Retomada da economia: incerta e ainda distante, por Emilio Chernavsky

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Retomada da economia: incerta e ainda distante

por Emilio Chernavsky

No último dia 12 o governo Temer completou seis meses. Nesse período, as expectativas capturadas pelos índices de confiança melhoraram continuamente. Ancorados nessa melhora, a maioria dos analistas econômicos se expressando tanto em boletins preparados por instituições financeiras como nos meios de comunicação prognosticava o iminente início da retomada. Não foram raras as manchetes otimistas e matérias na imprensa prevendo, por exemplo, que “… a retomada econômica será mais rápida e forte do que muitos imaginam” [1]. O otimismo parecia se justificar com a queda recente da inflação e o início da redução da taxa básica de juros. Ainda, o governo mantinha boas relações com o Congresso, e a Câmara dos Deputados aprovava com ampla maioria proposta de emenda constitucional – PEC que congela por ao menos dez anos o total de gastos primários da União, vista pelo governo como indispensável para buscar o equilíbrio das contas públicas e, com isso, a recuperação da economia.

Nas últimas semanas, entretanto, algo parece ter mudado. Os índices de confiança pararam de melhorar[2] e alguns, inclusive, recuaram, e tornaram-se comuns as análises apontando que a retomada demorará mais tempo que o inicialmente previsto. Tal mudança ocorre em meio à constatação de que a melhora prometida em importantes indicadores objetivos da atividade econômica que se seguiria à recuperação das expectativas é muito mais lenta do que o esperado ou simplesmente não ocorreu.

Embora contrariando as previsões da maioria dos analistas e do próprio governo, esta situação de modo algum deveria surpreender. De fato, ao tempo em que aquelas previsões otimistas eram elaboradas, o volume de vendas no comércio, seguindo a trajetória iniciada havia mais de um ano, continuava a cair, elevando a ociosidade da indústria e mesmo dos serviços. O aumento da ociosidade, por sua vez, levava à deterioração do mercado de trabalho que, ao registrar a elevação do desemprego e a redução dos salários reais, prenunciava a queda da renda disponível para o consumo no momento seguinte. Por outro lado, em um cenário de aumento da incerteza e da inadimplência, o volume de crédito em termos reais igualmente se contraía. A redução de ambos, renda e crédito, levava e leva a uma nova rodada de queda nas vendas, aumentando a capacidade ociosa e realimentando a espiral recessiva em que o consumo das famílias, responsável pela maior parcela da demanda das empresas, hoje se encontra.

Quanto às exportações, os sinais pontuais de melhora verificados desde 2015 têm se arrefecido em meio à forte valorização do Real ocorrida nos últimos meses, que reduziu a competitividade do produto nacional e favorece sua substituição pelo estrangeiro nos mercados externos e, inclusive, no próprio mercado interno. A valorização da moeda, associada à estagnação da economia global e às dúvidas em vários países quanto à abertura comercial, tornam improvável a recuperação significativa das exportações mesmo que o governo consiga cumprir a promessa de multiplicar os acordos comerciais.

Finalmente, estados e municípios, pressionados pela queda das receitas resultante do aprofundamento da recessão, se vêm obrigados a reduzir seus gastos, particularmente os de investimento, agravando a queda da demanda e contribuindo para acelerar a espiral recessiva.

A resposta quase que única do Governo Federal à deterioração da situação real da economia tem sido a de se concentrar na aprovação da citada PEC, que garante a aplicação de um ajuste fiscal permanente na União e elimina a possibilidade de aumento do gasto público para induzir a retomada. Ao fazer isso, governo e os analistas que aplaudem a medida esperam que o aumento da credibilidade da política econômica e a queda das taxas de juros resultante da austeridade melhorem as expectativas dos agentes e levem à recuperação do investimento privado, o que em pouco tempo compensaria a queda na demanda e daria origem a um novo ciclo virtuoso de crescimento. Ou seja, o ajuste fiscal seria expansionista e estimularia, em vez de inibir, a atividade econômica. Teoricamente plausível, a ideia tem tido resultados frustrantes, quando não desastrosos, nos países que tentaram aplicá-la na prática.

No caso do Brasil, com a satisfação nos círculos empresariais com o discurso do novo governo – e com os ganhos financeiros por muitos obtidos com a valorização da moeda e a euforia dos mercados –, os índices de confiança de fato melhoraram, aparentemente “confirmando” as previsões otimistas. Bastava apenas que essa confiança se traduzisse efetivamente nos esperados investimentos.

Contudo, contrariando essas expectativas, os investimentos, ao invés de aumentar, continuaram a cair nos últimos meses a despeito da melhora da confiança e do festejado aumento das captações de recursos no exterior – investidos majoritariamente no mercado financeiro. Ainda que decepcionante para os defensores da viabilidade prática do ajuste fiscal expansionista, tal queda era previsível, uma vez que mesmo com a redução nas taxas de juro e o aumento da credibilidade da política, a contração da demanda e o excesso de capacidade fazem com que a rentabilidade esperada do investimento produtivo tenda a ser baixa ou até mesmo negativa. Nessa situação, dificilmente a postura do empresário é a de realizar investimentos para elevar uma produção que provavelmente encalharia e geraria prejuízos; ao contrário, ele tende a reduzi-la, adaptando-a a uma demanda menor, e a aplicar o eventual excesso de caixa gerado em seus negócios fora do circuito produtivo. Racional do ponto de vista do empresário individual, essa decisão contribui para encolher a demanda ainda mais e a manter o país em recessão.

Diante dos resultados insatisfatórios, os quais sugerem que a reação dos empresários tem se guiado pelo comportamento da demanda e não pela expectativa de melhora das contas públicas, aqueles que creem que um ajuste fiscal duradouro baseado no corte dos gastos levaria ao crescimento ainda podem atribuir esses resultados a uma suposta insuficiência do ajuste, que deveria ser mais longo e profundo. Mesmo sem evidências empíricas para sustentar essa posição, é possível que tenham a convicção de sua validade. Mas, a crer nas evidências já acumuladas, é mais razoável esperar que um eventual aprofundamento do ajuste, em vez de levar à retomada, como eles pensariam, manteria a demanda deprimida e a adiaria ainda mais. De todos os modos, mesmo que o aprofundamento não ocorra, a rapidez com que alguns imaginaram que essa retomada viria evidentemente não se verificou. E, dada a continuidade da queda dos investimentos e da demanda e a falta de idéias no governo para mudar a situação, ainda deve demorar a vir. A frustração das previsões que vem se dando em 2016 deve continuar nos próximos anos.

Contudo, em algum momento no futuro a espiral recessiva diminuirá seu ímpeto e, partindo de uma base rebaixada, a economia poderá voltar a crescer. Não pela confiança dos empresários nas virtudes do ajuste, que hoje já se mostra insuficiente, mas sim em razão, por um lado, das perspectivas concretas de lucro com o aumento da competitividade da produção no país derivado da diminuição do custo do trabalho após anos de alto desemprego e reformas liberalizantes e, pelo outro, da eventual realização de novas concessões em condições excepcionalmente vantajosas. Todavia, o crescimento substancial das exportações, em especial de manufaturados, numa economia global estagnada em que países com custos salariais baixíssimos se inserem progressivamente, é no mínimo improvável. Tampouco é plausível que sem o aporte massivo de recursos do governo, em um período de grande incerteza e com os atores nacionais enfrentando problemas jurídicos e financeiros, os investimentos em infraestrutura, cuja realização depende da estabilidade de contratos que perpassam vários governos ao longo de décadas, ocorram em número suficiente para fornecer um estímulo decisivo à atividade. Por isso, se apenas se apoiar nesses dois elementos e não for acompanhada por medidas específicas para recuperar a demanda deprimida após a longa e profunda recessão, a retomada, além de incerta e, seguramente, ainda distante, quando vier será também frágil.

[1]   “A decolagem da economia”, Isto É Dinheiro, 22/07/2016.

[2]   Havia indícios de que isto poderia ocorrer. Ver por exemplo https://jornalggn.com.br/noticia/a-confianca-da-industria-melhora-a-retomada-estara-proxima-por-emilio-chernavsky

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

2 Comentários

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  1. Mas como esperam uma retomada

    Mas como esperam uma retomada da economia quando os conspiradores estão ativamente sabotando as fundações dela para redirecionar os recursos para o mercado financeiro?

  2. Tem outro fator que não está sendo levado em conta.

    Donald Trump espera relançar a economia norte-americana com um pacote de investimentos públicos que somente uma pequena parcela virá do Estado, o resto virá de desonerações fiscais e alguma chantagem para o reingresso de capitais norte-americanos no exterior.

    Ela deverá lançar uma série de PPPs para a infraestrutura, que vão concorrer com o ingresso de capitais que poderiam ou deveriam entrar no Brasil segundo o programa do governo brasileiro.

    Outro problema é que a retomada do aumento da taxas de juros nos USA já está sendo prevista pelo FED 

    (http://www.bloomberg.com/news/articles/2016-11-17/yellen-says-fed-interest-rate-hike-could-come-relatively-soon)

    ou seja, lenta e gradualmente, porém exatamente quando havia previsões de melhorar a situação econômica brasileira é que os jutos irão subir.

    Logo não vai ser em 2017 nem mesmo e 2018, talvez lá por 2019?

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