Reflexões sobre Transporte Espacial no Brasil, por Sergio Ferolla e João Ribeiro Junior

E surge como piada de mau gosto as notícias divulgadas pela mídia, de hipotético Acordo internacional para a exploração comercial do CLA

Foto do lançamento do VLS 1

Reflexões sobre Transporte Espacial no Brasil

por Sergio Ferolla e João Ribeiro Junior

A criação e manutenção operacional de um Centro de lançamentos só será viável frente a uma decisão soberana e estratégica do Estado nacional.

Quaisquer considerações quanto ao emprego de satélites no âmbito do governo sempre impuseram as necessárias cautelas. No que se refere a lançadores nacionais, além da indisponibilidade dos referidos equipamentos, a médio e longo prazo, são óbices rotineiros a carência de recursos e pessoal especializado.

A essas limitantes se somam as restrições e bloqueios no contexto do MTCR (Missile Technology Control Regime), impondo pesados acordos de salvaguarda devido à comunalidade tecnológica entre os veículos espaciais e os misseis de longo alcance. Paralelamente, no que se refere à prestação de serviços de lançamento, por representar uma atividade comercial deficitária, grandes investimentos e recursos públicos serão mandatórios. Assim, a criação e manutenção operacional de um Centro de lançamentos só será viável frente a uma decisão soberana e estratégica do Estado nacional.

Como ilustração de tais condicionantes, atualmente há 12 países no planeta que tiveram acesso ao espaço com seus próprios meios, chamados “Países Lançadores” e, entre eles, somente os Estados Unidos, a Federação Russa e a União Europeia possuem a capacidade de comercializar lançamentos.

O Centro deverá ser provido de uma faixa territorial ou marítima, sobre a qual se desenvolverá a trajetória inicial do veículo, sem sobrevoo de áreas habitadas até o último retombamento dos estágios propulsores. Preferencialmente são selecionadas faixas em mar aberto e voltadas para o leste, sentido da rotação da terra.

Esta posição preferencial deve, também, garantir o acesso de grandes cargas por mar, terra e ar; bem como viabilizar uma faixa larga de azimutes para lançamentos em diferentes inclinações de órbita. Quando instalado próximo ao equador, melhora o desempenho para lançamentos de satélites em órbitas equatoriais e, em particular, das geoestacionárias.

No rol desses problemas, a questão territorial é a que mais afeta o Centro de Lançamento de Alcântara (CLA). Em 1980 o Estado do Maranhão decretou a desapropriação de uma área de 52 mil hectares para instalação do CLA, e em 1986/87 se iniciaram os reassentamentos de famílias, como previsto no Plano Diretor do Centro, mas as demais transferências nunca se concretizaram. Em 1991, Decreto presidencial efetivou o terreno como “de utilidade pública”, retificando a área a ser desapropriada que, somada com as devolutas, totalizariam 62 mil hectares.

Em 2008 o INCRA tornou público, via Edital publicado no DOU, o Processo Administrativo para regularização fundiária de terras de quilombo em Alcântara (RTDI), abrangendo uma área de 78,1 mil hectares e que inclui toda a costa Norte da península. Dessa forma, caso seja implementado o RTDI, restarão disponíveis somente 8.713 ha, limitando todas as necessárias expansões e comprometendo, em definitivo, o CLA como potencial Centro para lançamentos comerciais.

Além dessas questões geográficas, uma série de outros aspectos influenciam na efetivação de um Centro de Lançamento capaz de viabilizar operações comerciais. Dentre eles é importante ressaltar: a obtenção de Seguros para veículos de altíssima confiabilidade, do conjunto lançador/satélite; dispor de uma legislação específica para lançamentos comerciais; dispor de meios operacionais e equipes com alto nível de treinamento, capazes de assegurar o bom resultado da operação; agilidade nas operações alfandegárias, tributárias e trabalhistas, devido à grande presença de estrangeiros nas operações.

O Centro de Lançamento de Alcântara já passou por 2 grandes tentativas de trazer parceiros para lançar seus veículos a partir de suas instalações. Em novembro de 1996, como caminho para custear a manutenção, bem como visando a preparação e desenvolvimento do CLA, para veículos estrangeiros e/ou desenvolvidos em parceria com o Brasil, foi assinado Convênio entre o, então, Ministério da Aeronáutica e a Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária – INFRAERO, sendo a Agência Espacial Brasileira (AEB) interveniente do processo.

Nas demonstrações de interesse, as empresas que buscavam o CLA sempre consideravam tais limitantes, deixando claro que o negócio só seria sustentável quando o governo, por razões estratégicas, arcasse com os custos não recorrentes e subsidiasse os recorrentes. Além de óbices e exigências inaceitáveis por parte do governo Americano, uma série de outras dificuldades deveriam ser superadas, tais como: ausência da licença ambiental; ausência da infraestrutura, como porto para cargas e meios de transporte de pessoal de São Luís para Alcântara; ausência da definição dos procedimentos de importação do veículo e dos satélites, por parte da Receita Federal brasileira; ausência de uma lei que regulamentasse a participação do governo brasileiro nos danos contra terceiros.

Com a desistência das empresas comerciais dessa fase pioneira, restou ao CLA participar no desenvolvimento dos veículos domésticos. Mas, em 2003, o governo federal decidiu pela assinatura de um Acordo com a Ucrânia e consequente criação da binacional ACS (Alcântara Ciclone Space). Em 2005 foi publicado o Decreto Legislativo que autorizava sua instalação. Tal decisão acabou agravando os rotineiros óbices, além de se transformar num sorvedouro dos escassos recursos orçamentários.

Os técnicos governamentais, desde o início, tinham plena ciência das falsas perspectivas de absorção tecnológica, probabilidade de sucesso e viabilidade industrial. No entanto, por motivações políticas no âmbito do governo federal, somente em 2015 ocorreu a necessária decisão para o encerramento do danoso Acordo, que induziu esperanças a pessoas e grupos iludidos pelas incorretas argumentações dos parceiros ucranianos.

Além de envolver o país numa aventura desastrosa aos interesses nacionais, as dispendiosas obras de uma infraestrutura inacabada, custeadas pelo Brasil, para um proposto foguete Ciclone IV, ocuparam com escombros a faixa restante do limitado sítio de lançamentos.

Frente a esse quadro lamentável, surge como piada de mau gosto as notícias divulgadas pela mídia, de hipotético Acordo internacional para a exploração comercial do CLA. Além de não atenderem os interesses nacionais e da conhecida indisponibilidade de área vantajosa para novos lançamentos, persistem no entorno do CLA complexos problemas sociais e ocupações desordenadas, cuja realidade violenta os rígidos requisitos para as operações de lançamentos espaciais.

Tenente-Brigadeiro-do-Ar R1 Sergio Ferolla e Engenheiro João Ribeiro Junior – Acadêmicos da Academia Brasileira de Engenharia Militar – ABEMI

Redação

4 Comentários

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  1. Não só USA, Russia e UE…….

    Tambem comercializam o lançamento de satélites a China que vende o “pacote” completo ( lançador, satélite, base e seguradora ), como a Ucrania ( tanto de seu território, como vendendo lançadores e/ou foguetes para empresas americanas ), e o Japão que está entrando pesado neste mercado.
    Quanto ao rolo da funesta ACS não foi por falta de aviso, inclusive alertas dados pelos próprios “parceiros comerciais” da Y & Y, que sem um TSA a viabilidade economica da ACS seria inexistente, já quanto a “tecnologia” os ucranianos foram claros: A ACS/Cy-4 seria uma empresa comercial, e que a Ucrania respeitaria sem tergiversar o MTCR.

  2. Caro Tenente-Brigadeiro. Não Nos faltam nem as penas. Os Norte-Americanos nos mostraram na concorrência pelos Caças da FAB, o tamanho do interesse deles numa parceria com o Brasil. Na farsante compra da EMBRAER, que foi anunciada como ‘parceria’ e nada mais representa que uma simples compra, então voltaram a falar em parceria. ‘ Farms here. Forest, there ‘. “Jobs and technology, here. Carry crates, there”. Somos Surreais !! Damos desculpas ao interesse estrangeiro, até quando nos deparamos com seus fiascos monumentais. Ou não estamos enxergando o 737MAX da Boeing ou o A 380 da AirBus? Somos Nós que precisamos deles? Indústria do Atraso e da Pobreza. País de muito fácil explicação.

  3. Os americanos precisam da base de lançamentos de Alcântara, porque quando ocorrer o “grande evento”, perderão suas instalações no Cabo Canaveral para o mar, que vai invadir e inutilizar tudo. Se não ganharem Alcântara por bem, ganharão pela força bélica. Melhor entregar de uma vez, já que não podemos com eles.
    Ainda, nunca permitirão que o Brasil domine a tecnologia espacial – já levaram a Embraer, aviação. Logo, vamos preservar os dedos, entregando os anéis de uma vez.

  4. Nassif;
    Os articulistas estão como a velhinha de Taubaté.
    Os estados unidos querem na realidade ter um enclave aqui no Brasil, não estão nem aí para lançar foguete ou não. O objetivo é ter um pezinho na Amazônia, e mais recentemente ter a Venezuela sob controle.
    Como os dois podem garantir que o tal acordo foi “hipotético”?
    O que o povo brasileiro quer é que seus militares defendam os interesses do povo. Militar não deve ter posições políticas.
    Quando eles mencionam a tal da “experiência desastrosa” pela assinatura do acordo com a Ucrânia. Foi a única citação que ambos ou um só, adjetivou uma situação, será porque era o Lula presidente?
    Na oportunidade duvido que o governo tenha tomado uma decisão as cegas, certamente ouviu os bravos, patriotas e abnegados militares da aeronáutica.
    Quando os gringos assumirem Alcântara certamente estes dois serão os primeiros a enviar currículos.
    ET: Não me lembro ter visto nenhum destes autores comentarem a entrega da Embraer a boing.
    Se dependermos dessa gente vamos continuar como estamos.
    Genaro

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