PEC 241 contrapõe Constituição e sobrevivência da democracia, diz nota

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Jornal GGN – A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal (MPF) e mais uma centena de especialistas, entidades públicas e organizações assinaram nota pública pela inconstitucionalidade da PEC 241/2016, que congela o limite dos gastos públicos, afetando diretamente a saúde e a educação.
 
“Com base nos princípios da vedação de retrocesso e vedação de proteção insuficiente, somente se justifica – em face da sociedade e do nosso ordenamento constitucional – o estabelecimento de nova metodologia de cálculo dos deveres de gasto mínimo em saúde e educação, se ela for uma solução alternativa para melhor proteger a prioridade fiscal de que se revestem. Jamais seria admissível esvaziar-lhes a rota de progressividade, despregando-os do nível da riqueza do país e da arrecadação estatal”, diz a nota.
 
O documento alerta para o financiamento dos direitos fundamentais estabelecidos pela Constituição de 1988, explicando detalhadamente em quais pontos a Proposta de Emenda interfere nos investimentos em direitos subjetivos, como a educação básica obrigatória e o acesso universal a serviços da saúde.
 
“Registramos, pois, nossa convicção de que o financiamento mínimo dos direitos fundamentais à saúde e à educação, bem como o orçamento da seguridade social são cláusulas pétreas , pela confluência de três prismas normativos que operam em reforço recíproco”.
 
Para os especialistas, a justificativa de reequilibrar as contas com a PEC, às custas dos serviços sociais não se sustenta. “Ao nosso sentir, as mudanças, de fato, necessárias para reequilibrar as contas públicas e promover o custeio constitucionalmente adequado dos direitos fundamentais não demandam maior inovação legislativa no regime da responsabilidade fiscal. A sociedade brasileira precisa, isso sim, é de compromisso sério com a revisão de privilégios”, alertou.
 
Lembraram, ainda, que a gestão “boa e equilibrada” dos recursos públicos inclui, obrigatória e indispensavelmente, a aplicação destes em “fins constitucionais do Estado, dentre os quais emerge a máxima eficácia dos direitos fundamentais”.
 
“Até para que não haja solução de continuidade nos serviços públicos de saúde e educação, não se pode desconhecer que o dever de aplicação mínima em tais áreas deve ser proporcionalmente progressivo em face do restabelecimento da economia e da expansão dos níveis de arrecadação pelo Estado”, completa a nota.
 
“Nosso alerta é o de que não podemos comprar, na realidade brasileira atual, soluções aparentemente fáceis, novas e drásticas para problemas antigos e culturais, pois são, na verdade, ilusões, algumas delas inconstitucionais. Aqui indiscutivelmente o maior problema reside no art. 105, que o substitutivo da PEC 241, aprovado pela Câmara em 10/10/2016, quer inserir no ADCT da Constituição de 1988, cujo resultado prático é a mitigação dos pisos de custeio que amparam a máxima eficácia dos direitos fundamentais à saúde e à educação”, explica.
 
Por fim, a nota dirigida a deputados e senadores do Congresso e que já conta com mais de 200 especialistas, entidades e organizações apoiadoras, lembra que o Brasil tem compromissos além das questões ou interesses internos: “o dever assumido pelo país em diversos tratados internacionais, na forma do art. 5º, §2º da nossa Constituição, de desenvolvimento progressivo dos direitos sociais, econômicos e culturais, em rota de plena e íntegra convergência com o fundamento da dignidade da pessoa humana”.
 
“Nenhuma proposta de reforma constitucional pode pretender substituir a própria Constituição. Eis a última fronteira que assegura a sobrevivência do Estado Democrático de Direito, tal como a sociedade brasileira o inaugurou em 1988 e que cabe a nós, atual geração, defender em todas as instâncias cabíveis, até mesmo no âmbito da republicana sistemática de freios e contrapesos”, finaliza.
 
Leia aqui a nota pública.
 
Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

3 Comentários

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  1. É por esse caminho mesmo. Os

    É por esse caminho mesmo. Os criminosos criadores da PEC 241 são passíveis de condenação por se interporem à Constituição em vigor.

  2. Bem Estar Social?

    Parece-me que vivemos a era do fim do chamado Estado do Bem-Estar Social – este surgiu no então Primeiro Mundo como espécie de vacina ao “perigo” que representou o mundo socialista para os capitalistas. Nos EUA e Europa, a saída encontrada foi a de entregar os anéis para evitar a perda dos dedos. Com o fim do Bloco Socialista, em 1989, o EStado do Bem Estar Social começou a ser detonado naqueles países. NO caso do Brasil, de profundas desigualdades sociais, saímos da ditadura tendo construído um forte movimento de opinião em favor das liberdades democráticas e vislumbrando um EStado voltado para a redução das injustiças, conforme se fixou na Constituição de 1988. O empuxo democrático do final dos anos 70 e anos 80 conseguiu resistir, dentro das nossas possibilidades, ao projeto neoliberal dos anos 90 e permitiu a eleição de Lula no início do novo milênio. Porém agora, depois da experiência política do lulismo, que conseguiu desmobilizar o movimento sindical em nome da conciliação de classes; ao mesmo tempo em que a despolitização foi tragada pelo consumismo e fundamentalismo de várias espécies, chegamos a uma situação política em que se desmancha no ar toda aquela energia transformadora das décadas passadas. É neste descenço das forças de esquerda que a onda neoliberal – e fascista – tende a voltar com toda virulência, destruindo o pacto de 1988 e desmontando o projeto de construir entre nós um EStado de Bem Estar Social. O fosso social brasileiro, contudo, tenderá a aumentar e as consequências são, naturalmente, imprevisíveis.

  3. No entanto, alguns

    No entanto, alguns estupidamente idiotas; seria interessante verificar quem está pagando a “proquera”.

    Retirei do portal Terra (mais conservador, impossível).

    Teria dinheiro dos temeristas?

    Teria dinheiro de partido(s) político(s)?

    Afinal, quem financia os GOLPISTAS?

     

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