Rômulo, Sobrenome Desenvolvimento Nacional, por Alexandre Barbosa

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Rômulo, Sobrenome Desenvolvimento Nacional

por Alexandre de Freitas Barbosa

Aos 104 anos de seu nascimento, o desenvolvimento nacional – utopia e práxis a que Rômulo Almeida dedicou toda a sua vida – encontra-se novamente em um beco sem saída.

Como práxis, pois vivemos a encarnação perfeita do anti-desenvolvimento. Desde a posse do governo ilegítimo, o país vê o desemprego e a informalidade explodirem, a miséria aparece, sem disfarces, em todos os cantos do país, e as empresas estatais são vendidas como sucata. O discurso da competitividade comandado pelo “mercado” destrói direitos trabalhistas e sociais, enquanto a subserviência às grandes potências nos repõe na velha condição de satélites.

Já a utopia do desenvolvimento como processo de transformação das estruturas econômicas, políticas e sociais da nação e do sistema internacional, transformou-se em jargão cifrado e inacessível aos cidadãos. O “desenvolvimentismo” em nossas plagas tem se resumido a um fenômeno restrito, em grande medida, à política econômica e ao espaço dos economistas.

Qualquer perspectiva contra-hegemônica, para merecer o substantivo desenvolvimento, deve partir das formulações do mestre Rômulo, desde que atualizadas para o novo cenário nacional e internacional. Mas não só dele. Celso Furtado, Ignácio Rangel, Josué de Castro, Helio Jaguaribe e Darcy Ribeiro, dentre tantos outros, fizeram parte de um fragmento de geração cuja missão auto-imposta era a transformação das estruturas institucionais obsoletas para ampliar as potencialidades nacionais. O seu espaço de atuação era o setor público. Munidos de um sentido de missão, esses “intelectuais orgânicos do Estado” procuraram estabelecer novas pontes com a nação e o povo. Queriam enraizar os seus projetos nas forças vivas da sociedade, rompendo os diques do Estado cartorial onde se socializavam as elites e os grupos dominantes.

Rômulo Almeida – o baiano, ex-integralista, formado em direito, servidor concursado pelo DASP e economista autodidata – entra em cena no dia 11 de fevereiro de 1951. Logo de cara recebe a tarefa de elaborar a mensagem presidencial ao Congresso do recém-eleito presidente Vargas. O prazo, um mês. Comanda uma legião de servidores públicos que se dedicam à tarefa. O texto sóbrio elaborado por técnicos sintetizava com números, projetos e frentes de atuação a utopia do desenvolvimento nacional que mobilizaria o país ao longo dos próximos anos. Defendia o fortalecimento da produção nacional como pré-condição para a ampliação das trocas internacionais. A indústria era o sustentáculo, mas não o fim do processo. Havia, sim, as indústrias de base, mas também havia espaço para a agricultura (reforma agrária mais crédito) e a infra-estrutura (transporte e energia). O problema das disparidades regionais já aparecia como estratégico, assim como o “progresso social”. Não advogava tampouco um “distributivismo prematuro” em detrimento da capitalização e da produtividade. No âmbito externo, uma nova diplomacia cumpriria papel de destaque para a promoção do desenvolvimento.

A leitura pejorativa do “desenvolvimentismo” como um processo autárquico, inflacionista e, por natureza, desigual, tem a ver com a formulação apressada dos novos neoliberais (herdeiros de Eugenio Gudin), que assumiram a condução da política econômica nos anos 1990. Eles procuraram enterrar essa história, assim como os regimes militares que utilizaram o Estado como simples ferramenta de expansão desbragada das forças produtivas do capitalismo cada vez mais subdesenvolvido e dependente.

Outra data merece destaque. No dia 15 de dezembro de 1951 o projeto de lei com a criação da Petrobras era encaminhado ao Congresso, acompanhado de sua exposição de motivos. A elaboração do projeto levara nove meses, contando com a liderança de Rômulo Almeida e Jesus Soares Pereira. Eles mapearam o terreno político e as opções em disputa, seguindo à risca o recado do presidente: “quero um projeto nacionalista, para funcionar”. Consultaram um círculo restrito de técnicos, consultores jurídicos e militares. Encarregaram-se de dar viabilidade financeira à empresa, levantando os recursos fiscais necessários, conferindo a ela o papel de única concessionária no território nacional, a ser controlada pelo Estado que deteria 51% das ações (inalienáveis) com direito a voto. A Petrobras seria uma espécie de monopólio virtual, contando com subsidiárias setoriais (para exploração e refino, transporte, distribuição e atuação internacional) e regionais (por área de atuação). À maneira dos grandes trustes, atuaria como um holding, para atender as necessidades da economia nacional, dotada de flexibilidade estratégica na operação. A distribuição ficaria, por enquanto, de fora do monopólio, que atacaria as frentes de pesquisa, exploração e refino, os objetivos essenciais. Como sabemos a empresa 100% estatal vingou por pressão da UDN liberal que quis surfar na onda nacionalista. O projeto demoraria mais de dezenove meses no Congresso, tendo passado dezessete vezes por suas comissões e plenários.

A empresa veio ao mundo em 1954, parida por servidores públicos que concebiam a atuação pragmática do Estado como mecanismo para eliminar os gargalos e criar novas cadeias produtivas. Se a bancada baiana lutara na época pelos royalties, Rômulo estava mais preocupado com a possibilidade de descentralização produtiva da economia brasileira. O Pólo Petroquímico de Camaçari, criado décadas depois, seguiria o modelo tripartite – empresa estatal, privada nacional e transnacional – por ele proposto, antes de ser entregue ao seu adversário político Antônio Carlos Magalhães.

Importa ressaltar que quando da sua passagem pelo governo da Bahia, entre 1955 e 1961, ele mais uma vez arrebanhara uma equipe interdisciplinar para formular um projeto de desenvolvimento estadual, surfando na onda da SUDENE e do Plano de Metas. Partia do pressuposto de que o salto industrial com reformas de base – educação, reforma agrária com agregação de valor na agricultura, planejamento estatal com novo pacto federativo, reforma orçamentária, expansão da infra-estrutura e articulação produtiva entre as diversas regiões do estado e entre segmentos econômicos, da grande indústria à pequena produção popular – chegaria à Bahia.

Desiludido adiante com os resultados do planejamento estadual – as elites regionais queriam a intervenção do Estado apenas para ampliar o potencial de acumulação de capital -, ele imaginara “ter legado uma equipe ao governo com um poder competitivo ao da política de clientela”. Muitos dos quadros por ele formados desaguariam nas novas empresas que se beneficiaram da política de clientela modernizada com o auxílio das empresas e fundos estatais sob a batuta da ditadura militar.

De maneira semelhante, no período em que fora o principal assessor econômico de Vargas (1951-1954), ele se empenhou em vários projetos que jamais vieram à luz: reforma agrária; formação de cooperativas agrícolas e urbanas de pequenos produtores de bens e serviços; expansão descentralizada da habitação popular; reforma administrativa; desenvolvimento regional (com a criação do Banco do Nordeste do Brasil e da Superintendência de Valorização Econômica da Amazônia); e nova estrutura institucional para a expansão do setor elétrico.

Pouca gente sabe que Rômulo foi um dos principais funcionários internacionais do Estado brasileiro nos anos 1960, primeiro como secretário-geral da ALALC (Associação Latino-Americana de Livre-Comércio); e depois como membro do Conselho de Nove Sábios da OEA, encarregado da supervisão dos compromissos multilaterais assinados na Carta de Punta del Este, de 1961, e que seriam ultrapassados pelo bilateralismo unilateral dos Estados Unidos. Rômulo entrega o cargo no dia 3 de abril de 1966, quando dispara contra o que chama de “clientelismo internacional do tipo colonialista” da potência do norte, em pleno governo Castello Branco, provavelmente como forma de forçar o seu auto-exílio em solo nacional.

Nos anos 1970, esse guerrilheiro de terno e gravata adentraria os vários gabinetes da tecnocracia da ditadura militar para detalhar os projetos e as iniciativas de sua empresa de consultoria, a CLAN – uma espécie de mutirão tecnológico, conforme suas palavras; e viajaria pelo Brasil, fazendo palestras a universitários, padres, empresários e líderes sociais. Denunciava então o modelo político-econômico em curso, e se preparava para o que (assim ele imaginava) estaria por vir: um novo salto dialético da história, tal como aquele que protagonizara no início dos anos 1950.

Nosso “pensador praxista”, como se auto-intitulava, não deixou uma obra de fôlego. Mas uma concepção de desenvolvimento integral, forjado na transversalidade das iniciativas pilotadas pelo Estado, jamais concebido como onipresente. Seu papel seria o de “atuar nos vazios setoriais, temporais e espaciais”, articulando as regiões ao desenvolvimento nacional, e as dimensões cultural, política e social à dimensão econômica. Defendia o apoio ao setor privado nacional, por ser passível de regulação estatal, e o monitoramento do capital estrangeiro necessário, até que novos personagens entrassem em cena para empolgar as rupturas desejadas no processo de desenvolvimento. Uma utopia ao rés do chão: nacionalista, cosmopolita e regionalista. Sim, em Rômulo essa integração se fazia possível.

Ao final da vida, nos anos 1980, era considerado, por muitos, um “velho burguês desenvolvimentista”. Longe disso. Prefiro vê-lo como um gato escaldado nas armadilhas do capitalismo selvagem, que emergira como fruto contraditório das instituições que ele ajudou a criar, uma vez apropriadas em bloco pelas classes dominantes. No Brasil e na Bahia. Ontem como hoje.

Seu lema era o seguinte: um dia a onda vira e precisamos estar preparados. A batalha pelo desenvolvimento na periferia é um longo e tortuoso processo que exige obstinação contra-hegemônica, pensamento autônomo e ousadia propositiva.

 
Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

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