“Veneza Paulista” privatiza rio, por Laura Capriglione

Enviado por Fernando J.

“Veneza Paulista” privatiza rio e oferece alívio caro à crise hídrica

Por Laura Capriglione e Conta D’Água

Da Ponte.org

Enquanto a capital paulista enfrenta rodízio e falta d’água, condomínio no interior desvia curso de rio para criar clima veneziano. Moradores passeiam entre as casas de pedalinho

Você anda chateado com a perspectiva de viver o tal do rodízio de cinco dias a seco para apenas dois com água? Anda procurando, sôfrego, tutoriais no Youtube sobre como construir sua cisterna caseira? Na geladeira da sua casa, ao lado dos tradicionais ímãs com os telefones da pizzaria, da lavanderia e do petshop, agora já tem um de caminhão-pipa? Seus dias de angústia acabaram!

Bem pertinho, a 70 km de São Paulo, você poderá se tornar o feliz proprietário de uma casa com água à vontade — água até dizer chega. Na verdade, trata-se de um rio inteiro, desviado de seu curso normal só para o bem-estar e lazer dos moradores. E tudo com a segurança de um condomínio fechado, vigiado 24 horas por dia por câmeras de monitoramento.

Cenas bucólicas da Veneza Paulista. Pedalinhos e pontes marcam o cenário das ilhas artificiais. Fotos: Mídia NINJA

Trata-se do Condomínio Ribeirão do Vale, situado em Bom Jesus dos Perdões, na beira da rodovia Dom Pedro I. Ali, 200 casas, 95% das quais equipadas com piscinas, desfrutam o privilégio de ter um rio de águas límpidas passando pelo quintal. Moradores usam pedalinhos –sim, pedalinhos! — para visitar os vizinhos. Pontes românticas ligam os quarteirões ilhados.

Que lindo!

E pensar que, enquanto uns se viram com pedalinhos, piscinas e um rio para chamar de seu, quase no centro de São Paulo milhares de pessoas se veem completamente à mercê dos caprichos da Sabesp, ligando e desligando a água quando lhe dá na telha.

Contraste hídrico entre a Veneza Paulista… | Foto: Sintaema

…e a favela na Vila Mariana, bairro da capital paulista | Foto: Helio Mello/Projeto Xingu

O repórter e fotógrafo Hélio Carlos Mello, do Projeto Xingu e do Conta D’Água, testemunhou, por exemplo, o que acontece com a favela da rua Doutor Mario Cardim, na Vila Mariana. As quinhentas famílias e mais de 2.000 moradores empilhados em barracos tentando preservar alguma dignidade diante das precárias condições de saneamento e superpovoamento do local…

Noventa por cento das casas não têm caixa d’água e, portanto, quando a torneira fica seca é a vida que seca.

Quem ali tem dinheiro para comprar água mineral ou contratar caminhão-pipa a R$ 1.200 a carga de 15.000 litros?

A ironia cruel é que também a favela da Vila Mariana convive diariamente com um rio, no caso o córrego do Sapateiro, que foi aterrado e passa bem embaixo do chão. Em alguns barracos ainda dá para ouvir o som da água subterrânea correndo. Mas fica nisso.

Diariamente, os moradores da favela Mario Cardim se apressam em fazer as atividades domésticas de lavar roupas e panelas, ao mesmo tempo em que põem a comida no fogo. Tudo muito rápido, antes que a torneira seque novamente.

Mas não pensemos nisso. E voltemos rapidamente para o Condomínio Ribeirão do Vale, injustamente apelidado de Veneza Paulista. É injusto porque o condomínio tem vantagens notáveis sobre o original vêneto/italiano. Por exemplo, moradores da versão brasileira podem pescar em seus quintais peixes nativos, como tilápias, pacus, curimbatás, bagres. Também se encontram ali espécies alienígenas, como os matrinxãs, que foram trazidos da bacia amazônica especialmente para o local.

Veneza perde!

Foto: Mídia NINJA

Os repórteres da Conta D’Água visitaram o condomínio para ver como funciona esse paraíso. Entraram na área privada a pretexto de comprar um imóvel. Havia dois, anunciados pela internet.

Logo no primeiro, depararam-se com o morador na casa vizinha, senhor Luís, que explicou: o condomínio mantém três moinhos em funcionamento permanente a fim de oxigenar a água e manter os peixes saudáveis por mais tempo.

Pescador sortudo, ele se vangloriava da peixada de curimbatá na brasa que fizera na véspera. “Aqui é um oásis no meio da seca”.

O oásis, no caso, custa caro: R$ 330.000, que é o preço de um imóvel assim anunciado: “4 dormitórios, 3 wc, sala, cozinha, varanda com churrasqueira, piscina, rio com pedalinho”.

A ducha de água fria, contudo, o próprio corretor encarregou-se de jogar nos ansiosos compradores que éramos nós. É que as casas do local não têm escritura definitiva. Mas apenas uma tal “escritura de direitos possessórios”. Ou seja, R$ 330.000 a menos no bolso, o comprador será apenas um “posseiro”, sem direito a registro definitivo do imóvel.

Mas, o corretor avisa, “não tem perigo, não”. “O próprio ex-prefeito de Bom Jesus dos Perdões, Calé Riginik, do PSDB, é o morador até hoje da casa 10 do condomínio. Você acha que o ex-prefeito compraria um imóvel aqui se houvesse o mínimo risco de perdê-lo?” Imagine o leitor se em vez do prefeito e de gente como nós, fingindo ter R$ 330.000, “cash”, se não haveria risco de uma violenta “ação de reintegração de posse”, como aconteceu no tristemente famoso caso Pinheirinho.

Sistema de segurança do condomínio e o que restou do Rio Atibaia, ao fundo. Foto: Mídia NINJA

Em uma entrevista ao jornal “Folha de S.Paulo” realizada em 2010, o então secretário de obras de Bom Jesus dos Perdões, Gerson Coli, admitiu que o condomínio foi instalado sobre o leito do ribeirão Cachoeirinha, “sem licenças dos órgãos devidos (como a Cetesb)”.

No dia 4 de novembro de 2011, entretanto, veio a redenção diretamente do Departamento de Águas e Energia Elétrica da Secretaria de Saneamento e Recursos Hídricos do Governo do Estado de São Paulo, sendo governador o tucano Geraldo Alckmin (PSDB).

“Fica a Sociedade de Amigos Marinas do Atibaia autorizada a utilizar recursos hídricos no Condomínio Ribeirão do Vale, para fins de lazer e paisagismo”. O despacho informa ainda que a água do ribeirão da Cachoeirinha pode ser captada à razão de 97,42 m³/hora, durante as 24 horas do dia, todos os dias e meses do ano.

Dá um total de 97.420 litros captados por hora. Ou 2.338.080 litros por dia. Ou 70 milhões de litros por mês. Ou 840 milhões de litros por ano.

O delírio paisagístico também se expressa na decoração do condomínio. | Foto: Mídia NINJA

Faça chuva ou faça sol, a água do Ribeirão da Cachoeirinha, água limpa que vem do alto da serra, será desviada por entre os canais artificiais que atravessam o condomínio, para só então ser lançada no Rio Atibaia, que abastece 95% de Campinas (SP), e precisa ser frequentemente socorrido por água do Sistema Cantareira (esse falido), já que se encontra em níveis críticos.

As palavras “crise” e “falência” estabeleceram nos dias atuais uma terrível parceria com as palavras rio, represa, abastecimento e sistema hídrico. E pensar que a palavra “Atibaia”, que dá nome ao rio que recebe as águas do condomínio, veio do tupi, significando rio manso, de águas tranquilas, abundantes, agradáveis ao paladar, “manancial de água saudável”.

É triste.

Em volta da tal Veneza Paulista, nas beiras dos rios, mais da metade da mata nativa já foi convertida em plantações de Eucalyptos urophylla, destinadas à produção de lenha e carvão, fonte energética para alimentar os fornos das pizzarias e padarias da Região Metropolitana de São Paulo.

O resultado dessa devastação toda, que acaba em pizza, tem sido a redução espetacular e veloz do total de chuvas na região. Em apenas vinte anos (de 1985 a 2005), o total de precipitações pluviométricas ali caiu de 1.800 mm por ano para uma média de 1.200 mm por ano.

Quando tudo acabar, entretanto, se comprarmos nosso chalé no condomínio, poderemos dizer, como num filme: “Nós sempre teremos Veneza…”

Mas cadê a graça de viver assim?

Calma e pescaria na Veneza Paulista. Seu Luís | Foto: Mídia NINJA

Redação

15 Comentários

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    1. Rir do que Sr. Wanderley?

      Rir do que Sr. Wanderley?  Ver mais um episódio de desperdicio de água em um local aparentemente carente de tudo? Como dizia meu velho pai … em boca fechada no entra mosca….se não tens nada a dizer não diga nada.   

      Depois de ver essa  reportagem absurdamente mentirosa, como proprietário de um imóvel neste local eu posso te garantir que não existe desperdicio de água, nem muito menos os famosos  GATOS que são comumente encontrados por ai afora.  

  1. Essa matéria é mentirosa e

    Essa matéria é mentirosa e sensacionalista. Eu conheço esse condomínio e afirmo que não é nada disso.

    Basta ler a matéria com o mínimo de atenção – ao invés de ficar só no título chamativo – e verá que as “denúncias” não se sustentam.

    1) Esse condomínio existe desde 1985, quando estávamos longe de ter crise de água.

    2) Pense um pouquinho só na seguinte frase tirada do texto:

    “O oásis, no caso, custa caro: R$ 330.000, que é o preço de um imóvel assim anunciado”

    330 mil é caro? É o preço de uma mansão? Só milionário pode pagar esse valor?

    Então os milionários de São Paulo capital estão morando em apartamentos de 1 dormitório. Basta fazer uma rápida pesquisa – coisa que a jornalista Laura não fez – para ver que na capital um AP de quarto-sala (1 dormitório) sai por esse preço.

    1. Eu teria muitas críticas e

      Eu teria muitas críticas e observações a fazer sobre esse texto. Mas é cansativo.

      Enumerei 9 e publiquei no blog da Sra. Laura Capriglione. Fui devidamente censurado.

      Fui censurado também no Conversa Afiada. Espero que aqui mantenham meu comentário.

      O que me preocupa é a vejização acelerada desses espaços ditos progressistas, blogs sujos, de esquerda, ou, simplesmente, criticos da Veja.

      Ora, se são críticos da Veja porque fazem o mesmo? Qual é o objetivo de uma reportagem dessas que muito se assemelha a um “assassinato de reputações”?

      1. A mera reprodução acrítica

        A mera reprodução acrítica desse texto cheio de erros, faz um espaço como este – o blog do Nassif – perder a qualidade.

        Porque não se informar antes de publicar? Não é essa uma das críticas à velha mídia? Porque publicar e repercutir um texto com informações delirantes?

        O CAF me parece caso perdido pois apagou meu comentário onde eu mostrava as incorreções do texto da Sra. Laura.

        Espero que este blog do Nassif se salve do processo de vejização.

        E, em tempo, ignorem esse texto que é mentiroso, leviano e sensacionalista, bem ao sabor do assim chamado PIG.

      1. Eduardo,
        não moro e nem tenho

        Eduardo,

        não moro e nem tenho propriedade ali, mas conheço o local e já estive em casa de conhecidos.

        Concordo com o brega, mas não me parece uma imitação de Veneza. Apenas, como expliquei no comentário acima, foi feito assim pelo antigo dono.

        O que fiquei indignado, na verdade, é com a falta de cuidado com que se publica matérias.

        E, sinceramente, me decepcionei com o Nassif e o PHA do Conversa Afiada, dois dos sites que mais admiro e leio diariamente, republicando uma reportagem acriticamente, sem a devida apuração.

        A reportagem está errada. Enviei para o conhecido que tem propriedade lá e ele também ficou indignado.

      1. Aquilo não é uma ocupação

        Aquilo não é uma ocupação ilegal.

        O antigo dono fez um clube e chalés para as pessoas passarem o fim de semana. O projeto não deu certo e ele vendeu separadamente o clube e os terrenos com os chalés.

        A  “escritura de direitos possessórios” é legal. Ninguém ali é “posseiro” como maldosamente a Laura Capriglione se refere. Alguns proprietários compraram seus terrenos ainda no ano de 1985. Não haverá violenta “ação de reintegração de posse”. O condomínio em questão não é o bairro Pinheirinho de triste memória.

        A demora de se obter a escritura definitiva dos terrenos é devido à excessiva lentidão da justiça brasileira.

        E a água não é usada indevidamente ali. Foi feito um canal que usa a água do rio Atibainha – até o nome do rio está incorreto na reportagem – e esta água VOLTA para o mesmo rio. Não há consumo.

    1. 1) Quem disse para você que

      1) Quem disse para você que todos os proprietários são tucanos? Como você pode afirmar isso?

      2) Sua frase diz muito sobre você. É nesse tipo de país que você quer viver? Um lugar onde mandam seres humanos para o “paredón”? Então vá pra esse lugar. Eu prefiro continuar a ajudar a construir a nossa difícil democracia.

      abraço e sucesso !

  2. Veneza Paulista

    Essa reportagem retrata um delírio jornalistico, embasado por uma mentalidade da imprensa que chega a sofrer de Esquizofrenia coletiva.

    Todas as informações ali contidas são mentirosas e tendenciosas, a conferir:

    O Projeto é de 1974, aprovado e realizado de acordo com as normas vigentes à época.

    A regularização jurídica do condomínio foi de iniciativa dos condôminos para corrigir erros do Cartório. Foi iniciada em 1998 e se arrasta até hoje. Só para esclarecer, tenho arquivados 28 carnês de IPTU, todos devidamente quitados, é claro!

    O Condomínio não se utiliza da água, que sai de um córrego afluente do Rio Atibainha, TRANSITA pelos canais e é devolviSa ao rio NA MESMA QUANTIDADE QUE ENTROU!!!

    Tem mais: trata-se de uma outorga legalizada junto ao DAEE, pela qual somos tributados mensalmente e pagamos a taxa religiosamente.

    INSANIDADE nos responsabilizar por qualquer dano à captação da represa, visto que estamos situados rio ABAIXO, distantes 8 km da comporta da vasante da mesma. A água potável que utilizamos é fornecida pela Prefeitura, através da cobrança por meio da hidrômetros instalados em todas as casas.

    O ex-prefeito citado realmente mora na casa 10, há mutos anos, e não teve interferência nenhuma na implantação do projeto, visto que sua gestão é posterior aos fatos. É só ser HONESTO e conferir com a Prefeitura local, como faria qualquer jornalista decente.

    Temos toda a documentação arquivada para provar nossa lisura de procedimentos, mas só o faremos mediante a exibição de um atestado de bons antecedentes MORAIS.

    Resta lamentar o uso de SOFISMAS IMORAIS para promover SENSACIONALISMO BARATO!!!

    O que mais o Brasil precisa hoje é aproveitar a crise para eclodir idéias criativas e não de baderneiros provoando incêncios inúteis!

     

  3. Nao concordo com essa

    Nao concordo com essa materia

    Concordo que a ideia de fazer um condominio parecido com veneza eh absurda e de um mal gosto sem tamanho, mas quem teria que ter fiscalizado isso foi a CETESB ha 30 anos atras quando comecaram a construir o tal condominio…

    -330 mil nao se compra um apto de 25 m2 em certas partes do Rio Brasilia ou Sao Paulo e pra falar a verdade nao vi na materia ou nas fotos nenhum bando de milionarios de SP, mesmo porque milionario nao compra imovel sem escritura…

    Alem disso na minha opiniao o fato da agua circular pelos canais do condominio e voltar para o rio nao eh um grande problema (em termo hidricos) dado o tamanho do condominio eh sim um problema ambiental que a CETESB tinha que ter fiscalizado antes..

    Outro ponto eh sobre a reducao da quantidade de arvores em determinada regiao sugerindo mudancas no indice de pluviosidade da mesma, eh absurdo pensar dessa forma… supressao da vegetacao reduz sim o numero de nascentes pelo resecamento do solo, mas sugerir que foi isso que reduziu a quantidade de chuvas…

    Concordo com o comentario do socram pb e acrescento que esses blogs alternativos sao para pessoas que pensam e estao em busca de um ponto de vista diferente (o outro lado da noticia dada pela grande midia) se comecarem a publicar coisas desse tipo vao perder o publico bem rapido, pois a grande maioria aqui esta de saco cheio de reportagens como essa

     

     

     

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