Temer gasta R$ 17 bi para se salvar às custas de cortes e contenções no país

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Foto: Christopher Goodney / Bloomberg
 
Jornal GGN – Bilhões de reais com a liberação de emendas parlamentares a aliados, criação de cargos comissionados, nomeações e ameaças de retiradas de postos em caso de “traições” são algumas das medidas de Michel Temer para garantir menos de 342 votos de deputados na denúncia contra ele na Câmara dos Deputados. 
 
Mas as atuações da corrida do presidente peemedebista para se manter na cadeira não são só gestos de desespero contra a pesada crise política que afeta sua gestão. Inserem-se no cenário que crise econômica do país, em paralelo a contraditórias medidas de cortes em diversas pastas, incluindo a educação, contigências de recursos para órgãos de investigação, como a Polícia Federal e Operações como a Lava Jato, e até o aumento do imposto da gasolina para a população.
 
Nada disso se vê afetado, em meio à estratégia de Michel Temer de garantir unicamente o apoio a si, chegando ao ponto de prever uma possível flexibilização da meta fiscal prevista no ano: engana-se quem acredita que é um arrependimento dos cortes que paralisam o país. É para liberar mais emendas e criar mais cargos comissionados a políticos e partidos que o apoiem.
 
Trata-se de uma verdadeira “campanha”, aponta o jornalista Jean-Philip Struck, em reportagem na Deutsche Welle (DW) Brasil. O repórter calculou uma somatória de mais de R$ 17 bilhões para Temer se salvar, às custas dos demais “sacrifícios” que prefere ter cautela nos investimentos do país. Leia a matéria completa:
 
Por Jean-Philip Struck
 
 
Do DW Brasil
 
Às vésperas de votação na Câmara sobre acusação por corrupção, presidente promete bilhões de reais para emendas, cria cargos comissionados e atende a demandas de bancadas. Governo já cogita inclusive rever meta fiscal.
 

A poucas horas de enfrentar a sessão na Câmara dos Deputados que pode definir o futuro do seu governo, marcada para esta quarta-feira (02/08), o presidente Michel Temer tem usado sem cerimônia a máquina federal para conquistar votos de deputados.

Sua “campanha” inclui a promessa de bilhões de reais para emendas parlamentares e projetos em municípios e estados, criação de cargos comissionados e atendimento de demandas específicas de bancadas.

As medidas contrastam com o discurso de “sacrifício” que Temer evocou ao assumir o governo em 2016. Para se salvar de uma eventual admissão pela Câmara da denúncia criminal por suspeita de corrupção, o presidente pode gastar mais de 17 bilhões de reais apenas em emendas parlamentares e verbas destinadas para governos e prefeituras.

Ao ceder em projetos dispendiosos de deputados e criar mais cargos, Temer parece também estar jogando uma pá de cal na política de ajuste fiscal prometida no início do governo.

Emendas

Entre as medidas para convencer os deputados a ficarem ao lado do governo, a mais explícita tem sido o direcionamento de verbas para emendas – recursos pedidos pelos deputados que normalmente são gastos em suas bases eleitorais. Entre o início de junho e o final de julho, período em que o escândalo da JBS veio à tona, o governo destinou 4,1 bilhões de reais para esse fim. No acumulado do ano até maio – antes do caso JBS –, o governo havia empenhado apenas 102,5 milhões de reais.

Pelas regras, parlamentares governistas ou da oposição são contemplados com a mesma cota, só que o governo é que estabelece o ritmo da distribuição. De acordo com a ONG Contas Abertas, parlamentares que declaram abertamente apoio ao governo Temer receberam em média a promessa de 1 milhão de reais a mais do que os deputados que vão votar pela aprovação da denúncia.

A estratégia das emendas foi usada pela antecessora de Temer, Dilma Rousseff. Nas semanas anteriores à votação de seu impeachment pela Câmara, a presidente anunciou a distribuição de 3,2 bilhões de reais.

No caso de Temer, o laboratório para a tática foi a votação da denúncia pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, que fez a análise preliminar da denúncia na primeira quinzena de julho. Trinta e seis dos quarenta deputados que votaram a favor do presidente foram contemplados com 134 milhões, segundo a Contas Abertas. O campeão foi justamente o deputado Paulo Abi-Ackel (PSDB-MG), que apresentou o novo relatório favorável ao presidente. No total, ele deve receber 5,1 milhões de reais.

Deputados da oposição vêm criticando a distribuição de recursos. Segundo Chico Alencar (PSOL-RJ), a destinação de tantas verbas para emendas “caracterizam evidente compra de votos, com consequências de obstrução à Justiça”.

Mais verbas e cargos

A distribuição de recursos não passa só pelo Legislativo. Após atravessar 2016 falando duro com estados da federação que estão atolados em dívidas, o governo parece ter mudado de ideia após o escândalo da JBS.

No dia 12 de julho, o Planalto anunciou a liberação de 11,7 bilhões de reais para apoiar o financiamento de obras e concessões de infraestrutura em estados e municípios. No dia seguinte, foi a vez de o Ministério da Saúde anunciar um investimento de 1,7 bilhão de reais para a rede de atenção básica no país, incluindo a compra de ambulâncias para 1787 municípios. As duas medidas foram anunciadas horas antes da votação da denúncia pela CCJ.

Além de direcionar recursos, o governo também abandonou sua propagandeada política inicial de reduzir o número de cargos comissionados. Segundo a Contas Abertas, entre maio e junho, o governo criou mais de 500 funções do tipo na administração federal, elevando o total para 20.321.

A liberação das verbas e criação de cargos também ocorre em um momento em que o governo prevê um rombo de 139 bilhões de reais nas contas públicas. Segundo o Ministério do Planejamento, tanto o envio de recursos para estados e municípios é um “procedimento absolutamente normal”. Já o empenho das emendas, segundo a pasta, é “um procedimento obrigatório previsto na Constituição e na legislação orçamentária”.

Ajuste fiscal em risco

A União tem a receber cerca 300 bilhões de reais em dívidas. Para tentar convencer os devedores – empresas e pessoas físicas – a quitarem os débitos, o Planalto pretende passar um projeto de lei para criar mais um programa de refinanciamento, ou Refis.

Na versão originalmente promovida pelo Planalto, o Refis de 2017 pretendia arrecadar pelo menos 13,3 bilhões ainda neste ano. Só que precisando de apoio, o governo pouco fez para impedir em 17 de julho a aprovação por uma comissão mista de um novo relatório que prevê descontos no Refis que podem chegar a 99%.

A iniciativa partiu de um deputado do próprio partido do presidente: Newton Cardoso (PMDB-MG). O texto ainda precisa ser votado no plenário da Câmara. Caso a medida passe, nem 500 milhões de reais devem chegar aos cofres do governo.

Nesta segunda-feira, o jornal Folha de S. Paulo informou que os ministérios da Fazenda e do Planejamento já cogitam ter que rever a meta fiscal e aumentar a previsão de déficit em 2017.

Não se sabe se Temer pretende usar o veto para confrontar os deputados, que têm em suas mãos o futuro da Presidência. Pelo menos 76 deles parecem diretamente interessados na aprovação de um Refis mais generoso. Empresas ligadas a eles devem 217,8 milhões de reais, segundo o jornal O Estado de S. Paulo.

Outros 29 deputados têm 18,9 milhões de débitos inscritos em seus próprios CPFs. Até mesmo o relator Cardoso é um devedor. Empresas ligadas a ele devem 51 milhões de reais.

Reivindicações das bancadas

Sentindo o enfraquecimento do governo, bancadas da Câmara têm pressionado o Planalto para que suas demandas sejam atendidas. Em julho, a bancada ruralista conseguiu do governo a sanção da “medida provisória da grilagem” – como foi chamada por ambientalistas –, que prevê a legalização em massa de terras públicas invadidas.

Dias depois, o presidente aprovou um parecer da Advocacia-Geral da União que prevê que um entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a criação da reserva indígena Raposa Serra do Sol passe a valer para todas as demarcações.

Pelo entendimento do STF, só são terras indígenas as ocupadas por índios na data da promulgação da Constituição de 1988. A decisão do STF não tinha efeito vinculante, mas a bancada convenceu o presidente do contrário. O Ministério Público Federal classificou a medida como um retrocesso para a causa indígena no Brasil.

O deputado Nilson Leitão (PSDB-MT), coordenador da Frente Parlamentar Mista da Agricultura, já disse que vai votar a favor do presidente. “É inegável que com Temer muitas pautas históricas defendidas pela bancada foram atendidas”, disse Leitão ao Estado de S. Paulo.

Já a Frente Parlamentar Evangélica conseguiu do governo em junho que o Ministério da Educação ordenasse o recolhimento de 93 mil exemplares de um livro de contos. A temática de incesto de um dos contos – que narrava a história de um rei que deseja se casar com uma de suas filhas – revoltou os evangélicos que compõem a Comissão de Educação da Câmara. A resposta do ministério mostrou que o governo vem cedendo para o grupo.

Segundo um levantamento de O Estado de S. Paulo, 80% dos 213 parlamentares que não divulgaram até agora como vão votar na sessão que vai analisar a denúncia contra Temer fazem parte de uma das bancadas “BBB” (boi, bala e Bíblia).

 

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

4 Comentários

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  1. Revoltante

    O povo sofrendo, o Pais sendo levado à falência e essa figura nefasta so pensa em si mesma. Como é possivel que não tenhamos força para tirar um homem corrupto e abjeto da presidência do Brasil!

  2. A frente parlamentar evangélica

    Ela conseguiu recolher 93 mil exemplares de um livro que falava de incesto.

    Que maravilha, finalmente o capítulo de Noé vai sair da biblia.

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