Para entender o movimento da PM de Minas Gerais, por Robson Sávio

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Por Robson Sávio

Para entender o movimento da PM de Minas Gerais

Do Jornalistas Livres

Causou espanto e certa preocupação o movimento de policiais, principalmente militares, nos últimos dias, ocupando ruas e ameaçando uma greve. A maior manifestação da categoria ocorreu em Belo Horizonte, na última segunda-feira (20/12), levando cerca de 10 mil policiais às ruas da capital mineira. Em assembleia, os policiais decidiram pelo aquartelamento (da PM e Bombeiros) caso o Projeto de Lei Complementar (PLP 257), que trata da renegociação das dívidas dos Estados não fosse alterado na Câmara Federal.

Os deputados federais que não ouvem as vozes do povo nas ruas, resolveram ouvir os clamores militares que brotaram dessas manifestações e alteraram o projeto original, enviado pelo governo Temer.

No caso de Minas, para além das motivações de ordem trabalhista, há outros elementos de ordem política que devem ser considerados nos protestos policiais.

Iniciemos pelas questões trabalhistas. Todos sabem que juízes, promotores e policiais não têm mandato; não se submetem a mecanismos de controle social e político, nem de prestação de contas à sociedade. Após a Constituição Federal de 1988 (por mais paradoxal que possa parecer – porque a CF/88 não mexeu nos privilégios desses grupos) foi-se consolidando no país uma casta jurídico-policial. Essas categorias conseguiram uma série de benefícios excepcionais à custa da chantagem política, do poder que gradualmente foram conseguindo e da conivência, omissão e parceria com os grupos que têm interesses num sistema policial e de justiça parceiros do stablishment.

Como se sabe, as mulheres policiais militares se aposentam aos 25 anos de serviço; os homens, com 30 anos e a aposentadoria é integral. Trata-se da chamada aposentadoria especial por periculosidade, que está prevista no artigo 40, §4º, da Constituição Federal de 1988. Ou seja, um policial que entrou para a carreira aos 20 anos é aposentado aos 50 anos de idade, com proventos integrais.

Policiais militares são promovidos por tempo de serviço e por merecimento. Nesse sentido, oficiais das polícias militares, que são a elite dessas corporações, conseguem com bastante facilidade, ao longo dos tempos, progredir na carreira, auferindo excelentes salários se comparados à média dos soldos pagos pelo poder executivo.

A PM nos governos tucanos
No caso de Minas, há que se registrar que durante os governos Aécio e Anastasia os segmentos ligados à área da defesa social, e notadamente os militares – que detêm cerca de 70% da folha de pagamento desse setor -, conseguiram uma série de reajustes nos seus salários, acima da média dos demais servidores públicos estaduais. Segundo o jornal Estado de Minas, de 07/06/2011,

…POLICIAIS MILITARES, CIVIS, BOMBEIROS E AGENTES PENITENCIÁRIOS, INCLUSIVE OS DE FUNÇÕES ADMINISTRATIVAS, TERÃO O SALÁRIO DOBRADO EM QUATRO ANOS. A SECRETÁRIA DE ESTADO DE PLANEJAMENTO E GESTÃO, RENATA VILHENA, ANUNCIOU ONTEM O REAJUSTE ESCALONADO VÁLIDO PARA TODO O SISTEMA DE DEFESA SOCIAL DE MINAS. SERÃO 7% EM DEZEMBRO, 10% EM OUTUBRO DE 2012, 13% EM AGOSTO DE 2013, 15% EM JUNHO DE 2014, 12% EM DEZEMBRO DO MESMO ANO E 15% EM ABRIL DE 2015. A SOMA CHEGA A 72%. AO FINAL, COM O REAJUSTE DE CADA ETAPA INCIDINDO SOBRE A OUTRA, O PISO INICIAL DE TODAS AS CATEGORIAS PASSARÁ DE R$ 2.041 PARA R$ 4 MIL.

Apesar de, estranhamente, não estarem disponíveis os proventos de policiais militares no Portal da Transparência do governo de Minas, quando se acessam os dados dos salários dos bombeiros militares pode-se notar que seus proventos, ao contrário do senso comum, são acima da média do funcionalismo do poder executivo. Um soldado, patente mais baixa da PM, por exemplo, chega a se aposentar com salário na média de R$ 6 mil. Um coronel, patente mais alta, tem aposentadoria em torno dos R$ 30 mil, segundo informações obtidas em sites administrados por policiais militares de Minas. Sendo que no Executivo mineiro, cerca de 160 servidores têm vencimentos que variaram de R$ 36.814,64 a R$ 51.450,48 brutos (dados de setembro de 2016). Entre os “agraciados” estão 42 delegados da Polícia Civil, 24 oficiais da Polícia Militar (Jornal Estado de Minas, de 27/11/2016).

Ora, a proposta inicial do governo federal para renegociar as dívidas dos estados previa cortes em vários gastos dos governos subnacionais, incluindo, como sempre, o assalto aos direitos trabalhistas dos servidores públicos. E diminuía (não eliminava) uma série de vantagens dos policiais, principalmente dos militares.

Como se pode notar, os policiais militares estão, num primeiro momento, numa luta corporativa pela preservação de seus soldos e benefícios remuneratórios e previdenciários adquiridos nos últimos anos.

As motivações políticas
Além das motivações de ordem trabalhista, no caso de Minas podemos aventar pelo menos um outro motivo que pode explicar a ação portentosa dos policiais militares na última manifestação pública. Há líderes políticos e da hierarquia das instituições policiais, principalmente policiais na reserva, com forte atuação contra o governador Fernando Pimentel (PT) e com compromissos explícitos em favor de um impeachment do atual chefe do executivo estadual, o que favoreceria os grupos ligados ao ex-governador Aécio Neves (PSDB).

Recentemente, na campanha à prefeitura de Belo Horizonte, um ex-comandante geral da PM de Minas apareceu como cabo eleitoral do candidato tucano João Leite em várias propagandas no rádio e TV. Ademais, é notória a ação política na Assembleia de Minas desenvolvida por um dos principais líderes dos policiais militares, o deputado Sargento Rodrigues (PDT), em favor do governo tucano e, sistematicamente, contra o governo Pimentel. Rodrigues foi um dos principais condutores da histórica greve de policiais militares, em 1997. Desde então, exerce grande liderança em benefício dos militares.

É importante destacar, ainda, que há uma imensa insatisfação dos militares em relação ao parcelamento dos salários, devido a crise financeira do estado de Minas. No último dia 8 de novembro, para citar o clima de tensão nas hostes militares, dezenas de policiais, a maioria reformados, realizaram um protesto no pátio de acesso ao Batalhão de Rondas Táticas Metropolitanas (Rotam), no Centro de Belo Horizonte. Há notícias, nos últimos dias, de pequenas paralisações de policiais civis e militares em vários locais.

Nesse sentido, a manifestação da PM de Minas também não deixa de ser um recado claro ao atual governador do Estado. O discurso dos oposicionistas é que o governo do PT tem destruído as conquistas auferidas pelas categorias ligadas à segurança pública durante a gestão tucana. Como apontamos acima, realmente tais categorias foram muito bem tratadas durante as gestões de Aécio e Anastasia. Mas, certamente, não se trata somente de demanda de ordem trabalhista ou funcional.

* Robson Sávio é doutor em Ciências Sociais; coordenador do Núcleo de Estudos Sociopolíticos da PUC Minas; membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública; do Conselho Estadual de Direitos Humanos e da Comissão da Verdade de MG.

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

17 Comentários

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  1. PARA NÃO SER INJUSTO…

        Acho que cabe uma observação com relação aos reajustes escalonados da PM de Minas Gerais: é preciso descontar as taxas de inflação dos períodos citados, dado que trata-se de reajuste e não de ganho real.

    1. Entao conte nos os salarios

      Entao conte nos os salarios deles presentemente e antes dos “reajustes cronometrados com a inflacao”.  Quer apostar que subiram mais que os do resto da populacao?

    2. (Ozilio, minha pergunta era

      (Ozilio, minha pergunta era tecnica e tinha a ver com comparacoes de dolar-real.  Nao sei se voce eh policial militar -que eh o que ta parecendo- mas a pergunta ainda era estritamente tecnica.)

      1. MOTIVO DA OBSERVAÇÃO

        Ivan, o motivo da observação foi mesmo para corrigir uma possivel incorreção técnica que seria não considerar a inflação do período e passar a impressão de que a PM de Minas Gerais tivesse obtido quase 100% de ganho real no período. Somente questão de precisão, já que acredito na boa-fé de quem escreveu o artigo. Por fim, não sou militar. Sou um petroleiro que mora no ES, mas sou mineiro.

          Feliz Natal e Próspero Ano Novo!

      1. SOMENTE UMA QUESTÃO TÉCNICA

        Evandro, o motivo da observação foi para corrigir uma possivel incorreção técnica, sem fazer juízo de valor ou mesmo comparar com outras categorias.

        Feliz Natal e Próspero Ano Novo!

  2.  
    A PM de Minas teve destaque

     

    A PM de Minas teve destaque no golpe militar de 1964 , com o Cel/PM José Geraldo liderando a tropa mineira a favor do golpe, em sintonia com o então governador Magaslhães Pinto. 

  3. policia

    deve ser boato eu acho; mais auqi se fala em acordo da policia com polinarcotraficante  nacional para não importunar os helicocas e assim a negociação de reajustes fica bem mais facil! será?

     

  4. Tenho que me colocar na posição deles

    Neste caso eu tenho que me colocar na posição deles. Assim como o governo do PT foi favorável para mim, creio que o PSDB também foi favorável para eles. É justo, portanto, que deem apoio ao PSDB, assim como eu apoio o PT.

  5. É a ralé da milicalha que sustenta o golpe

    Prezados leitores,

    Agora fica fácil entender por que o tucano Aécio Cunha, mesmo acusado de ser consumidor e/ou pelo menos sócio ou leniente com quadrilhas de tráfico de entorpecentes JAMAIS foi incomodado por qualquer das forças policiais  e de segurança de MG. O polcial civil (Lucas Arcanjo) que ousou denunciar, com provas, diversas falcatruas e crimes em que o atual senador, e ex-governador de MG, esteve envolvido, foi encontrado morto, em 26 de março deste ano, no apartamento em que morava, na capital mineira. A morte dele até hoje não foi esclarecida. Os jornalistas Marco Aurélio Carone e Geraldo Elísio, que denunciavam irregularidades e crimes envolvendo Aécio Cunha, foram ameaçados. Carone ficou preso por 9 meses, em 2014, para que as denúncias que ele fazia não interferissem na campanha presidencial de Aécio. Geraldo Elísio teve a casa invadida e roubado o material de trabalho, até hoje não devolvido, mesmo depois que uma decisão judicial assim o deteminar (e já passa de 2 anos que tal decisão judicial foi expedida e até jhoje não foi cumprida).

    O famoso helicóptero apreendido com 445 kg de pasta base de cocaína, em Afonso Cláudio, interior do ES, em meados  2013, desapareceu do noticiário. A aeronave é de propriedade da família Perrela. Aécio Cunha é amigo pessoal dessa família e assistia aos jogos do Cruzeiro, sempre na faixa, nas tribunas de honra do Mineirão, ao lado de Zezé Perrela e Alvimar Perrela. As polícias, antes de qualquer perícia ou investigação, inocentaram a família proprietária da aeronave e a liberaram. Nenhum dos proprietários foi investigado. A grande mídia comercial, comparsa, cúmplice, sempre amiga,e criminosa, abafou o caso, que desapareceu do noticiário. Há suspeitas de que os aeroportos privados em terras de Aécio ou família, construídos com dinheiro dinheiro público, eram/são usados para pouso e decolagem de aeronaves que tranportavam/am entorpecentes.

    Em SP,  Fernando Capez, que foi procurador do MP-SP e hoje preside a ALESP foi acusado de liderar a Máfia da Merenda. Como ele preside a ALESP, a CPI que deveria investigar e apurar o caso, acabou em pizza. Capez é unha e carne com o governador Geraldo Alckmin. No Paraná, o governo tucano se valia de uma organização criminosa enquistada na receita estadual, para conseguir dinheiro para finaciamento de campanha e para fins pessoais (a isso se dá o nome de crime de corrupção, não é?). Nesse mesmo estado a PM espanca professores, estudantes e movimentos sociais, joga spray de pimenta e bombas de gás lacriimogêneo e efeito moral, além de lançar a cavalaria contra os manifestantes.

    No Rio Grande do Sul, assim como no PR e em SP, a PM é usada para reprimir movimentos sociais, estudantis e de professores e servidores civis do estado. A mesma receita de violência é usada pelo governo de GO, chefiado pelo tucano Marcone Perillo.

    Por tudo que relatei, percebe-se que o braço armado do Estado que está sendo usado na repressão e na consolidação do golpe de Estado é o das PMs, que no Brasil constituem uma força auxiliar do Exército. Basta juntar os pontos, sabendo quem são Alexandre de Mares, ocupante da cadeira de ministro da justiça, e Sérgio Etchegoyen, chefe do recriado SNI, para perceber que toda essa ação violenta é orquestrada, concertada. Em MG há essa disfunção (embate entre governo e forças policiais) poque o governo popular eleito em 2014 não é alinhado com a ação das polícias, cultivada e cevada durante as gestões tucanas. Há muito mais do que apenas questões salariais, de carreira ou corporativas envolvido nessa contenda entre o executivo estadual mineiro e as forças policiais do estado. Já está mais do que evidente que, por meio dessas polícias, Aécio e sua turma querem dar golpe também em MG, enfraquecendo e mesmo destituindo o governador Fernando Pimentel. Observem que a PF, assim como o MP e Judiciário já foram acionados por Aécio, visando enfraquecer e desestabilizar o governo mineiro e incriminar o governador, com objetivo claro de cassar-lhe o mandato ou, no mínimo, inviabilizá-lo para a disputa de um segundo mandato, em 2018.

     

  6. Reajuste da Polícia
    Muitos comentários com relação ao salário da Polícia, alguns até reclamando, pois eles por vezes recebem valores maiores que os da maioria dos servidores públicos, mas eu pergunto.
    Algum trabalhador faz juramento de mesmo com a própria vida servir a pátria e a população? Algum profissional trabalha sem receber hora extra? Sem ter hora para sair do serviço, e por vezes trabalhando após o término do serviço por mais de 12 horas? Qual profissional deve atuar mesmo que de folga, quando é solicitado? Qual profissional,passa Natal, Ano Novo, feriado, dia e também noite trabalhando, sem nem saber se volta no dia seguinte? Qual profissional tem maior índice de suicídio, de doenças piscicologicas e problemas de coluna?
    Eu desconheço outras profissões que enfrentaram tudo isso de uma vez. Dessa forma, nada mais justo que sejam valorizados.

    1. Essa é a teoria

      Cara Priscila,

      Vá até a periferia de qualquer grande cidade brasileira (BH, Rio, São Paulo, Fortaleza, Recife, POA, etc) e pergunte a  moradores dessas regiões como age a PM. Pergunte aos moradores das vilas e favelas se os PMs são esses heróis que você descreveu.

      Os que criticam a PM não disseram que os policiais que cumpram o dever não sejam valorizados. Você é que está tentando distorcer a realidade, com esses argumentos teóricos. 

      Nenhum país avançado e realmente democrático possui uma polícia militarizada como a brasileira, que vê a população como inimigo interno. Leia meu comentário para ver se entende um pouco da lógica da atuação violenta da PM.

       

  7. crítica ao texto
    Esquecem que o policial durante seus trinta anos de serviço não tem hora extra, adicional noturno, adicional insalubridade, FGTS, Pis/Pasep, Seguro Desemprego, não sabe se volta vivo para casa, está sujeito a uma jurisdição penal comum e militar, o que não ocorre com outras classes de trabalhadores,não pode fazer greve entre outros. Será que quem escreveu esse texto pensou nisso, afinal ele é um doutor. Detalhe, essa manifestação também impediu que outros funcionários públicos fosse prejudicado pela PEC. Agradeçam aos militares.

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