Programa Future-se para as universidades deveria se chamar ‘Vire-se’

Incógnita para as instituições que aderirem e perseguição para as demais, Future-se não trará recursos antes de dez anos. Como será até lá ninguém sabe

As universidades federais, como a UFABC, já fazem o que Bolsonaro quer fazer depois que destruir essas instituições | Foto: Arquivo UFABC

da Rede Brasil Atual

Programa Future-se para as universidades deveria se chamar ‘Vire-se’

 

São Paulo – Na propaganda veiculada na TV em horário nobre, o Ministério da Educação (MEC) convida os brasileiros a opinar sobre o Future-se até 15 de agosto. E apresenta o programa como algo revolucionário para um setor que já tem conhecimento e capital humano, inclusive tendo contribuído para o desenvolvimento do agronegócio e para a pesquisa da cura da dengue.

Anuncia que haverá empreendedorismo, intercâmbio internacional de conhecimento, mais pesquisa de ponta, com professores engajados e capacitados, redução da taxa de evasão, alunos mais estimulados. Promete capital estrangeiro, empregos, gestão, produtividade, governança, sustentabilidade, parceria com o setor privado, autonomia, desenvolvimento. “Um futuro para as universidades e institutos federais”, diz a peça publicitária (confira no final da reportagem).

Como se estivesse inventando a roda ou descobrindo o fogo, o MEC comandado pelo ministro Abraham Weintraub projeta como fruto de seu programa muito do que a universidade brasileira já se tornou, apesar das dificuldades.

Mas esconde na propaganda que quer colocar as polêmicas organizações sociais (OS) para gerir o que as próprias reitorias e fundações de apoio já fazem. E omite que no centro da proposta está a criação de um fundo, composto pelas mensalidades da pós-graduação que serão cobradas e por imóveis públicos que poderão ser doados pela União, estados e municípios a essas OSs, para custear a rede federal de ensino superior que tem sido vítima de cortes orçamentários.

“Vire-se”

Cheio de lacunas, o programa não esclarece como será a realidade das universidades que vierem a aderir. Tampouco das que não fizerem adesão. A desconfiança é de que seja qual for a opção, ficarão todas ao deus-dará, sem recursos federais – daí a proposta do governo de Bolsonaro já estar sendo chamada de “Vire-se” na comunidade acadêmica. A certeza, porém, é que se houver algum resultado, não será em curto prazo.

“Mesmo na hipótese de o Future-se ser aprovado numa velocidade inimaginável e nunca vista antes, não terá efeitos antes de dez anos. Pelo menos é o que tem declarado o próprio ministro e representantes do ministério. Ou seja, não resolve as questões financeiras do presente e nem de um futuro muito próximo”, disse o reitor da Universidade Federal do ABC (UFABC), Dácio Roberto Matheus, durante debate na instituição nesta quinta-feira (1).

Impreciso e vago, cheio de lacunas, o anteprojeto em consulta pública, apresentado há duas semanas a 113 reitores de universidades e institutos federais, já chegou atropelando prazos e a legislação. O MEC queria dar uma semana para a consulta pública, mas estendeu por mais duas para obedecer ao decreto 1.919/17, que estabelece ritos para procedimentos assim. Mal estruturado e sem parecer jurídico da Advocacia Geral da União (AGU), como deveria ser, o projeto traz grande preocupação, segundo o reitor.

“Primeiro, porque o ministro Weintraub coloca em discussão um ‘Future-se’ em um momento em que não há sequer certeza do presente. Estamos em peregrinação no Congresso, buscando mediação para o descontingenciamento dos recursos de 2019 e para a composição do orçamento de 2020, este sim, muito mais obscuro. O deste ano nós sabemos quanto é, sabemos o tamanho do nosso problema, estamos indo para o debate, tivemos audiência pública, estamos mostrando os números. Mas nos preocupa muito o orçamento de 2020”.

Terraplanismo

Outra crítica é em relação ao oportunismo de Abraham Weintraub em seu programa. “Em tempos de terraplanismo, com as instituições de pesquisa, a qualificação do saber cientifico e do pensamento crítico sendo duramente atacados, como querem querem acenar com a venda desse mesmo pensamento que está sendo criticado para atrair investidores?”

Matheus chama atenção também pelo escanteamento da autonomia universitária no Future-se. Os conselhos universitários da rede federal não foram consultados sequer sobre o contrato de gestão previsto no anteprojeto. “Preceito constitucional, a autonomia está totalmente escanteada. Na medida que se aprova um mecanismo que coloca o futuro da pesquisa e da inovação à mercê das oscilações e interesses de mercado, como vamos fazer pesquisa que não interessa ao mercado? E tem muita pesquisa que não interessa a eles. Não vão querer discutir os problemas do tabaco, da saúde, medicamentos”.

E critica indicadores criados pelo MEC para avaliar a eficiência gerencial na tentativa de demonstrar a inviabilidade financeira das universidades. São indicadores superficiais e descontextualizados, que usam como parâmetros, por exemplos, a divisão de gastos com contas água e luz a divisão pelo número de servidores e pela área da universidade, em planilhas que já estão sendo cobradas.

“Isso é o cúmulo do absurdo. Pelos indicadores, usamos na UFABC uma piscina por dia, o que é um desperdício. O valor da luz parece exorbitante ao considerar que temos aqui 1.500 pessoas das 7 às 23 horas, e não 15 mil pessoas. O absenteísmo é outro indicador interessantíssimo: ausência no trabalho. Pelo indicador, faltei ao serviço quando fui a Brasília negociar os recursos, porque eu pedi um afastamento. Percebam que há um conjunto de iniciativas que tendem a nos fragilizar enormemente nessa narrativa.”

O reitor defende que as instituições estejam atentas, se apropriem de informações e criem um ambiente que favoreça um debate com dados verdadeiros, baseados na realidade. “Estão nos confundindo com muitas instituições privadas do setor que na verdade não fazem educação: vendem ensino sem o desenvolvimento da pesquisa e da extensão. Nós somos uma instituição de educação onde ensino, pesquisa e extensão são indissociáveis.”

 

Redação

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