O STF e a maldição do Túnel do Tempo, por Fábio de Oliveira Ribeiro

O STF e a maldição do Túnel do Tempo, por Fábio de Oliveira Ribeiro

A nova campanha publicitária do usurpador Michel Temer, que afirma que o Brasil voltou 20 anos no tempo como se isso fosse algo bom e desejável, desencadeou uma crise em razão de ter sido ridicularizada pela oposição. A oposição, porém, foi generosa. Afinal, aqui mesmo no GGN sustentei que a estrutura sócio-econômica do Brasil após o golpe de 2016 se assemelha muito com a que existia em Roma no século I d.C.

Pensando sobre essa disputa irrelevante – nenhuma campanha publicitária será capaz de reduzir o desemprego e aumentar a felicidade da população marginalizada pelo governo – lembrei-me de uma série de TV que era reprisada à exaustão durante a década de 1970. Refiro-me ao “O Túnel do Tempo”.

Os protagonistas desta série faziam viagens temporais utilizando um sofisticado equipamento experimental. Sempre que caiam em algum lugar eles eram logo capturados pelos acontecimentos e acabavam interferindo inadvertida e involuntariamente no fluxo temporal. A preservação do curso da história, porém, era algo essencial. Assim, Tony e Doug quase sempre eram obrigados a fazer algo para impedir que a sua interferência alterasse o fluxo da História.

A interferência do STF está alterando o curso da história brasileira. A condenação injusta de Lula e sua prisão antes do trânsito em julgado da sentença – criticada à exaustão por diversos penalistas brasileiros e estrangeiros – está sendo legitimada pelo STF com uma finalidade claramente política: impedir que ele concorra à presidência da república.

Gilmar Mendes chegou a dizer à imprensa que a impossibilidade de Lula ser candidato é matemática. É evidente, portanto, que ele pré-julgou o Recurso Extraordinário do réu antes mesmo de recebe-lo do TRF-4. Isso reforça a impressão de que o ex-presidente petista não teve e não terá um julgamento justo e que a aplicação da Lei Penal no caso dele é apenas um meio para um fim e não um fim em si mesmo decorrente do conjunto probatório.

É fato consumado: a prisão de Lula não destruiu sua liderança política. Muito pelo contrário, a popularidade dele apenas aumentou. Todas as pesquisas indicam que os eleitores preferem Lula a qualquer um dos outros candidatos à presidência. Ele ganharia a eleição em qualquer cenário, em alguns ele levaria a faixa presidencial já no primeiro turno. Como na série “O Túnel do Tempo” a interferência desastrada dos agentes temporais – neste caso os Ministros do STF – não será capaz de corrigir o curso da história. No máximo ela irá criar um problema adicional.

Suponhamos que Lula fique fora da eleição e o PT resolva fazer campanha do voto nulo. O que ocorrerá? O novo presidente pode acabar sendo eleito com 50% + 1 de menos da metade dos eleitores inscritos. A legitimidade política dele, portanto, será igual ou menor que a de Michel Temer. O capital político inicial dele será uma rejeição política equivalente a soma dos votos nulos que seriam atribuídos a Lula e os votos do candidato derrotado no segundo turno.

Ao retirar Lula da equação eleitoral o STF está condenando o novo governo a ser tão ou mais instável que o de Dilma Rousseff. Sob a roupagem da Constituição Federal de 1988 nós seremos obrigados a viver na República Velha (1889-1930) e o resultado será o aprofundamento da crise política e econômica até que ocorra um evento cataclísmico semelhante ao golpe de 1930.

Em 1989, portanto, no ano seguinte à promulgação da CF/88 o cientista político Hélio Jaguaribe fez um alerta que vale a pena ser levado em conta neste momento:

“O Brasil, em um só território, sob a égide do mesmo Estado, no âmbito da mesma nação, contém duas sociedades distintas. Uma sociedade moderna, que opera, em condições semelhantes às de um país europeu, uma moderna sociedade industrial, que já é a oitava do Ocidente, mas que absorve cerca de 40% da população, e uma sociedade primitiva, que contém a maioria absoluta do povo brasileiro, vivendo em condições equivalentes, numa paupérrima economia agrária de subsistência ou numa miserável economia marginal urbana, às de um pobre país afro-asiático.

Esse dualismo básico, nas condições de um Estado democrático, gera uma brutal contradição. São os excluídos da modernidade que detêm a absoluta maioria decisória do poder político, elegendo os membros dos Poderes Executivo e Legislativo que regularão o país, inclusive seu setor moderno.

Essa profunda contradição produz dois diferentes tipos de consequências. Por um lado, à medida, estatisticamente rara, que os marginalizados do sistema escolham representantes que atendam as suas imediatas expectativas – não necessariamente correspondentes aos seus verdadeiros interesses -, estes representantes colidem, frontalmente, com o sistema econômico, social e institucionalmente vigente, com importantes efeitos desestabilizadores.

Por outro lado, como tende predominantemente a ocorrer, à medida que os marginalizados escolham representantes que só ficticiamente atendam as suas imediatas expectativas, dá-se origem a uma classe política intransitiva, que não representa nada além dos seus próprios interesses pessoais, de caráter predominantemente patrimonial. No fundamental, a péssima qualidade da classe política brasileira decorre dessa situação.” (Alternativas do Brasil, Hélio Jaguaribe, editora José Olympio, Rio de Janeiro, 1989, p. 65/66)

Os governos Lula e Dilma se esforçaram para reduzir as desigualdades sociais mencionadas por Hélio Jaguaribe. O objetivo político de ambos era o mesmo: fazer com que o Brasil tivesse um só povo. A reação negativa da classe média tradicional à inclusão social da classe baixa – à sua presença nas universidades, nos aviões, nos Shoppings, nos cinemas – criou o caldo tóxico que alimentou as manifestações de rua que levaram ao golpe de 2016.

O aprofundamento da crise econômica desencadeada pelo programa neoliberal de Michel Temer afetou de maneira negativa os interesses da classe média. Mesmo assim ela não foi às ruas para reclamar da gasolina a R$ 5,00 o litro como ocorreu quando a presidenta Dilma Rousseff reajustou a gasolina para R$ 3,20 o litro. O mesmo pode ser dito em relação a outras medidas draconianas adotadas pelo usurpador, como por exemplo o aumento do gás de cozinha e a autorização para os planos de saúde cobrarem franquia dos seus consumidores. A impressão que fica é que o ódio contra os pobres – que se tornaram ainda mais pobres nos últimos dois anos – está inibindo a classe média de ir as ruas para derrubar o usurpador Michel Temer. A esperança de eleger “um dos nossos” em 2018 provavelmente também está ajudando a manter a tigrada nos seus condomínios.

Em geral, podemos dizer que a classe média tradicional está tranquila em razão da percepção de que ela voltou ao seu lugar na hierarquia social mesmo que a situação econômica tenha se deteriorado. A reconstrução do Brasil com duas sociedades distintas (Hélio Jaguaribe) pode ter pacificado a classe média tradicional, mas dificilmente pacificará o país. No fundo é isso que os brasileiros estão dizendo ao demonstrar sua preferência por Lula.  

“O sistema político-partidário está-se aproximando, aceleradamente, dos limites de resistência do Estado. Confrontado com o primitivo canibalismo do sistema partidário, o Estado brasileiro, como já se pode observar, se defronta com um iminente dilema. O dilema da incompatibilidade entre a comparativa modernidade de que se ainda se reveste o Estado e o primitivismo do sistema partidário. Em tais condições, ou se moderniza e se aperfeiçoa, aceleradamente o sistema político-partidário ou o Estado, para se conservar democrático, será rapidamente conduzido a deixar de ser moderno ou, reversamente, para ser moderno, será compelido a deixar de ser democrático.” (Alternativas do Brasil, Hélio Jaguaribe, editora José Olympio, Rio de Janeiro, 1989, p. 67)

Ao interferir no processo político o STF se tornou um partido político. O problema é que ele não está em condições de fazer a reforma política que o país necessita. E se ele fizer algo autoritário, como cassar o registro do PT por exemplo a guerra política não deixará de existir. Ela apenas será levada adiante por outros meios.

Resumindo: se o STF soltar Lula neste momento o Tribunal perderá o que resta de sua credibilidade diante da classe média tradicional e da imprensa que vive explorando e tentando expandir o anti-petismo. Se o manter preso e o impedir de ser candidato a presidente, todo o sistema político/eleitoral brasileiro pós 1988 se tornará obsoleto e/ou potencialmente explosivo. Como ocorria nos capítulos da série “O Túnel do Tempo”, sempre que alguém quer alterar o passado consolidado – refiro-me aqui ao processo de inclusão social levado adiante por Lula – ocorre algo imprevisto que irá prejudicar os envolvidos.

 

Fábio de Oliveira Ribeiro

9 Comentários

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  1. (I)mobilização.

    A parte de “mais da metade” que votaria nulo seria de gente que não se mobiliza pra fazer nada. Por isso o governo seria mais estável. O golpismo soube se mobilizar muito bem. Mas os defensores da democracia, os pobres, os excluídos, os negros, as mulheres, etc, etc, etc… não sabem se mobilizar. Acham que o que vem do judiciário e da elite é incontestavel e precisa ser aceito.

    1. Discordo. Se juntarmos os

      Discordo. Se juntarmos os votos nulos tradicionais (fruto de desinteresse político) aos que seriam obtidos mediante mobilização do PT (em razão da proibição de Lula ser candidato), a estabilidade do novo governo seria menor e não maior como você diz. A legitimidade do novo presidente neste caso se igualaria a de qualquer um dos presidentes da República Velha (instável justamente porque a esmagadora maioria da população não votava e não entrava no Orçamento). 

      1. ELEIÇÕES LIVRES, LULA LIVRE!!!

        Fabio, concordo plenamente, tenho me mobilizado nos ultimos 40 anos de minha vida em defesa de uma sociedade democrática, os Governos Lula e Dilma foram o resultado de uma luta que quem nunca se imobilizou. Após o golpe escancarado de 2016, o sistema politico e juridico, dominado pelos oligopolios financeiros, midiáticos e judiciais,  perdeu a sua credibilidade, anularam meu voto e os de milhões de brasileiros. Passamos uma procuração para Dilma Rousself conferindo-lhe um mandato até 31 de dezembro de 1988. Rasgaram esta procuração sem causa material, retirando-a do poder através de um processo mentiroso. Não respeitaram o resultado do pleito democrático e não estão respeitando este, excluindo Lula da eleição com outro processo farsesco. Esta não vai ser farsa, já é uma farsa. Não devemos participar de FARSA, a melhor DENÙNCIA para o golpe, é anular o voto. Imagine o mundo sabendo que mais de 60.000.000 de brasileiros se mobilizaram e  anularam o voto. Queremos eleição LIVRES com LULA LIVRE.

  2. Pelo que se lê, e também pelo

    Pelo que se lê, e também pelo que é dito por quem é do ramo e atuante no Judiciário, não restam dúvidas: nosso sistema de Justiça está com muitos problemas, os principais: falta de recato, uso político das Leis e de dispositivos constitucionais (inclusive os pétreos), uso do poder judicial como apoiador de um lado da política (um quase partido, como afirma no texto), vazamento de dados e informações de processos com segredo de justiça, promiscuidade com as partes, manifestação fora dos autos antecipando sentenças, invasão das atribuições legislativas do Congresso, confusão entre defender e fiscalizar a aplicação da Constituição atuando como revisor de seus dispositivos, inclusive cláusulas pétreas, Não são poucas as mazelas, sem falar demora para julgar (não tem computador que resolva) e custo do aparelho de justiça. Nesse envolvimento promíscuo da Justiça com o poder econômico, com a mídia, e mesmo países estrangeiros (nesse caso sem passar pelo crivo do Senado), esses com interesses que podem divergir do poder político, seja no Parlamento, seja os eleitos para dirigir o aparelho do Estado, com base no programa aprovado por partidos políticos apoiadores e a população votante que ois elegeu. Esse comportamento da Justiça foi a peça principal que levou ao golpe de 2016, A promiscuidade é tanta, que hoje temos juízes como verdadeiros astros na mídia, sabe-se de cor a composição do STF, melhor do que o de nossa seleção de futebol. O Judiciário  foi e é peça fundamental do golpe, Globo à frente no apoio midiático, fazem o maior estardalhaço quando os golpistas do Judiciário, acusam ou sentenciam um opositor. O empenho é tanto, que já não restam mais dúvidas de que o Judiciário é o comando do golpe, centralizado no Supremo Tribunal Federal. De tudo uma certeza: seja qual for o resultado do embate político, de que sem sombras de dúvidas também se ocupa o STF, que se dá para que a oposição não volte a ocupar a Presidência com Lula. Este preso ou solto, presidente ou não, muitos juízes, pelos erros que veem cometendo.que deslustram ainda mais o Judiciário do país,  estão com o prazo de validade vencido, rasgaram suas togas, estão sem condições de serem vistos como isentos, ainda mais numa normalidade democrática (são amplamente conhecidos por terem lado, não serem isentos). Na sequência deve o país procurar modernizar e simplificar as estruturas do Judiciário, como dão mostras seus membros, no sentido de agilizar e baratear o custo da Justiça no Brasil.

  3. Fábio é um dos que mais


    Fábio é um dos que mais contribuem para o entendimento do que vem acontecendo nesse nosso túnel do tempo.  Entender o que se passa na cabeça do povo continua sendo um enigma. Parece que a maioria das pessoas prejudicas pelo golpe começa a entender que o governo do momento é um lixo. O que vejo como problema é que as pessoas não entendem o jogo do poder, a guerra do poder econômico e financeiro contra a maioria, o uso do aparelho do Estado e das instituições para preservar os priviilégios do 1%, ou seja, não existe consciência política de verdade.

  4. Só um adendo, o voto não será
    Só um adendo, o voto não será tão secreto,

    com a estupidez chamada biometria podesse saber do jeito que o cidadão votou.

  5. a massa de brasileiros aida não caiu na real…

    o golpe serviu para mostrar que a perfeição técnica não depende da perfeição humana…………………..e não há perfeição técnica alguma, como podemos ver na atuação do STF

    mas até certo ponto podemos considerar que o voto também é uma perfeição técnica e cabe somente ao PT, como principal vítima, mostrar que é realmente, porque não votar em peso contra os golpistas, e em todos os níveis. vai ou poderá representar uma aceitação de uma derrota definitiva ou também a aceitação do sacrifício da perfeição humana

    e do próprio PT

    entre sistemas incompatíveis, na política, não há como existir um sem o sacrifício do outro

    ainda mais quando a perfeição técnica não existe

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