Quando certa manhã o Brasil acordou de sonhos intranquilos… Por Sérgio Saraiva

O Brasil acordou segunda-feira como quem acorda de uma farsa e se pergunta: que faremos agora?

17abr2016

Por Sérgio Saraiva

Na manhã de 18 de abril de 2016, deveria ter escrito um texto sobre os acontecimentos tormentosos do dia anterior. Não pude. Não saberia o que dizer. Nada do que acontecera na noite anterior era imprevisto, mas tudo havia mudado e ficara como sempre fora antes.

As figuras que derrubavam a presidente eleita através de um processo insólito e usurpavam seu posto eram as mesmas desde todos os governos da redemocratização até aquele dia. Era o passado prometendo-nos uma ponte para o futuro. Era uma farsa.

Uma bizarrice entre Kafka e Lampedusa.

Permiti-me o dia para ler a opinião de vários para formar a minha própria. Nada consegui, nada pareciam ter a dizer os que se posicionavam a favor e contra. Talvez Mino Carta, ao final do dia: todos perdemos.

Sim, era isso, todos parecíamos saídos de uma grande farsa. Como tecer comentários sobre algo que não passa de uma grande farsa coletiva, quando essa farsa finalmente chega ao fim?

Como juristas podem aceitar como crime de responsabilidade algo que sabidamente não é crime e que foi praticado por todos os governos anteriores que tiveram suas contas aprovadas? Fingiram aceitar – era farsa.

Que credibilidade pode ter um relatório do TCU contra a presidente quando o ministro relator é investigado no STF e o ministro presidente do mesmo tribunal está também envolvido em acusações de corrupção?  Credibilidade nenhuma – é das farsas. Seguiu em frente como fora uma peça do mais alto valor jurídico.

E assim vai-se de farsa em farsa.

O presidente da Câmara dos Deputados é réu no STF. Como figura pública transita entre o psicopata e o gangster. A maioria dos integrantes da comissão que analisou o pedido de impeachment está envolvida na Operação Lava Jato. Não tiveram nenhuma dificuldade de encenar seus papeis. Todos sabiam ser farsantes, mas jamais tiveram sua autoridade questionada.

A leitura do relatório do pedido de impeachment foi mais um momento ridículo da farsa que foi todo o processo. O relator, que tampouco escaparia de uma investigação por improbidade, lia tartamudo um relatório que deveria ser o “seu” relatório e fruto de profundas e graves discussões, mas que parecia tê-lo visto apenas algumas horas antes, tal sua estranheza com o mesmo. Era em tudo uma farsa – foi repercutida pelo noticiário em rede nacional. No dia seguinte, jornalistas se deram ao trabalho de analisá-lo. Não fizeram trabalho diferente do que o dos programas vespertinos que analisam as novelas de televisão. E como tais, vários buscavam construir uma veracidade onde só havia um enredo farsesco. 

Os debates a seguir, embora tratassem do destino do país, foram todos feitos a toque de caixa, ou como em um ditado popular muito apropriado “rápido como quem rouba”.

Na votação propriamente dita, 367 deputados votaram em nome de Deus, da família e de seja mais lá o quê, até de torturadores. Apenas não votaram em relação ao assunto em tema. A maioria sequer parecia saber do que era tratado. Mas em uma farsa festiva isso pouco importa. Tratou-se de uma catarse coletiva. A farsa estava consumada.

O empresariado apoiou política e financeiramente o golpe. Nos jornais criticavam a decadência moral que paralisava o país. Eram os mais farsantes. Sabiam dentre os deputados votantes quem eram aqueles a quem sempre tinham corrompido. Fingiram esquecer de uma reunião em 2012 na qual tudo pediram e tudo levaram deste governo; de desoneração fiscal e trabalhista à redução do preço da energia elétrica. Nada investiram, realizaram lucros e hoje acusam o mesmo governo de ter descuidado das contas públicas. Creem-nos patos patetas – há os que são.

A parte do povo que de tudo isso participava há pelo menos um ano e meio é a parte com escolaridade superior. Tem acesso à informação e dispõem de recursos intelectuais para analisar o que acontecia. Como puderam aceitar participar da farsa? Lutavam contra a corrupção apoiando corruptos contra uma presidente contra a qual não houve nunca uma única acusação de corrupção? Ao contrário do vice-presidente que será seu sucessor. Que, aliás, cometeu os mesmos “crimes de responsabilidade” que a presidente, nos períodos em que a substituiu. 

Que mecanismo mental essa parte do povo foi levada a praticar para aceitar algo assim?

Esse povo comemorou sinceramente feliz a aceitação do processo de impeachment, mas acordou de ressaca. A manhã do dia seguinte chegou e com ela a farsa revelada.

Que faremos agora?

Como saciar o apetite dos leões do mercado e das hienas do Congresso que já salivam por seu naco do país? Já há sinais claros do que esperam. E esperam maquiavelicamente, ou seja, que o mal seja feito de uma única vez. Talvez já no período de interinidade de Michel Temer na presidência da República.

Da parte das hienas, haverá pressões por cargos, verbas e, principalmente, alguma forma de barrarem as investigações em que estão envolvidos. Será necessário calar imprensa, Ministério Público e Judiciário. Inclusive em relação a Eduardo Cunha – o malvado preferido da nação. Já se fala inclusive no término da Lava Jato. O affair entre o PGR e Aécio Neve, a “celeridade” com que o STF trata os os casos em andamento e o que ocorre com os escândalos em São Paulo e no Paraná, por exemplo, deve enchê-los de esperanças. Alguma notícia nos jornais sobre tais casos? Nunca fomos tão felizes. 

Da parte dos leões, haverá pressões por privatizações gerais, o pré-sal como joia da coroa. E juros altos de modo que todo o capital obtido com as privatizações seja drenado para o rentismo. Mais capital poderá ser obtido com o término dos programas sociais e com o fim das despesas obrigatórias para saúde e educação, bem como, com a depreciação do salário mínimo, assim que a lei permitir. Por óbvio, um tarifaço que é como o Estado faz dinheiro rápido. Tudo será apropriado pelo capital especulativo. E haverá pressões pela precarização das relações trabalhistas – terceirização das atividades fins.

Em tal cenário não há crescimento econômico algum, apenas especulação. E esse cenário é provável por que não há quem acredite na liderança de Michel Temer para unir e dirigir o país. Sem tal confiança, quem investiria? Tampouco o PMDB é confiável a si mesmo e aos seus aliados.

Nada do que foi descrito aqui é novidade. Uma ponte para o passado. Trata-se do que foi o 2º governo FHC. E esse segundo governo FHC levou Lula ao poder. Que será feito agora para as eleições de 2018? Prenderemos Lula? Cancelaremos as eleições?

Com o povo branco não haverá muitos problemas, bastará os meios de comunicação não convoca-los às ruas nos domingos, e ficarão protestando no Facebook. Mas o que fazer com o povo vermelho que sai do processo de impeachment unido e engajado? Para “dialogar” com os manifestantes, chamaremos o Secretário da Segurança paulista e a Força Nacional, já que os militares parecem não querer se envolver em questões civis?

A farsa terminada em pesadelo.

Alguma esperança?

Só a das antigas reflexões contidas no ”Dilema de Pirro”: ainda haveria tempo?

 

PS: todo otimista é um mal informado, mas não está morto o que peleja. A Oficina de Concertos Gerais e Poesia apoia o Movimento Golpe Nunca Mais.

golpe nunca mais1

Redação

12 Comentários

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  1. Todos perdemos
    Sergio, caro, para quem não saberia o que dizer, você disse TUDO.
    Precisa e dolorosamente. Mais uma vez.
    Sim, “A única luta que se perde é aquela que se abandona.” No entanto, o golpe – é mesmo um trocadilho – foi titânico e a Pátria está acéfala.
    Os que desejavam de Dilma uma Mãe que mima e estraga, não demora chorarão a ausência da Mãe que tentou educar permitindo aos filhos a liberdade de, no viver, aprender. Sua suavidade insuspeita e seu Amor por esta Pátria e pela Nação são agora legado percebido e valorizado por poucos. Rápido sua memória será apagada, como em algumas culturas em que o nome dos mortos é banido. Vai levar tempo até que sua história seja resgatada, valorizada e pranteada.
    A tristeza dessa hora contrasta com o jactar-se dos vencedores.
    Logo, a veremos abater-se sobre todos pois apesar das aparências, vencedores não há.
    Sentiremos falta da dureza e da secularidade da Dama Deposta; o Deus que ascende não é o do Amor e da Criação, a despeito dos discursos.
    Importam as atitudes, a conduta. Mas esta é a concepção de vida de um velho, anacrônico. Para os viventes “vencedores” importa vender uma idéia, revestida e edulcorada de sedutores acessórios e alcançado o imediato, é o que importa.
    Estou, e estes dias ainda mais, velho!
    O que vimos estes dias é somente a gênese de tempo cinzento, frio e lacrimoso.
    Sentiremos saudade dos tempos vividos em que podíamos nos manifestar livremente e desancar os que de nós discordavam ou nos desagradavam.
    As nuvens se aproximam, pois que está ainda por vir a tempestade perfeita.
    Post-história. Não deixe que a tormenta cale tua caneta. Nos tempos da opressão, é o que resta aos bons: o pensamento.
    Parabéns pelo texto.
    Um abraço.

  2. excelente síntese

    Exccelente síntese dos últimos dias. O que fazer?  Ressuscitar Lênin e perguntar. 

    Defendo uma revolução republicana, com reformas amplas e profundas, mas creio que na civilização do capital tudo é muito provisório pois sempre prevalecerá o homem econômico burgues. O poder do dinheiro é muito forte. 

  3. Quantos Cunhas temos?

    Cunha era mais um criminoso corrupto desconhecido, no topo da cadeia alimentar, até se tornar presidente da Câmara, através do seu primeiro golpe. Fico imaginando quantos Cunhas temos abrigados em partidos da direita como PSDB, DEM, PR e outros. Corruptos, assassinos, provedores de trabalho escravo, traficantes, pastores hipócritas oportunistas e quadrilheiros, entre outros.

  4. O Moro, cumprindo a parte

    O Moro, cumprindo a parte dele na trama já anuncia o fim da lava jato. Ainda falta a última missão: Prender o Lula a qualquer custo.

    Eleições para presidente em 2018? Podem esquecer.

    Ou derrotamos o golpe nas ruas e agora como fizeram o venezuelanos quando tentaram derrubar o chaves ou retrocederemos para antes da redemocratização. Ou seja, viveremos uma nova ditadura. Desta vez midiático/judicial.

  5. compra de votos do impedimento de Dilma

    A senha era familia e Deus para receber mala de propina, bem a cara do PMDB! A maior vergonha do Brasil. derrubar presidente honesta por quadrilha de bandidos corruptos, todos indiciados! Cade Policia federal? 450 milhoes de  Skaf e empresarios brasileiros, cade promotores?… ou esta tudo comprado?………….

  6. Em pé, clap clap clap. Tenho

    Em pé, clap clap clap. Tenho dito que se alguém me apontar uma pessoa, uma só, favorável ao impedimento, que não seja canalha ou analfabeta política, eu mudo de lado. Convicção total, não mudarei de lado. Não sou inteligente o bastante nem tenho competência para ficar fazendo análise política, isso é com o Luis Nassif e o Sergio Saraiva e justamente por isso fiquei estupefato ao assistir ao circo de horrores no domingo, do começo ao fim, com algumas interrupções para ir ao banheiro vomitar. Até o deus dos quadrilheiros provocava náusea e quando falavam da família vinha o vômito. O estupefato foi devido minha ignorância. Acreditava que esse congresso era o representante da sociedade. Já defendi Tiririca, não por ele, mas pela sua representatividade, mais de um milhão de tiriricas mandando ao congresso sua voz. Àqueles que eventualmente criticavam a bancada evangélica eu respondia que temos liberdade de culto, até para não crer, e que os evangélicos deputados eram os representantes, legítimos, dessa parcela da sociedade. Até o fascista Bolsonaro tinha legitimidade pois, em sendo eleito, era o representante de quem nele votou, temos que aceitar, era o que eu pensava. Após essa sessão masoquista de domingo, mais para reunião de quadrilha do que assembléia, mudei meu pensar. Esse congresso não representa nada. Os eleitores de Tiririca são infinitamente melhores do que ele. Os evangélicos não são os responsáveis pelos crimes dos mercadores de deus,são muito melhores do que eles. Até os eleitores do fascista defensor da tortura são melhores do que o torturador, excessão aos torturadores entre eles. O que não entendo e por isso não posso sequer sugerir alguma solução é como chegaram lá. Certamente por vontade própria, mas ELEITOS. 

  7. Caro Nassif
    Deus mudou de

    Caro Nassif

    Deus mudou de universo e de dimensão, depois do dia 17, ele manda avisar para esqueçerem que ele existe.

    Que vergonha.

    Missa de sétimo dia de deus dia 23.

    Saudações

  8. comentário

    é uma chanchada. quem tentasse alinhar estes acontecimentos em um roteiro e fosse atrás de financiamento para seu livro ou filme amaragaria bonito. é surrealmente tosco. talvez aqui o paralelo a kafka. sim. em uma segunda feira de abril o cidadão B descobriu que era uma barata. este é o congresso que B elegeu ano e meio antes.

    enquanto olhava o espetáculo de domingo, dejá vu!  sim já me senti assim antes. o paralelo direto às reuniões de certa instituição que precisei acompanhar: como podiam ser estes os meus representantes? cazuza ecoando: Brasil mostra a tua cara. 

    o grau de absurdo deste golpe irá gerar toneladas de papéis em dissertações e teses. hoje tudo está registrado. e todos terão de explicar: como foi possível? adiantando a minha hipótese: golpe algum pode ser dado em câmara lenta.

  9. Neste momento difícil me

    Neste momento difícil me sinto leve. É que não tenho razões para me envergonhar de minhas escolhas políticas, do que fiz o deixei de fazer. Diferente de muitos, nunca duvidei deste governo. Nem de Lula nem de Dilma. Não que não tenha visto seus erros, mas eles sempre foram insignificantes diante das escolhas que tinham a fazer. E se houve erros, eles também foram meus. Assim como as façanhas. Não me importo com a derrota, sabendo que para o outro lado a vitória demonstrou de que são feitos. Nunca como antes ficaram tão em evidência suas entranhas, a perversidade de suas ações. Como disse ao começo, me sinto leve, de cabeça erguida. E querem saber uma coisa? Do outro lado, vejo muitos que não conseguem me olhar diretamente aos olhos, como que envergonhados. Então, de quem é a vitória?

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