no âmbito da redemocratização do Brasil, fortaleceu um sistema de justiça intensamente destituído de qualquer mediação política, legitimada para a participação e controle social destas instituições que, de outro lado, ganharam exponencialmente espaço e intensidade de atuação no mesmo período, em virtude da crescente judicialização dos temas políticos, e aumento de demandas decorrentes dos direitos sedimentados no texto constitucional.

O padrão meritocrático de acesso aos cargos públicos, que veio com a Constituição Federal de 1988, determina que, uma vez selecionados por concurso, agentes públicos passam a ser submetidos única e exclusivamente ao controle interno das suas instituições. No caso dos membros e servidores do sistema de justiça, a meritocracia gesta e alimenta o mito da autonomia absoluta do direito em relação à política e à realidade social, segundo o qual o conhecimento técnico é o critério único do ingresso e do exercício do cargo, eliminando-se o debate da condição de classe necessária para acessá-lo. A independência judicial, por seu turno, seria dissociada dos ditames da justiça social e da efetivação dos direitos humanos.

Em linguagem simples e direta corresponde a afirmar que o sistema de justiça é neutro em relação à política e à sociedade, e por isso se autorregula e se autocontrola.

As duas Cortes criadas com a Emenda Constitucional nº 45 (CNJ e CNMP) possuem uma composição que, de pronto, compromete qualquer possibilidade de se falar em controle externo. No CNJ o presidente é o mesmo do Supremo Tribunal Federal e 9 dos 15 integrantes são membros do Judiciário. No CNMP o presidente é o/a Procurador/a Geral da República e mais 7 dos conselheiros são membros do Ministério Público.

Não apenas por isso, mas o fato é que os dois colegiados foram capturados por um corporativismo militante. O descompasso constitucional que criou poderes sem controle, em uma pretensa legitimidade e autocontenção, se mostra agora um grande erro quando ambos, Judiciário e Ministério Público, se encontram no centro da crise política e institucional do país.

Os órgãos criados para verificar o descumprimento de regras por juízes e membros do MP têm se convertido, ao longo de 15 anos de existência, em uma caricatura. Longe de aplicadores equidistantes do direito, evidenciam-se com uma capacidade incompreensível de forjar argumentos que justifiquem o arquivamento de reclamações e representações apresentadas por cidadãos e coletivos sociais, solicitando a investigação de condutas com fortes indícios de desvios, cujos exemplos mais recentes são, no mínimo, escandalosos.

Somente agora, com as divulgações deflagradas pelo portal The Intercept Brasil e seus parceiros de mídia, vêm à tona a quantidade enorme de representações anteriormente ajuizadas, para que os conselhos investigassem as condutas do juiz Sérgio Moro e dos membros do Ministério Público Federal na força-tarefa, durante os 5 anos de operação Lava Jato.  Em larga medida, os reclamos indicavam justamente o que agora aparece nos diálogos, incluindo representação feita em 2017 por parlamentares, sobre os exorbitantes lucros com palestras de Deltan Dallagnol e seus parceiros.

A isenção e o compromisso ético dos conselheiros para decidir de forma autônoma e íntegra, que até aqui são marcados por seu eloquente silêncio, estão novamente sendo postos à prova. A fragilidade dos dois colegiados, exposta nas decisões voltadas ao auto interesse, pode significar seu total ocaso, como por exemplo, na insistência do corregedor do CNMP, Orlando Rochadel, de ignorar, com fundamentos da superficialidade de um ecrã, os fatos que estão publicizados sobre as gravíssimas condutas dos procuradores da força-tarefa da operação Lava Jato, agora para além de conluio com o ex-juiz Sérgio Moro, mas arquitetando lucros financeiros e bolando formas de como ludibriar o sistema. Os indícios são de crimes, não apenas de infrações disciplinares. Os arquivamentos sumários dos pedidos de averiguação formalizados são um deboche.

Sem alimentar a ilusão de que o CNMP abandone seu espírito de corpo como método, impõe-se, contudo, que seus membros compreendam que o que está em jogo no caso dos procuradores da força-tarefa da Lava Jato lhes diz respeito muito mais do que possam supor. Que a mesma parcela da sociedade que porventura possa lhes aplaudir o acobertamento dos desvios de supostos “heróis contra a corrupção”, será a que lhes condenará, como coletivo, à ausência de um mínimo de credibilidade para a história. O desafio, portanto, é que o plenário do CNMP assuma a tarefa de demonstrar que ainda há algo do princípio republicano presente na gênese de sua criação, bem como algum senso de lucidez no espírito de seus membros.

Tania Maria de Oliveira é da Associação Brasileira dos Juristas pela Democracia – ABJD

Tania Maria de Oliveira

Tânia M. S. Oliveira é advogada, historiadora, pesquisadora e membra da ABJD. Secretaria-executiva adjunta da Secretaria Geral da Presidência da República.

9 Comentários

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  1. Ser funcionário público (do povo) é para justos e honestos, vemos elementos indignos e nocivos nas funções públicas (juízes e promotores) que não cumpriram a Constituição/88 devem ser afastados punidos: Anulação das eleições presidenciais de 2018: Lula 100% inocente provado pelos advogados e confirmado por da INTERCEPT, Glenn Greenwald Lula deve ser colocado em liberdade e anulado todos processos indevidos contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (Lula) e os irresponsáveis da (justiça) afastados e punidos com rigor pelo descumprimento da Constituição/88.

  2. A estupidez foi tornar qualquer um em membro de poder…..deveria ser restrito ao STF, o restante deveria ser enquadrado como funcionário público…….
    Mas teve uma utilidade sim….. unificar o salário de todos com a desculpa que é um poder só……

  3. Acho sinceramente que daqui pra frente é uma questão de tempo – e nesse sentido é preciso ser cirúrgico na estratégia e no timing -, para a sociedade impor e o congresso acatar, o controle externo desses poderes.

    E mais: controle externo o mais descentralizado possível.

  4. Quando o judiciário se apresenta como instância política atuante, intervindo politicamente na vontade social, ele perde a blindagem e passa a viver a contenda cotidiana da política. Não há regramento ético na política, existe sim: a ética da política. Esta última é sintese dialética. A falta de profundidade intelectual no judiciário é chocante. Não devemos nos surpreender com o caráter reduzido deste corpo institucional. O abismo institucional que se aproxima é o resultado desta tragédia.

  5. Os armários e arquivos destas instituições, já não tem mais espaço para engavetar as podridões que por séculos tornaram o judiciário conivente de muito malfeito perpetrado contra a nação. Para qualquer um tantinho melhor informado e atento, percebia-se desde o início que o movimento lavajatista não era e nem parecia com uma cruzada moral contra a corrupção. Tivessem uma mínima seriedade e investiriam na operação contra sonegação, pois esta é a mãe da corrupção estatal, já que o dinheiro para pagar corrompidos não pode ser legítimo e legal. Mas ai é que teriam de pegar mesmo os protegidos por décadas de engavetamentos e abafas em operações e aquilo foi à pizza mais uma vez. Aqueles 70% deixados de fora para não melindrar simpatizantes e apoiadores. Preferiram pegar algo mais lucrativo em diversos sentidos, onde melhor cabiam as vestes da hipocrisia e agora ao queimar-se tanta pizza, onde chamuscam pizzaiolos e outros atendentes dos negócios, o que fazer? Agora quando dos rescaldos do incêndio na pizzaria brazuca, começam a rolar pelas sarjetas o chorume fétido de podridões que ali foram engavetadas, parecem que miram que seja melhor continuar a exalar o fel de suas entranhas, pois o preço de autoconsumir-se em culpas e responsabilidades parece ser mais alto que o de continuar no papel de hipócritas que nem a si próprios enganam e continuarem a fazer de conta que fazem um grande trabalho. O discurso frágil, no máximo aceito em reuniões afáveis em tardes de domingos, sobre o futuro a ser herdado por filhos e netos é apenas para adoçar os ouvidos de quem o ouve, pois filhos e netos já estavam por ai, quando malfeitos foram permitidos e encobertos. Por isto é dito que em verdade a justiça dos homens não é cega – é o ego que nos torna cegos. E milenarmente já se sabe a respeito de um cego seguir a outro sem a visão, neste mundo tão cheio de pedras de tropeço.

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