Padilha agiu com a intenção de manipular um processo político em curso, por Luis Felipe Miguel

Padilha agiu com a intenção de manipular um processo político em curso

por Luis Felipe Miguel

A Folha de S. Paulo traz, em seu caderno de variedades, reportagem encimada pelo título: “Dilma diz que José Padilha distorceu fatos em série”. Dentro, o texto aponta – timidamente, mas aponta – algumas das manipulações presentes no seriado (a atribuição de frase emblemática de Jucá a Lula, a cronologia do caso Banestado). O título, no entanto, faz parecer que é só bate-boca, reclamação de político contra críticas. Na verdade, Dilma não “diz que”. Dilma aponta que Padilha distorceu.

A reportagem ouve Padilha, que responde da esperada maneira canalha. Depois de afirmar – que ingênuo – que “estancar a sangria” é uma expressão que não tem dono, podendo ser colocada na boca de qualquer um, ataca, com a agressividade dos que têm a consciência culpada: “Na abertura de cada capítulo está escrito que os fatos estão dramatizados, se a Dilma soubesse ler, não estaríamos com esse problema”. A mesma observação, sem a grosseria contra a presidente legítima, abre a elogiosa resenha do “crítico” Cássio Sterling Carlos, que a fecha louvando a “audácia” de Padilha. “Audácia” de servir aos donos do poder? Curioso uso da palavra.

Há duas questões imbricadas, aqui. Uma é o seriado. Não resta dúvida que Padilha e Netflix buscam reforçar a narrativa maniqueísta da Lava Jato e a criminalização do PT e da esquerda. Com estreia logo antes do início da corrida eleitoral, no momento em que se esperava a prisão arbitrária de Lula, fala para a classe média que começa a balançar em seu apoio ao golpe e também para o público internacional, já que a narrativa do “impeachment” tem cada vez menos força no exterior. Colocar a frase de Jucá na boca de Lula é especialmente grave. “Grande acordo nacional” e “estancar a sangria” têm funcionado como gatilhos para lembrar que o golpe não foi dado para moralizar o Brasil. Para os espectadores de Padilha, o gatilho funcionará com sentido oposto.

Não se trata de “liberdade de expressão” e de “ficcionalização de fatos”. A amplitude para elas (liberdade, ficcionalização) é grande e inclui seus efeitos políticos. Quando o filme de Jonathan Teplitzky mostrou Churchill se inspirando no povo comum no metrô de Londres, com destaque para seu diálogo com um homem negro, sua “licença poética” cumpriu o papel de mascarar o elitismo e o racismo do então primeiro-ministro, bem como de transmitir uma mensagem adulterada do sentido da Segunda Guerra para o governo britânico. É um efeito político. Mas Padilha ultrapassa outras fronteiras. Ele chega à difamação, que é crime tipificado no código penal. Ele distorce a história recente – fatos acima da possibilidade de contestação, como quem falou a frase de Jucá, quando começou o caso Banestado, quem era o advogado de Alberto Yousseff – com a intenção deliberada de manipular um processo político em curso. Ele coonesta o discurso de ódio contra o ex-presidente Lula e se torna cúmplice das agressões cada vez mais violentas que ocorrem contra ele.

A outra questão é a reportagem da Folha. Numa boa coluna, ontem, a ombudsman Paula Cesarino Costa indicou o papel do jornal na difusão das mentiras sobre Marielle Franco. A Folha foi quem repercutiu a postagem da desembargadora. E a matéria da Folha serviu de fonte “fidedigna” para que o site Ceticismo Político, do MBL, iniciasse sua campanha difamatória. A reportagem até indicava o contraditório num de seus parágrafos, mas seu título era: “Magistrada diz que Marielle tinha elo com bandidos”. Como Costa bem lembra, o próprio Manual de redação, cuja nova edição a mesmíssima Folha lançou com festejos recentemente, lembra que “títulos e subtítulos constituem o principal, quando não o único, ponto de contato de muitos leitores com a notícia”. Ao apresentar no título a informação mentirosa, sem contestação e atribuindo-a a uma figura de autoridade (“magistrada”), a Folha deu curso à mentira.

Em texto clássico sobre o processo de produção da notícia, Gaye Tuchman fala das estratégias de “evasão de responsabilidade”. Uma das principais é privilegiar as declarações de fontes; em vez de reportar o mundo, o jornalismo reporta o que alguém fala sobre o mundo. No caso da desembargadora, a Folha se eximiu de apontar que ela mentia. No caso de Dilma, de apontar que ela dizia a verdade. A opção é diferente nos dois casos, mas serve aos mesmos propósitos.

O jornalismo corporativo, Folha à frente, usa o fantasma das “fake news” para se legitimar. A Folha mesma abusa do recurso a agências de “fact checking” para avaliar a veracidade de declarações de políticos. Na hora de desonrar a memória de Marielle Franco ou açular o antipetismo hidrófobo, no entanto, nenhum fato precisa ser checado.

 

Luis Felipe Miguel

14 Comentários

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  1. Se lamber o saco do plim-plim é “audácia”

    qual seria a palavra para “criticar o plim-plim”? Crime de comunistas?

    Brazil 2018 o pais da boçalidade.

  2. Padilha deu tiro no pé como
    Padilha deu tiro no pé como deu todo artista que cedeu ao capital e pisou no seu público alvo. O ostracismo é sua pena, já o vejo patético tal qual Lobão. É uma pena quando artistas com potencial criativo considerável não conseguem controlar o ego.

  3. Padilha, o Goebbels “brazileiro”

    “Ele distorce a história recente – fatos acima da possibilidade de contestação, como quem falou a frase de Jucá, quando começou o caso Banestado, quem era o advogado de Alberto Yousseff – com a intenção deliberada de manipular um processo político em curso. Ele coonesta o discurso de ódio contra o ex-presidente Lula e se torna cúmplice das agressões cada vez mais violentas que ocorrem contra ele.”

     

    *Brazileiro — viralatas, colonizado e americanófilo.

  4. Para quem quiser dar um tempo

    Para quem quiser dar um tempo de Netflix, na Amazon Prime tem a série “The Man In The High Castle”. Além de ser muito boa, também é “baseada em fatos reais” (pelos critérios do José Padilha, claro).

  5. A perda de tempo com lixo cultural

    Não tenho dúvida que o objetivo da série é interferir no debate político eleitoral. Porém, a tentativa será vã, infrutífera. O público que assiste a esse tipo de lixo cultural, geralmente, já está com a cabeça pronta. E, a essa altura, quem ainda não sucumbiu à lavagem cerebral da farsa jato, não será persuadido pela ficção de Padilha. Portanto, acho uma perda de tempo da esquerda ficar discutindo o trabalho de certos crápulas. Ignorar certos personagens e saber guardar o silêncio sobre certas coisas podem ser atitudes revolucionárias.

  6. Alguém esperava que essa

    Alguém esperava que essa firma privada, “Folha”, fizesse algo diferente disso? Alguém desconhece que apito tocam tanto o dono dessa firma quanto seus diretores, empregados e contratados? Ou alguém acha que através de seu mais conhecido produto, o jornal, essa firma fizesse diferente do que faz corporativamente?

    Talvez o negócio para essa firma seja fazer como está fazendo a firma “Abril”: investir em produtos como revistinha de sudoku, palavras-cruzadas, coisa assim.

    (…)

    A propósito a firma “Abril” está mesmo pedindo penico: junte selos de revistinha de sudoku e troque-os por um exemplar de, sei lá, Ti-ti-ti, Marie Claire”, etc… Isso sem falar na propaganda enganosa: no anúncio dessa oferta, entre as revistas oferecidas como brinde, está a revista “Veja”. Mas no formulário para escolher a revista-brinde, não tem essa revista “Veja”. Desonestidades… coisas de Abril, mesmo… Civita se revirando no túmulo.

  7. Padilha garantiu espaço na Grande Mídia + Patrocínio Estatal

    Se tem algo que rende frutos no Brasil é chutar o PT!

    Quantos “artistas” atualmente só existem graças a Lula e ao PT? 

    Alexandre Frota, Lobão, Joice Hasseman, Reinaldo Azevedo, Roger, Jovem Pan, Veja, Isto É… etc.

    O governo atual também não tem vergonha nenhuma em pagar para ser elogiado ou em pagar para atacarem adversários políticos… logo o patrocínio estatal está garantido para Padilha.

    RESULTADO DESSA PALHAÇADA:

    1-Elogios da Veja, Globo, Istoé…

    2-Espaço para divulgar sua série em toda Grande Mídia

    3-Verbas Estatais para seus filmes

    4-Alguma coluna semanal em algum panfleto partidário

    Como artista ele acabou… mas sua aposentadoria está garantida!

  8. O Padilha II já era fascistóide

    No final do seu segundo filme sobre o BOPE, o diretor mostrou uma longa tomada do prédio do Congresso Nacional para sugerir quem eram os novos delinquentes perigosos. É uma simplificação típica do fascismo (comercial). Já estava lá… só não viu quem não quis.

  9. O que tem de gente tirando

    O que tem de gente tirando uma casquinha dessa Operação lava a Jato e sua saga de combate à “corrupsaum” não está no gibi. Premiações, entrevistas em programas de TV, palestras pagas, publicidade, stand-ups, livros, filmes e agora uma série na Netflix. Se computados os ganhos talvez dê maior que o PIB de alguns países africanos. Aí a explicação do porquê ela já está na…..qual fase mesmo? Perdi até a conta. Só sei que passou da meia centena. 

    Falar em “escritores” oportunistas, cujo exemplo maior é aquele repórter da Globo Vladimir Netto, filho da Miriam Leitão, folgo em dizer que o encalhe,da obra “monumental” do mesmo – Lava a Jato, pelo menos aqui em Fortaleza, só é maior que o de viúva pobre.  Em vez de preços, apresentam mensagens do tipo: “Leve um exemplar grátis e ganhe um de graça”. 

    Em suma: virou um grande negócio(sem aspas mesmo). 

    Por fora, as premiações graciosas tipo “Homem do Ano”, “Homem com H”, “Herói do Povo brasileiro” etc e coisa e tal. 

    Falta apenas o realmente condizente com a natureza dessa pantomimia: uma comédia pastelão. 

     

  10. Dedos rijos e sujos
    Interessante lembrar que, às vesperas das eleições de 2010, foi lançado o filme messiânico “Lula, o filho do Brasil”.
    “O Mecanismo”, da Netflix, não passa de mais uma manobra no modus operandi da classe política nacional. Canalha em todos os espectros.

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