Varoufakis e a vitória da corrupção no Brasil, por Fábio de Oliveira Ribeiro

Varoufakis e a vitória da corrupção no Brasil

por Fábio de Oliveira Ribeiro

Encerrei hoje a leitura do livro “O Minotauro Global”, escrito por Yanis Varoufakis e publicado no Brasil pela editora Autonomia Literária. A obra é recomendada para qualquer pessoa que queira entender a crise de 2008 e seus desdobramentos posteriores.

Usando uma linguagem acessível, Varoufakis destrincha as armadilhas econômicas que levaram à criação, fortalecimento e morte do sistema global de reciclagem de excedentes que alimentou os déficits públicos gêmeos dos EUA (que ele chamou de Minotauro Global). Ele também demonstra como a preservação da mesma arquitetura financeira impediu os Estados de superarem a crise de 2008.

O que me chamou a atenção no livro foi um encadeamento de eventos que pode ser descrito como como um processo de decadência permanente. A ambição pelo poder corrompeu a ciência econômica, corrompeu a racionalidade política e, por fim, corrompeu a vida em sociedade condenando centenas de milhões de pessoas que foram abandonadas à própria sorte para que alguns especuladores pudessem se salvar afogando a capacidade dos Estados de realizar suas obrigações humanitárias.

A primeira manifestação da ambição de poder ocorreu ao final da II Guerra Mundial, quando os norte-americanos rejeitaram a criação explícita de um mecanismo de reciclagem de excedentes proposto por Keynes. Em Bretton Woods, durante a conferência realizada ao fim da II Guerra Mundial:

“…John Maynard Keynes fez a mais audaciosa proposta que já alcançou uma mesa de negociação de uma grande conferência internacional: criar uma União Internacional de Divisas (ICU, na sigla em inglês) e uma moeda única (que ele até batizou de bancor) para todo o mundo capitalista, com seu próprio Banco Central Internacional e instituições correspondentes. A proposta de Keynes não era tão imprudente quanto parecia. Na verdade, ela passou muito bem pelo teste do tempo. Em uma entrevista para a BBC em 2011, Dominique Strauss-Kahn, então diretor administrativo do FMI, sugeriu um retorno à ideia de Keynes como a única solução para os problemas da economia mundial pós-2008. Mas qual era a essência da proposta? Trazer os benefícios de uma moeda comum (facilidade e conveniência de comércio, estabilidade de preços, previsibilidade de transações internacionais), sem sofrer os principais deméritos que surgem quando economias discrepantes são unidas monetariamente.” (O Minotauro Global, Yanis Varoufakis, editora Autonomia Literária, 2ª edição, São Paulo, 2017, p. 94)

Os norte-americanos rejeitaram a proposta, pois queriam tirar proveito da vitória na II Guerra Mundial para desfrutar uma nova vantagem comparativa. A ambição dos EUA pelo poder resultante da transformação do dólar em referência monetária mundial atrelada ao ouro produziu benefícios a curto prazo. Mas uma combinação de fatores (declínio da participação dos EUA no PIB mundial à medida que Japão e Alemanha cresciam e ocupavam espaços no mercado mundial e aumento do déficit público causado pela Guerra do Vietnã) levou à implosão das regras de Bretton Woods e o nascimento do Minotauro Global.

A corrupção da ciência econômica durante a conferência de Bretton Woods se aprofundou após o nascimento do Minotauro Global. Em razão das medidas neoliberalizantes, que permitiram aos bancos privados criar dinheiro privado lastreado em hipotecas subprime que provavelmente não seriam pagas, o sistema global de reciclagem de excedentes que alimentava os déficits gêmeos dos EUA entrou em colapso quando a bolha financeira explodiu em 2008.

“A combinação de opção de compra, de cobertura [hedge] e alavancagem é um negócio de tal modo arriscado que, fosse no ramo farmacêutico, nem em um milhão de anos teria conseguido a aprovação da Food and Drug Administration norte-americana. Isso está agora bem compreendido. Bem menos compreendido é o fato de que, sem o Minotauro Global garantindo uma torrente constante de capital para os Estados Unidos (muitas vezes via Londres), estas práticas nunca teriam se afirmado como sistêmicas – nem mesmo em Wall Street.” (O Minotauro Global, Yanis Varoufakis, editora Autonomia Literária, 2ª edição, São Paulo, 2017, p. 158)

A corrupção da ciência econômica (porque os governantes dos EUA desejavam exercer poder em escala global ao fim da II Guerra Mundial) desembocou na corrupção da racionalidade política. Esse fenômeno pode ser visto claramente nos EUA, país em que os bancos continuaram a exercer um poder desmedido mesmo depois da crise financeira que levou os FED a socorrê-los.

Na zona do euro, a irracionalidade compromete a própria existência da própria união política porque a Alemanha resiste à redefinição da arquitetura financeira da UE. Após detalhar três propostas racionais para a solução da crise do euro (garantia de liquidez aos bancos pelo BCE; assunção de uma parcela da dívida pública de todos os Estados membros da UE no balanço do BCE para reduzir os juros pagos por cada Estado para refinanciar a parcela da dívida restante; a transformação do Banco Europeu de Investimentos num mecanismo de reciclagem de excedentes dentro da zona do euro) Varoufakis esclarece que:

“Se a crise do euro fosse resolvida rapidamente e sem sofrimento, a Alemanha (e os outros países superavitários da zona do euro) perderia o imenso poder de barganha que a crise ofereceu ao governo alemão em relação à França e aos países deficitários.

Para expressar a mesma ideia de forma diferente, os países superavitários agora têm um pé dentro da zona do euro e outro fora dela. Por um lado, eles se ligaram ao resto da zona do euro por meio de uma moeda comum, assegurando, assim, grandes excedentes dentro do euro. Por outro lado, eles sabem que a crise em curso afeta desproporcionalmente os países deficitários e, por isso, desde que os países superavitários disponham da opção de sair da zona do euro, seu poder de negociação em fóruns da Europa é imenso. Por exemplo, sempre que a chanceler alemã quer retirar algum item da agenda europeia, ela o faz sem oposição. Mas, se a crise terminasse amanhã, de forma que impedisse os países com superávit de algum dia deixarem a zona do euro, então a chanceler da Alemanha seria apenas uma de quase duas dezenas de chefes de governo em torno de uma grande mesa.” (O Minotauro Global, Yanis Varoufakis, editora Autonomia Literária, 2ª edição, São Paulo, 2017, p. 248)

A ambição pelo poder corrompeu a ciência econômica durante Bretton Woods levando à corrupção da racionalidade política após a crise de 2008. Em consequência, a vida em sociedade foi corrompida tanto nos EUA quanto na Europa. Dos dois lados do Atlântico a riqueza financeira inventada por Wall Street produz endividamento estatal, recessão ou estagnação econômica lançando na miséria, na privação e na incerteza centenas de milhões de desempregados, subempregados e trabalhadores mal remunerados.

O livro de Varoufakis deveria ser lido por todos os brasileiros, pois o círculo vicioso que ele descreve se fechou em nosso país. A crise foi importada do primeiro mundo e acarretou a corrupção das nossas instituições públicas e a falência do regime democrático. Sofrendo as consequências tardias de uma crise financeira e política que nasceu nos EUA e se propagou pela Europa (e que não foi debelada porque os europeus e norte-americanos não fizeram o que deveria ser feito), em 2016 o Brasil foi sacudido por um golpe de estado. Não só isso.

Supostamente combatendo a corrupção, o Ministério Público Federal e o Judiciário ajudaram a arrasar a economia brasileira. Para se colocar a serviço de um sistema internacional que corrompeu a ciência econômica, a racionalidade política e a convivência social, os procuradores e juízes federais foram obrigados a corromper os princípios constitucionais do Direito Penal rasgando a CF/88 ao inventar prisões desnecessárias e proferir condenações baseadas em convicções. Ironicamente, eles ganham salários acima do teto e, portanto, também deveriam ser tratados como corruptos.

A democracia brasileira é finada. Uma parcela significativa da população quer votar em Lula, mas será impedido de fazer isso. O usurpador adotou um programa econômico intrinsecamente corrompido que produz exclusão social e concentração de renda. Em decorrência do empobrecimento da população o ódio se espalha nas redes sociais. Nas ruas o ódio já era uma realidade. Há décadas qualquer observador isento é incapaz de distinguir os mocinhos dos bandidos uma vez que os policiais agem como bandidos sempre que o povo ousa se reunir para defender seus próprios interesses.  

O usurpador sacrificou o bem-estar de dezenas de milhões de brasileiros para tentar engatar a economia brasileira na norte-americana. Michel Temer acredita que isso irá proporcionar novos investimentos, redução do desemprego, aumento da arrecadação fiscal e melhoria da economia a médio e longo prazo. Ele provavelmente não leu o livro de Varoufakis.

“Talvez a maior tragédia dos Estados Unidos, seja, enquanto estas palavras são escritas, que o debate público é encurralado em um beco sem saída. Ao se concentrarem nos QE, nos prós e contras de um novo padrão-ouro, na insustentabilidade da dívida federal, em se a solução encontra-se, talvez, em uma grande redução no padrão de vida, os norte-americanos se desviam do ponto-chave da questão: a causa de sua angústia é o fato de que, pela primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos perderam sua capacidade de reciclar os excedentes do planeta. Sem um mecanismo alternativo para executar esta reciclagem, a capacidade da América (e do mundo) para se recuperar está severamente circunscrita.” (O Minotauro Global, Yanis Varoufakis, editora Autonomia Literária, 2ª edição, São Paulo, 2017, p. 274)

Em 2008 os norte-americanos foram obrigados a abaixar e a mostrar suas bundas brancas. Apesar da arrogância, eles não conseguem mais cobri-las. Mesmo assim o usurpador brasileiro acredita que os gringos reciclarão excedentes para cobrir as bundas dos brasileiros que ele resolveu despir. Pobre diabo…

Michel Temer arquitetou o golpe de 2016 porque ambicionava o poder e o exerce da forma mais estúpida, irracional e inconsequente possível. Ao invés de procurar soluções alternativas (como fizeram os portugueses), o usurpador brasileiro se amarrou no rabo daqueles que causaram o colapso global e que não conseguem mais sair do poço em que se jogaram. O que está sendo ruim para os EUA será ainda pior para o Brasil. 

Fábio de Oliveira Ribeiro

2 Comentários

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  1. nova dimensão do holocausto

    Meus agradecimentos pela exposição. Colhi do texto este enunciado lapidar de uma das razões, talvez a menos comovente, em tempos de racionalidade economica, da política por outros meios:  “… centenas de milhões de pessoas que foram abandonadas à própria sorte para que alguns especuladores pudessem se salvar afogando a capacidade dos Estados de realizar suas obrigações humanitárias…”

    Zakharchenko: “Situation on contact line in Donbass is pre battle”

    Zakharchenko: “Republic is no place for judges-traitors” The honour of the judge should not be tarnished, but the person who has once betrayed will betray a second time. We all shared the fate of our state…

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