O tiro pela culatra do governador, por Raquel Rolnik

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Sugerido por Webster Franklin

Do Yahoo Notícias

A crise da água em São Paulo, a ONU, as eleições e o tiro pela culatra do governador

Por Raquel Rolnik

Preocupado com as repercussões eleitorais, para o seu partido, da grave crise da água em São Paulo e na tentativa de desqualificar qualquer crítica a seu governo em relação ao tema, o governador Geraldo Alckmin enviou uma “dura” carta ao secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, queixando-se das análises e condutas da relatora especial da ONU para o direito à água, Catarina de Albuquerque, que visitou o Brasil em missão oficial no final do ano passado.

Alckmin questiona declarações feitas pela relatora à Folha de S. Paulo, em agosto deste ano, ocasião na qual esteve novamente no país, em visita não oficial, a convite da Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento (Assemae), da Frente Nacional pelo Saneamento Ambiental e de outras instituições, para participar de debates e aulas sobre o tema de sua especialidade – o direito humano à água.

Irritado com as posições da relatora, que questiona a atuação da Sabesp em relação à garantia deste direito para a população de São Paulo, o governador reclama que ela não conversou com a empresa em agosto para ouvir seus argumentos e que incorreu em grave erro ao dizer que as perdas de água em São Paulo são de 40% (e não de 31,2%!, depois corrigido pelo jornal, que reconheceu o erro do jornalista), e ainda afirma que a ONU não pode se manifestar em momentos eleitorais.

Tive a oportunidade de conhecer Catarina de Albuquerque, jurista portuguesa, durante meus dois mandatos como relatora da ONU para o direito à moradia, concluídos em junho deste ano. Neste período pude atestar a seriedade e independência com que Catarina desenvolve seu trabalho. Infelizmente, o governador Geraldo Alckmin demonstra que não conhece o papel de um relator especial, nem o funcionamento do sistema de procedimentos especiais, ao qual as relatorias da ONU estão vinculadas, nem muito menos o “código de conduta” que acusa Catarina Albuquerque de ter violado.

Ao enviar carta ao secretário-geral Ban Ki-moon, Alckmin ignora que a relatora não é funcionária da ONU e que não responde, portanto, ao seu comando central. Os relatores são especialistas eleitos pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU para desenvolver um trabalho com total independência, visitando países e realizando pesquisas temáticas na sua área de atuação. Esse trabalho é então apresentado ao Conselho de Direitos Humanos ou à Assembleia Geral, a partir de relatórios que trazem análises e recomendações.

Além disso, a relação entre o Conselho de Direitos Humanos e os países se dá por meio da representação diplomática dos países junto aos escritórios da ONU em Genebra ou em Nova York. O Estado de São Paulo não é um Estado Membro da ONU. Ao se dirigir diretamente ao órgão, o governador parece também ignorar as atribuições de cada instância de governo em sua relação com a ONU.

Quando da realização de sua visita oficial, em dezembro de 2013, Catarina cumpriu todos os requisitos exigidos: reuniu-se com órgãos governamentais das cidades que visitou, ouviu dirigentes de empresas de abastecimento de água e saneamento, inclusive a Sabesp, visitou municípios em diversos estados e escutou também representantes da sociedade civil. Só depois disso dirigiu-se à imprensa. Quando retornou ao país em agosto, concedeu entrevista à Folha, que queria comentar o seu relatório oficial, já então divulgado publicamente. Evidentemente, como a qualquer membro da imprensa, interessava ao jornalista relacionar o relatório (elaborado antes do colapso da água em São Paulo) à crise, assunto “quente” do momento.

A maior parte do conteúdo da entrevista é uma explicação, em termos mais diretos, do conteúdo de seu relatório oficial. O relatório, aliás, já apontava perigos de desabastecimento de água no país, citando dados da Agência Nacional de Águas (ANA), assim como a inadequação de posturas como a da Sabesp de não fornecer serviços de abastecimento de água e de saneamento em assentamentos informais. De acordo com o marco internacional dos direitos humanos, referência a partir da qual a relatora deve avaliar as situações que analisa, se o abastecimento de água é um direito humano, estamos diante, sim, da uma violação de um direito.

Na entrevista à Folha, Catarina afirma que o governo do Estado viola o direito humano à água ao priorizar a distribuição de recursos entre os acionistas da Sabesp – que tem capital aberto na bolsa de valores – em detrimento dos investimentos necessários à garantia de abastecimento de água para consumo atual e futuro da população. Isso deve ser prioridade em relação aos demais usos da água (industrial, agrícola, turismo), questão que ela também levanta em seu relatório oficial.

Finalmente, exatamente por ser independente, um relator não pode deixar de se manifestar “em função de uma conjuntura eleitoral”, como quer o governador, sob pena de, aí sim, pautar sua postura por cálculos eleitorais e não pelo marco dos direitos humanos, que devem ser cumpridos sempre: antes, durante, depois e – sobretudo – independentemente de eleições.

A tática “shoot the messenger” (mate o mensageiro) é velha conhecida dos relatores independentes: quando um governo não gosta das críticas que ouviu, procura desqualificar quem as formulou.

Infelizmente, para o governador, o tiro saiu pela culatra. Ao tentar desqualificar Catarina, sua atitude apenas chama mais atenção para um tema fundamental no debate público eleitoral deste momento: qual é a responsabilidade do Estado em relação aos direitos humanos dos cidadãos, dos quais o direito à água faz parte? A primazia da lógica de mercado na gestão de empresas que oferecem serviços públicos, como a Sabesp, permite a garantia de direitos? A proposta do não controle do Estado sobre os preços dos serviços públicos em geral – como a que defende o PSDB – pode garantir os direitos da população de acesso a estes serviços?

No debate eleitoral sobre a crise da água, a competência em fazer ou deixar de fazer obras é muito menos relevante do que esta questão de fundo: o papel do Estado na garantia de direitos. Questão que, claramente, também divide as propostas dos candidatos à presidência em campos opostos.

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

17 Comentários

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  1. Cidadão

    Webster,

    Agora se vê que o desgovernador, além de extremamente irresponsável, também é um administrados totalmente ignorante.

    Mente, ao adirmar que a relatora não manteve contato com a Sabesp, desconhece completamente o papel de um relator da ONU, e a cereja do bolo da ignorância cavalar, dirige-se diretamente à ONU, quando a comunicação é feita obrigatoriamente por meio de representação diplomática dos países.  

    São erros tão elementares, que causam enorme surpresa por partirem de um indivíduo que governa o maior Estado do país. Dá a impressão que este cidadão carrega uma séria enfermidade.  

    1. Resta óbvio de que se trata

      Resta óbvio de que se trata de um sociopata.

      Quanto ao artigo, digno de guarda para repodução. Simples, direto e definitivamente esclarecedor.

  2. Do que adianta denunciar

    Do que adianta denunciar agora se ele foi reeleito em primeiro turno, com votação avassaladora, inclusive em Itu, que está sofrendo com a falta d’água desde maio?

    1. Pois é…

      Através do conluio da mídia,o governador de São Paulo,conseguiu enganar o povo paulista e, assim obteve a reeleição. O mal já está feito. Mas urge que esse povo que foi enganado, tome conhecimento das artimanhas! Para que doravante, consiga escolher melhor.Tenho muita dó dos colegas paulistas que há meses denunciavam Alckmin, sobre esse caso da previsível falta de água. Esses eram bem informados e já sofriam com a possibilidade dessa tragédia! Uma lástima!

  3. irmãos no crime

    Em outros tempos e personagens editoriais indignados do estdão folhão globão pediriam o fogo do inferno pela incompetência. Advogados com canetas de aluguel pediriam o impedimento do governador.

    Passa-me na cabeça que nas atuais condições e tempos a responsabilidade é da administração de quase duas décadas do psdb e também dos sócios e cúmplices estadões folhões globões vejões, portanto o silencio é o que melhor convém. 

  4. A ONU não pode se manifestar

    A ONU não pode se manifestar em momentos eleitorais?????????????????

    kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk

    Mas a Veja difundindo mentira pode né??????

    É cada uma dessa jente!

     

     

  5. e a revista fórum divulga

    e a revista fórum divulga audio de uma reunião em que a presidente da sabesp admite o erro de não ter divulgado para a população de SP a gravidade da crise hidrica. afirma que recebeu ordens superiores.. esse audio tá fazendo frisson no facebook.

    1. Dê o link, Rita

      De preferência usando o botao que insere o link como link ativo (o que vem logo depois da setinha para trás). Se nao for feito isso, apenas colado o link no comentário, quando se clica nele ele nao abre a matéria. 

      1. desculpe-me mas eu não

        desculpe-me mas eu não consigo inserir nada no blog. o navegador manda uma mensagem de que a pagina está bloqueada. nem imagem, nem link, nada! no blog antigo era mais facil.

        1. Fale c/ a equipe do blog pelo link de contato

          Mas nesse caso específico nao é mais preciso, a matéria já foi publicada no Blog. E obrigada pela resposta. O link de contato fica bem em baixo das páginas do blog. 

  6. o absurdo de tudo isso é que

    o absurdo de tudo isso é que o povo elege um governador

    para defender o interesse público e o alquimista e os tucanos

    em geral defendem a privatização dos serviços publicos,

    oferecendo a parte do leão, os lucros,

    aos aecionistas inclusive  estrangeiros.entreguistas.

    o lodo  os tragará?

    o aécio promete fazer pior

    se eventualmente ganhar a presidenca.

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