Percival Maricato
Percival Maricato é advogado
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Os princípios do Direito e o impeachment, por Percival Maricato

Os princípios do Direito e o impeachment

por Percival Maricato

O sistema jurídico brasileiro é regido por princípios, muitos deles inseridos na Constituição: da legalidade, razoabilidade, proporcionalidade, da equidade e diversos outros, alguns que cito abaixo.

Os princípios são abstratos ao passo que as normas ditam condutas: o que se pode fazer ou deixar de fazer, o que é admissível na vida em sociedade, quais as punições por infringir determinada norma. Apesar de abstratos, os princípios são considerados hierarquicamente superiores às demais normas no sistema jurídico. Toda lei, toda norma de conduta, toda decisão judicial deve estar coerente com os princípios de direito, ou poderá ser considerada nula, inconstitucional. Não fosse assim, sequer haveria coerência, harmonia, dentro do sistema jurídico, pois poderia haver normas e decisões judiciais contraditórias entre si e com os objetivos últimos do sistema.

Um dos princípios mais relevantes é o da proporcionalidade, também conhecido como  “da justa medida”. Nenhuma lei, norma, conduta, decisão administrativa ou judicial pode afrontar o princípio da proporcionalidade. Em resumo, ele diz que as punições tem que ser proporcionais às infrações. Todos os dias vemos discussões envolvendo condutas e punições, nas mais diversas áreas, a procura da Justiça.

Foi um equívoco os defensores da Presidente Dilma deixarem de lado o uso mais explícito desse e outros princípios de direito, aplicáveis a qualquer infração. As questões levantadas na administração do orçamento, admitindo-se que ocorreram  os tais erros técnicos, são suficientes para invalidar uma eleição nacional, pelo voto direto da população? Depor um presidente eleito?  Quanto representa percentualmente no orçamento os valores envolvidos? Houve intenção de prejudicar (dolo)? Os tais erros foram reparados ou se tentou repará-los? O impeachment não contrária os mais de cem milhões de brasileiros que participaram da eleição, em especial os 54 milhões que votaram na eleita?

Há ainda outros princípios de direito que poderiam ter sido usado pela defesa no caso.

O Princípio da Racionalidade inadmite incongruências, absurdos, desconexão entre norma e punição, ambas sempre aferíveis segundo os objetivos perseguidos pelo sistema jurídico. O Principio da Razoabilidade, muito próximo, exige que todas as condutas sejam pautadas pelo bom senso, inclusive penalidades, que devem ser adequadas.

Um outro que poderia ter sido esgrimido é o Princípio da Proibição do Excesso, que coloca freios nos poderes da República. Em sua atividade, nenhum dos membros desses poderes pode extrapolar limites impostos pela Constituição, não  pode conduzir-se com parcialidade, ou sem adequar condutas aos fins maiores visados, como por exemplo, a consolidação do Estado Democrático de Direito.

No mesmo sentido temos uma teoria, que não deixa de ser um princípio: o do desvio de poder. Melhor explicá-lo através de uma decisão do STF:

“APLICABILIDADE DA TEORIA DO DESVIO DE PODER AO PLANO DAS ATIVIDADES NORMATIVAS DO ESTADO. A teoria do desvio de poder, quando aplicada ao plano das atividades legislativas, permite que se contenham eventuais excessos decorrentes do exercício imoderado e arbitrário da competência institucional outorgada ao Poder Público, pois o Estado não pode, no desempenho de suas atribuições, dar causa à instauração de situações normativas que comprometam e afetem os fins que regem a prática da função de legislar” (STF, ADI 2667/DF-MC, Rel. Ministro CELSO DE MELLO, DJ 12.3.2004”

Os princípios são abstratos e então pode-se dizer que se a Presidente cometeu erros técnicos na administração do orçamento deve ser punida. Mas se isso for para valer, algum governador ou prefeito, os próximos presidentes, poderão ficar no cargo? Por que os anteriores não foram punidos? Aí temos outros princípios que deveria vigorar, um deles é o da isonomia: a lei deve ser igual para todos. E então percebemos o quanto isso fere o principio da proporcionalidade e da razoabilidade. Ficaríamos sem dirigentes.

Percival Maricato

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5 Comentários

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  1. Houve impedimento?

    Hoje, o time do ataque mostra as suas razões para isso.

    Amanhã, especialistas da defesa dirão o contrário.

    E o Juiz?  

    Neste jogo político seria importante, pelo menos a posição do Juiz, mesmo que seja o senado quem deva votar pela sua livre escolha. Os torcedores merecem saber.

  2. Impeachment sem crime é golpe

    O texto do Percival aponta aspectos gravíssimos, como o fim da autonomia entre os poderes da República, com um Golpe de Estado comandado pelo Poder Legislativo (deputados e senadores) contra o Poder Executivo (Presidência).

    É importante ajudar as pessoas a entender essas questões e seus desdobramentos.

    A argumentação do legislativo é intencionalmente difícil e tem por intuito confundir a população. Não há crime que justifique o impeachment. Há uma manipulação grosseira confundindo atraso no pagamento de determinadas contas públicas com operação de crédito (http://goo.gl/B4zsNw e http://goo.gl/Awjfz9).

    Pedalada fiscal é como pagar uma conta de luz alguns dias depois que ela venceu: desde que se pague, não há prejuízo para nenhum dos lados. Todo mundo já fez isso algum dia. Muitos prefeitos, governadores e presidentes já o fizeram. O relator do impeachment no Senado, quando governador de MG, deu pedaladas da ordem 63,3 bilhões, por meio de quase mil decretos (http://goo.gl/lCyxhD) ou seja: mais de 25 vezes a acusação que pesa contra Dilma (2,5 bi).

    Ninguém vai para cadeia porque pagou uma conta de luz em atraso, esperando entrar o dinheiro do salário na conta. Assim como nenhum governante deve perder o mandato por fazer o mesmo, em situação de contenção de gastos.

    É muita irresponsabilidade da população aceitar bovinamente esse absurdo. Assim como é criminoso deputados e senadores darem um Golpe de Estado na população, com graves consequências para os próximos 30 ou 40 anos.

  3. O que está em jogo?

    A regra é clara. Os fatos são inegáveis. O que se discute na verdade é se vamos continuar dando um jeitinho de adaptar a interpretação das regras à situação de fato, ou se vamos conduzir os fatos de acordo com as regras estabelecidas. Então, quem irá vencer o combate: jeitinho x regra? Que vença o que for melhor para a sociedade brasileira.

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