Há espaço para se institucionalizar o controle interno e o combate à corrupção?

PEC 45/2009: Há espaço no país para se institucionalizar, na Lei Maior, o controle interno e o combate à corrupção?

Por Sérgio Reis

Encontra-se no Senado, na Ordem do Dia para votação desde o último dia 12 de Abril, a Proposta de Emenda Constitucional Nº 45, de 2009, originalmente relatada pelo então Senador Renato Casagrande (Espírito Santo). A proposição em questão estabelece a adição do inciso XXIII ao artigo 37 da Constituição Federal. Por meio dele, busca-se estabelecer o caráter permanente de órgão que for responsável, na União, nos Estados, no Distrito Federal e nos Municípios, pelo controle interno dos Poderes da República.

O chamado “controle interno” significa, em sentido amplo, o arcabouço de medidas, normas, práticas e políticas públicas voltadas a garantir com que a atuação governamental esteja de acordo com a lei e voltada ao interesse público. O controle interno é realizado, então, como forma de se garantir com que a gestão seja proba, eficiente e eficaz. Volta-se, enfim, a contribuir para que os serviços públicos prestados tenham maior qualidade e atendam às expectativas do cidadão e, ao mesmo tempo, para que se evite a prática de irregularidades e, no limite, para que se puna a corrupção.

A PEC em questão ainda caracteriza o controle interno a partir de determinadas funções administrativas, sem esgotá-las: ouvidoria, controladoria, auditoria governamental, correição. O normativo proposto, por conseguinte, não só esclarece que o controle interno, já previsto no artigo 74 do texto constitucional, deve ser realizado por unidade administrativa própria. Ele também aponta para as características que definem esse controle interno. Nesse sentido, portanto, a PEC expressa um considerável avanço para a gestão pública brasileira, de todas as esferas e Poderes: ela demarca uma forma e um conteúdo institucional a um componente da atuação governamental o qual já deve estar presente, por força da própria Constituição, na União, nos Estados, nos Municípios e em seus respectivos Poderes.

Logo, o fortalecimento institucional do controle interno significa o estabelecimento de melhores pré-condições para o exercício da gestão pública, organizando-o com maior racionalidade. É essencial elucidar o caráter vantajoso da medida, considerando se tratar de normativo que não implica, a princípio, em aumento das despesas públicas. Isso porque o enfoque dado na PEC é o de organizar e o de conferir natureza Estatal, em sentido administrativo, a questões já necessariamente desempenhadas Brasil afora. Ou seja, confere-se por meio da proposta a garantia de que o controle interno deve ser continuamente exercido para além das mudanças governamentais resultantes de processos eleitorais.

Afinal, o exercício do controle, desde antes da promulgação da Constituição, não constitui escolha discricionária de uma ou outra autoridade de governo. Trata-se de obrigação legal, de alto nível. Com a PEC 45, enfim, discrimina-se como essa função deve ser exercida: por órgão e a partir de um conjunto básico de funções.

No caso do Poder Executivo Federal, o sistema de controle interno é composto pela Controladoria Geral da União (CGU), Ministério cujas competências foram estabelecidas por força de lei desde 2003, e por órgãos setoriais, situados nos Ministérios da Defesa, das Relações Exteriores e da Presidência da República. No caso da CGU, são desenvolvidas as mais distintas atividades de controle interno voltadas a auxiliar o Presidente da República e os gestores públicos federais no atingimento dos objetivos institucionais, no cumprimento das determinações legais e no enfrentamento à corrupção.

Na prática, isso significa auditar as contas do governo e fiscalizar obras e empreendimentos por todo o Brasil, alcançando milhares de municípios que recebem recursos federais para o desenvolvimento de políticas públicas. Também significa avaliar serviços públicos federais e promover propostas de melhoria, em atendimento às expectativas dos cidadãos; expressa, ainda, a realização de capacitações de gestores, conselheiros de políticas públicas e cidadãos, amplamente, sobre como melhor implantar e monitorar as ações governamentais e, no caso dos últimos, cobrar pelo seu sucesso. Trata-se de um esforço de promoção da ética e da cidadania que não se olvida mesmo do público infantil, compreendendo-o como partícipe necessário do processo de mudança cultural em curso em nossa sociedade.

Resulta, igualmente, no intensivo estudo sobre o comportamento das despesas do governo e, particularmente, sobre suas aquisições, fornecendo subsídios, por exemplo, para orientar os administradores a aplicarem os recursos públicos com maior eficiência, eficácia e efetividade. Quer dizer, adicionalmente, promover políticas de fomento à transparência e ao controle social, inclusive por meio do apoio ao desenvolvimento de ouvidorias públicas, entendendo-se que a participação do cidadão na gestão é fator essencial para que os recursos públicos sejam melhor despendidos e aplicados conforme as necessidades da sociedade. Implica, ainda, a adoção de medidas punitivas para servidores públicos e agentes privados que praticaram atos ilegais ou, mais, grave, incorreram em atos de corrupção com base no uso ímprobo de recursos públicos.

Ou seja, a CGU veio a se constituir como um modelo dessa articulação produtiva entre distintos momentos do exercício do controle interno, numa indicação de que a sua organização em uma mesma unidade concede vigor aos esforços de melhoria da gestão pública, dos serviços públicos, outorgando um sentido cada vez mais republicano à esfera pública.

É com base nessa integração sistêmica que, por exemplo, as denúncias de cidadãos são recebidas e avaliadas pelas ouvidorias, sendo então encaminhadas para a área competente. Esta, por sua vez, com base nesse insumo, faz pesquisas, auditorias e, em sendo o caso, mesmo fiscalizações nos locais-alvo da manifestação oriunda da sociedade – o que significa, aí, mobilizar Unidades Regionais da CGU nos Estados. A depender da circunstância, Operações Especiais, com a participação da Polícia Federal ou do Ministério Público, podem ser lançadas, aprofundando o processo investigativo.

Com a confirmação da existência de indícios de irregularidades, processos administrativos são abertos, seja contra agentes públicos, seja contra empresas. Havendo punições, elas são sancionadas, publicadas no Portal da Transparência, e ensejam medidas como o estímulo à ampliação da publicidade dos atos e dados públicos, o desenvolvimento de políticas de aversão a riscos e de estímulo à integridade e, ainda, de formação e estímulo à cidadania para que contribua cada vez mais para que a Administração Pública ocorra em respeito à Constituição e às suas demandas, dentre outros aperfeiçoamentos institucionais possíveis.

Assim sendo, vê-se aí a relevância do controle interno para o melhor funcionamento do Estado e a pertinência de sua conformação em caráter institucional, nela contendo a sinergia entre suas distintas e complementares abordagens. É preciso fazer avançar e disseminar concepções como essa para o Poder Legislativo, para o Judiciário, para entes Estaduais e Municipais, concedendo-lhe a durabilidade e a resiliência típicas daquelas que são asseguradas no Texto Constitucional.

Neste instante, a PEC 45 ainda enfrenta resistências dentre Líderes das Bancadas no Senado, aparentemente em virtude de divergências a respeito de questões como o eventual impacto orçamentário em Estados e Municípios (indicado neste artigo como desnecessário), o hipotético caráter meramente corporativista da medida (desconsiderando a possibilidade de aprovação da emenda sem a menção específica à necessidade de constituição de carreiras de Estado típicas do controle, como em uma das propostas em trâmite). Há de inferir, contudo, a circunstância de que a sensibilidade do tema possa atrair suscetibilidades especiais a congressistas, considerando-se o impacto por todo o território de estruturas voltadas à melhoria da gestão, ao fortalecimento do controle social e ao enfrentamento da corrupção, em meio à resiliência dos conchavos locais e dos compadrios para a malversação de recursos públicos – por vezes envolvendo, potencialmente, aliados regionais das mais distintas agremiações partidárias de nosso sistema político.

Em paralelo, no interior de um conjunto de especulações sobre o que viria a ser de um Governo Temer, surgem incertezas sobre o futuro da CGU, do papel do controle interno, das políticas de combate à corrupção e, até mesmo, do relacionamento do eventual novo Presidente com os Órgãos de Defesa do Estado internos e externos ao Poder Executivo Federal, como a Polícia Federal, a Advocacia-Geral da União, o Tribunal de Contas da União e o Ministério Público.

As conjecturas, afinal, não se assentam em meras divagações ou solilóquios: ao mesmo tempo em que são fartas as discussões sobre a composição das equipes econômica, política e social, escasseiam os debates a respeito de quem ficará responsável pela defesa do patrimônio público e quais as formas institucionais a serem adotadas para tanto. Além disso, o próprio Vice-Presidente já foi citado pelo menos quatro vezes por delatores envolvidos na Operação Lava Jato, o que neste contexto coloca dúvidas sobre a vocação e o interesse de um governo seu em dar continuidade e empoderamento a investidas desse tipo.

Espera-se, enfim, que o tenso e conturbado momento presente não constitua óbice à aprovação de tão importante agenda, a qual, em nome da melhor realização do Estado Democrático de Direito, deve se constituir como feito suprapartidário e como compromisso real do Congresso com a cidadania pelo combate à corrupção, justamente para que esse fim republicano venha a ser constituído e alcançado não meramente a partir de posturas ad hoc de partidos ou governos, mas como um consenso social alçado à condição de obrigação Estatal e de garantia constitucional.

Crédito da Imagem: http://www.chinausfocus.com/wp-content/uploads/2014/01/corruption.jpg

Redação

5 Comentários

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  1. Cada setor da organização

    Cada setor da organização pública ou privada exerce o controle interno efetivo. As gerências ou supervisões se dedicam a controlar se há sincronia entre os diversos setores. Se estão sendo eficientes ou eficazes. As auditorias operacionais e financeiras se revelaram insuficientes para se detectar anomalias seja na esfera pública ou privada. As auditorias contábeis, privativas de contadores exacerbavam os ânimos nas organizações pois eram encarados – e são – como entraves ao desnvolvimento e criatividade. Estão sempre com as leis e regulamentos dizendo isso não pode. Isso é arriscado. Temos quee analisar melhor, e assim por diante. Um cientista quer seus equipamentos, insumos ou materiais com urgência para dar seguimento às suas experiências e fatos intempestivos ou fortuitos para os quais o burocrata exige que tenha previsão. Não raro pesquisadores passam mais tempo justificando atos e aquisições do que criando. Com obras a mesma coisa. Pois a licitação passa a ser a coisa mais importante do que a própria obra ou engenharia. E a cada lei ou regulamentação, lá vem o jeitinho de ludibriá-la. Agora imaginemos, teria esse novo órgão de controladoria, à parte, ter em seus quadros profissionais que entendessem de física, química, biologia, irradiação, contaminação, a balos sísmicos, enteder de leis, regulamentos e contabilidade e de toda a dinâmica que envolve os recursos humanos e suas interrelações numa universidade por ex? E ainda por cima sob a supervisão e orientação dos tribunais de contas viciados? As auditorias privativas de contadores passaram com o advento das controladorias, serem compartilhadas com alguém mais familiarizado com o MP pois hoje habitam todos os organismos públicos para deixarem os gestores públicos malucos. Vivemos a era do partido único. Chamado OAB. 

    1. Ivan, entendo sua preocupação

      Ivan, entendo sua preocupação como pertinente e relevante. Acredito que a tensão entre controle e gestão deve constituir uma falsa dicotomia. Infelizmente, se vige no debate público uma visão antiga e formalista sobre o que é fazer controle, então se gera mais espaço para essa polarização. Contrariamente a essa corrente, defendo a possibilidade de se construir um controle inovador, produtivo para a gestão, capaz de lhe fornecer insumos reais para a resolução “fora da caixa” de problemas que afetam as políticas públicas. Mas, para isso, é necessário que o controle esteja orientado a uma vocação mais estratégica, pensando nos objetivos das ações governamentais, e não meramente em inconsistências de planilhas. É fundamental, igualmente, que traga sempre para as discussões o olhar do cidadão, e não simplesmente o da burocracia ensimesmada. Por isso, então, o controle não pode ser mera auditoria contábil ou normativa. É fiscalização na ponta, é promoção de integridade, de políticas de transparência, é fortalecimento do controle social, é realização da retroalimentação entre monitoramento e redesenho das políticas, é avaliação crítica de serviços públicos, é apuração de alto nível e de forma transversal dos desvios, para que então ocorra um efetivo combate à corrupção, completando o ciclo do controle. É por esse caminho, que eu vislumbro como mais moderno, que concebo o quanto termos controladorias espalhadas pelo país poderá ser um ganho substancial para a cidadania e para a realização do Estado.

      1. Eu compreendo as preocupações

        Eu compreendo as preocupações e até descaso com a coisa pública. Mas tem coisas que não podem ser publicizadas por serem segredo de estado e de interesse nacional. Outras, para resguardar o direito de propriedade. Me preocupo com o inchaço da máquina pública, mais com sua ineficácia. Veja o poder judiciário por ex. Vivem criando organismos para controlar desvios de comportamentos e estes continuam só que com novos e vultosos gastos. É corregedoria, é Conselho é instituto e tantas outras para quais resultados? Veja se há algum relatorio apontando isso?Mas a des. Calmon, sem nenhum órgão especial afirmou: Há bandidos de toga.  E o que dizem as corregedorias e Conselho nacional? Já temos os tribunais de contas e no âambito interno precisamos de bons gerentes, desses que farão o controle interno. Não precisamos de um outro órgão em sala fechada e alheio ao que ocorre no mundo dos meios e sem entender os fins. Os controles só se justificam para preservar a dignidade das pessoas não para vê-las transgredindo e sendo ridicularizadas. Ou pior, nos ridicularizando enquanto nação civilizada que pretendemos ser. Enquanto tivermos o compadrio e o nepotismo influenciando todos os poderes da república, os resultados serão questionáveis.

        1. Ivan, concordo com a sua

          Ivan, concordo com a sua preocupação. Os riscos de que haja instituições que pratiquem o controle pelo controle realmente existem. Mas vejo que tem ocorrido um processo gradual de mudança nesse comportamento, vislumbrado a partir de exemplos como o da própria CGU, o da Controladoria do Município de São Paulo, o da Controladoria do Estado de Minas Gerais. É esse modelo, de certa forma, que precisa ser disseminado, e é o constante da PEC 45/2009. Um dos elementos essenciais para a mudança cultural é o incentivo à liderança pelo exemplo, isto é, a promoção de pessoas e práticas que primem por essa visão mais moderna de controle que estou defendendo. É, em parte, uma questão de mindset, de mentalidade. Hoje ainda há muitos e muitos auditores que não querem fazer gestão, e muitos gestores que não querem fazer controle. É evidente que a criação de uma estrutura não necessariamente resolve a questão, mas parece ser uma pré-condição. Se você for olhar a história do controle interno no Brasil, vai observar o ganho de qualidade e de alcance a partir do momento em que se abandonou o modelo de Secretarias dentro dos Ministérios para o de Controladoria, concentrando como um Ministério as equipes que auditarão os Ministérios, concedendo-lhes empoderamento. No fundo, acredito que seja bastante difícil que, no curto prazo, os gestores tenham tempo e recursos para dedicar parte da sua atuação a realizar o controle. A infraestrutura para o trabalho gerencial tende a ser muito precária Brasil afora. Caso o controle atue em sua vocação, que é o de assessorar a melhoria de gestão, ter estruturas específicas para tanto poderá ser muito útil, desonerando o gestor desse tipo de preocupação. Mas, ressalto, é fundamental que o controle adote posturas cada vez mais colaborativas. Quem sabe um dia não precisemos discutir essa necessidade de segregação de funções?

          Um abraço

  2. Agora é experar os golpistas

    Agora é experar os golpistas que sairam às ruas a partir de junho de 2013 pedindo o fim da corrupção….

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