Sonhos de um verão muito quente

Chego a casa em que ocorrerá a festa estupefato. Uma amiga idosa, advogada aposentada, me pergunta o que ocorreu. Digo que a caminho dali presenciei algo que nunca havia visto na minha vida. Ela pergunta o que foi, pego-a pela mão.
– Vou lhe mostrar.
A duas quadras de distancia da casa, numa avenida movimentada cheia de lojas,  o chão está forrado de papel. As pessoas que transitam por ali continuam a jogar papéis no chão.
– Você está vendo? – digo.
– Vendo o que? – responde minha amiga idosa.
Apanho alguns papéis ao acaso.
– Todos esses papéis são recibos de pagamento de salários. Documentos que mostram quanto as pessoas ganharam. Num processo mostrariam, também, o que elas deixaram de receber. Eles são provas importantes e deveriam ser guardados e não jogados na rua.
– Você está vendo? – digo.
– Foi você que não viu, meu caro.
– Não vi o que?
– Que ninguém mais acredita na Justiça.
Voltamos para a festa. O dono da casa já acendeu o fogo da churrasqueira e está preparando os espetinhos de marmelada e de goiabada. Quando são levados ao fogo eles começam a derreter e a pingar no carvão em brasa. O cheiro adocicado e nauseabundo me acorda.
As imagens deste sonho são poderosas. Tentarei interpreta-las.
Quando as provas documentais são irrelevantes para a solução das disputas jurídicas tudo o que uma sociedade burocratizada produz deixa de ter qualquer valor. O lixo acumulado nas ruas não sugere que as disputas deixarão de existir, mas que elas terão que ser resolvidas sem a mediação dos juizes.
Marmelada! É isso que os advogados dizem ao se deparar com uma decisão judicial que violenta a Lei e/ou ignora as provas documentais existentes no processo. O churrasco desse tipo marmelada é  tão ou mais desagradável do que aquele que foi feito no sonho.
Todo conflito judicial deveria ser resolvido de maneira a não provocar a auto-destruição dos referenciais de segurança. Sem eles ninguém mais será capaz de saber o que pode e o que não deve ser levado ao fogo.
 

Fábio de Oliveira Ribeiro

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