Os brasileiros já sabem o que não querem, por Juan Arias

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Jornal GGN – José Saramago dizia que uma sociedade livre e madura é, muitas vezes, construída “mais com o não do que com o sim”. Juan Arias estendeu a reflexão do nobel de Literatura para os tempos atuais no Brasil: “As pessoas sabem hoje, com maior clareza, o que não aceitam, embora nem sempre saibam o que estão dispostas a aceitar”.
 
A lista de algumas das coisas que os brasileiros não querem e não aceitam para o futuro do país está exposta na coluna do El País:
 
Por Juan Arias
 
 
É possível que, nas próximas eleições, o Brasil ainda não saiba em quem votar, mas saberá em quem não votar
 

É possível que muitos brasileiros, em meio à crise que vivem, ainda não saibam claramente o que desejam para o futuro de seu país, mas, certamente, sabem o que não querem. E essa consciência do que rejeitam já é um início de recuperação.

A advogada Alba de Oliveira Castro definia isso na minha página do Facebook com uma frase expressiva e incisiva: “Estamos exumando os cadáveres escondidos do passado”, escreveu.

Por algum tempo, a sociedade viveu anestesiada, sem saber que nos porões do poder existiam tantos cadáveres escondidos. Desde as primeiras manifestações populares de 2013, o país se conscientizou da necessidade de se libertar do que o impede de sair do atraso para empreender o caminho da modernidade. Ousaria dizer, da normalidade.

As pessoas sabem hoje, com maior clareza, o que não aceitam, embora nem sempre saibam o que estão dispostas a aceitar. Mas, como dizia o Nobel de Literatura português José Saramago, uma sociedade livre e madura é construída, muitas vezes, “mais com o não do que com o sim”. Ele se referia ao não do protesto contra o sim da resignação.

Hoje, o Brasil, em meio à convulsão política e social que o abala, e que é tangível na efervescência das redes sociais, conhece bem um punhado de coisas que não quer.

Não quer, por exemplo, esse vulcão da corrupção em erupção, tanto na classe política (estima-se cerca de 500 políticos envolvidos) quanto no mundo dos negócios. O não à corrupção é quase um hino nacional.

Como consequência, o Brasil não quer hoje nenhuma tentativa de amordaçar os juízes. Certos excessos poderão, às vezes, ser criticados, mas a Operação Lava Jato já é sagrada.

O Brasil não aceita mais a lei eleitoral vigente. Terá que mudar se não quiser que a maioria abandone as urnas.

Ninguém aceita mais os privilégios dos políticos que ferem a sensibilidade até mesmo dos mais distraídos. Ninguém quer um foro privilegiado que permite a uma casta ser julgada pelo Supremo, em vez de passar pelos juízes de primeira instância, como todos os mortais. Hoje, apenas três ou quatro países mantêm esse sistema, e, nos Estados Unidos, quando o ex-presidente Bill Clinton foi levado à justiça, teve que ser julgado por um tribunal de primeira instância. No Brasil, 22.000 pessoas têm foro privilegiado.

A sociedade não aceita que, se para ser porteiro de um edifício seja necessário um mínimo currículo escolar, isso não seja exigido para ser político.

Rejeita que a política, a serviço da sociedade, tenha se tornado um grande negócio para o enriquecimento. Como disse José Mujica, ex-presidente do Uruguai: “Por que um político não pode ganhar como um professor?”

Os brasileiros não admitem que no Congresso possam estar representados mais de 30 partidos, a maioria sem ideologia ou programa próprio. Puros fantasmas.

É possível que, nas próximas eleições, o Brasil ainda não saiba em quem votar, mas saberá em quem não votar. Desta vez, será mais difícil distrair ou comprar eleitores na hora de ir às urnas.

Por algum tempo, a sociedade viveu anestesiada, sem saber que nos porões do poder existiam tantos cadáveres escondidos

Segundo pesquisas, a grande maioria dos brasileiros rejeita tanto Dilma quanto Temer. Mais uma vez, sabem o que não querem, embora talvez não tenham claro os possíveis novos candidatos.

A sociedade, ainda fortemente racista, começa a rejeitar como nunca a violência contra a mulher, a discriminação sexista e as desigualdades sociais. 

Os jovens, mais do que os idosos, estão agora na vanguarda da oposição às velhas formas de política e de exercer o poder.

Ainda estão confusos e revoltados, mas já apontam soluções. Não querem, por exemplo, viver em cidades que os desintegram, desumanas, com guetos, sem espaços para respirar em liberdade, dominadas pela violência.

E todos, grandes e pequenos, rejeitam o ensino sem qualidade, as escolas que políticos e ricos nunca levariam seus filhos, como também a saúde pública, onde para os pobres é mais fácil morrer do que se curar.

Entre as coisas que os brasileiros com certeza querem é uma sociedade mais igualitária, sem tantas castas, com as mesmas oportunidades.

Talvez ainda não seja tudo, mas não é pouco.

Que isso não seja esquecido pelo poder, que até ontem caminhava tranquilo e confiante de que os brasileiros engoliam tudo. Já não.

 

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

8 Comentários

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  1. O que não quero

    Não quero o Juan Arias falando em meu nome.

    Sou brasileiro e não dei procuração ao Juan Arias para dizer o que quero ou não quero.

    Tanto tempo no Brasil e este senhor ainda não conseguiu (ou não quer?) perceber o que ocorre aqui.

    Sugiro que converse com outro correspondente estrangeiro e que consegue descrever melhor o Brasil e os brasileiros: Glenn Greenwald. Quem sabe Arias passe a conhecer melhor o país que adotou.

  2. Eu também estou no grupo do
    Eu também estou no grupo do não. Que a casta de procuradores e juizes não tenham tanto penduricalhos nos seu salários tipo ajuda aluguel, ajuda saúde, ajuda vestuário enfim e outras “ajudas” absurdas.

  3. Perfeito. Só acho que a

    Perfeito. Só acho que a expressão abaixo destoa da mensagem do texto. Numa sociedade madura e que sabe dizer não, as sacralidades só valem na dimensão do privado onde prevalecem os interesses ou pendores estritamente particulares, como é o caso das religiões e seus congêneres. 

    Na esfera pública só deve existir o legal e o ilegal; o legítimo e o ilegítimo; o aceitável e o inaceitável; o interesse e o não interesse público. Inserir heróis, santos, sacralidades devem receber um sonoro NÃO!

    Como consequência, o Brasil não quer hoje nenhuma tentativa de amordaçar os juízes. Certos excessos poderão, às vezes, ser criticados, mas a Operação Lava Jato já é sagrada.

     

  4. Onde está?

    Caramba! Bacana esse Brasil que o espanhol está vendo.Ando por este país de Norte a Sul, por força de trabalho e por lazer, e não o conheço. Será que o Arias mo apresenta? 

  5. Me desculpem a ousadia,

    mas acho que o nobre autor do texto fez e está fazendo leitura totalmente equivocada dos atos e fatos brasileiros. É claro que posso eu estar errado, mas me parece que:

    1) nas próximas eleições “o Brasil” vai eleger os mesmos Prefeitos e Vereadores corruptos, fisiológicos e incompetentes de sempre, com pequenas variações;

    2) desde as primeiras “manifestações populares de 2013” o que fizemos foi desenterrar e dar vida e poder aos mais podres e fétidos cadáveres da nossa política, basta ver, por exemplo, em que se transformou e quem dá as cartas no Congressso Nacional e no Executivo Federal;

    3) “o país se conscientizou da necessidade de se libertar do que o impede de sair do atraso para empreender o caminho da modernidade. Ousaria dizer, da normalidade.”. Modernidade com Temer, José Cerra, Padilha, Mendonça Filho, etc… e futuramente Geraldo Alckmin no poder? Normalidade com a Presidente da República mantida praticamente presa no palácio e sendo “julgada” por bandidos ávidos para assumir o poder pensando em se livrar da cadeia? Confesso que não entendi.

    4) na maioria das vezes o “não à corrupção” não passa de uma grandissíssima hipocrisia. Se alguém resolver investigar os “mais indignados” com a corrupção alheia, pelo menos metade vai parar na cadeia, a começar por alguns integrantes da “sagrada” lava jato, que não cometeram apenas excessos, mas sim crimes, inclusive contra a segurança nacional;

    5) a grande maioria dos brasileiros “não tá nem aí” para o fato de os congressistas e seus mais de trinta partidos não terem ideologia ou programas próprios, pois o próprio povo só tem a idiologia que os oligopólios de mídia querem que tenha;

    6) o “poder” caminha hoje mais tranquilo e confiante do que nunca, pois com imensurável ajuda dos “manifestantes indignados”, conseguiu cola sua pecha de corrupto na esquerda, única força que a ele de alguma forma se contrapunha.    

     

  6. Eita!

    “É possível que, nas próximas eleições, o Brasil ainda não saiba em quem votar, mas saberá em quem não votar.”

    Será mesmo? Isso parece que está mais para torcida do que para avaliação abalizada. Parece mais discurso vazio que entendimento da antropologia dos processos eleitorais.

    De qualquer maneira, esse é o tipo de coisa tão tautológica que sempre será uma profecia auto-cumprida. De qualquer resultado de eleição sempre se poderá dizer que “o povo” não votou em quem não queria. Da mesma maneira como o inverso sempre será verdadeiro. É simplesmente uma questão (tauto)lógica.

    O povo pode não querer ensino sem qualidade, mas vai continuar votando na bancada do ensino privado (que quer mais é que a escola pública se exploda) por outras razões que não têm nada a ver com ensino, porque é exatamente assim que funciona a dinâmica eleitoral, sobretudo em um país midiaticamente imbecilizado.

    Afinal, o povo elegeu o Tiririca porque queria. Elegeu o Jucá porque queria. E elegeu até a Dilma porque queria…

    Que artigo mais idiota esse!…

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