A crônica de Drauzio Varella sobre a sua São Paulo

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Enviado por anarquista sério

Belíssima crônica que reflete a minha neurótica maneira de enxergar e viver em São Paulo:

da Folha

São Paulo

por Drauzio Varella

O que me encanta e desafia é a imprevisibilidade, o estar por fazer, a paisagem humana, a confusão urbana

A cidade em que passamos a infância nos perseguirá pela vida afora.

Podemos mudar para outras regiões ou países distantes, viver por décadas na neve ou no sol escaldante, na calmaria da província ou no burburinho da metrópole, não importa, as ruas de nossos primeiros passos estarão em cada esquina.

Nasci no Brás, bairro cinzento, com ruas de paralelepípedos, em que o apito das fábricas marcava a rotina dos operários com as marmitas, os afazeres das donas de casa e da molecada que passava o dia comigo no futebol na calçada da fábrica, em frente à casa em que morávamos.

Numa época em que as famílias levavam as cadeiras para fora nas noites de calor e as contas de luz, água e telefone eram pagas no centro, a cidade já havia crescido tanto que para não me perder na multidão da rua Direita, Praça da Sé ou viaduto do Chá, precisava agarrar firme a mão enorme de meu pai.

São Paulo seguiu em delírio de grandeza. As fábricas emigraram, a prestação de serviços virou fonte de riqueza, avenidas, lojas, bancos e supermercados chegaram a bairros distantes. Moradias e escritórios cresceram na vertical. Para ver a lua, corro risco de vida debruçado na janela do meu prédio. É um formigueiro de gente afobada. O trânsito insuportável não respeita horário nem fluxo e contrafluxo. A violência urbana, enfermidade contagiosa, virou fobia universal. Construímos mais cadeias superlotadas.

São Paulo é sobretudo feia. Esbanja mau gosto no neoclassicismo brega dos edifícios com nomes franceses, nas vitrines, no desleixo generalizado com as fachadas, nas grades que aprisionam famílias, na pichação grosseira, na cafonice das decorações natalinas, na iluminação mortiça das noites, na americanice grandiloquente dos shoppings, no emaranhado de fios elétricos, nas casas sem reboque das favelas e da periferia inchada, no lixo das calçadas, na tragédia da cracolândia e na miséria andrajosa dos moradores de rua.

Conheci cidades sem um cisco no chão, habitadas por cidadãos instruídos, à beira-mar ou no meio das montanhas, com horizontes a perder de vista, ruas sem imprevistos, silenciosas às oito da noite, bares que fecham às dez. Lugares idílicos, aprazíveis num fim de semana, mas para neuróticos com a alma impregnada pela balbúrdia paulistana, como este que vos escreve, morar neles seria flertar com o suicídio.

O que me encanta e desafia em São Paulo é justamente o estar por fazer, a imprevisibilidade, a confusão urbana que me obriga a reinventar o jeito de viver a cada ano que passa.

É a paisagem humana, o caldeirão de negros, brancos, mulatos e orientais, senhoras de roupas recatadas, meninos com o boné virado para trás, homens de gravata, casais que se beijam na boca no meio dos transeuntes, mulheres sedutoras, homossexuais de mãos dadas, camelôs, bêbados, travestis, putas, entregadores de pizza e a legião de motoqueiros que zumbe entre nossos carros atolados no asfalto.

Pernambucanos, paraenses, gaúchos, bolivianos, europeus, asiáticos, africanos, a cidade acolhe a todos. Não que os receba de braços abertos, longe disso, mas se chegam dispostos a trabalhar ninguém lhes pergunta de onde vieram.

Hoje, há mais verde nas ruas. Alheios à poluição florescem ipês amarelos, roxos e brancos, flamboyants vermelhos e alaranjados, tipuanas de flores miúdas que atapetam as calçadas, jacarandás mimosos e as sibipirunas com flores amarelas que imitam canários pousados nas copas.

Os pássaros estão por toda parte: bem-te-vis, sanhaços, tico-ticos, chupins, maritacas em algazarra, sabiás-laranjeira que cantam de madrugada. Se até eles que podem voar para qualquer sítio escolhem viver neste inferno, por que não eu?

Quero passar o resto dos dias nesta cidade atormentada, desigual, agressiva, gigantesca, absurda, com museus, livrarias, cadeias, botequins, restaurantes, orquestras sinfônicas e mais de cem espetáculos teatrais no fim de semana, ainda que as obrigações e os congestionamentos não me permitam ir a esses lugares.

E, acima de tudo, trabalhar e conviver com a massa crítica de seres inquietos, diversificados, com histórias de vida e visões do mundo estranhas às minhas, que construirá a São Paulo dos meus bisnetos.

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

7 Comentários

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  1. Os Opinadores

    O Dr. Dráuzio Varella é do tipo “deixa que eu chuto”. Assim como o Arnaldo Jabor, que possui licença “00” da rede Globo para atirar em qualquer um; existe no Brasil uma turma de “opinadores” oficiais e, seja qual for o tema, os meios de comunicação vão sempre a lhes pedir opinião. Desde a época do Carandiru, onde ele teve uma atitude destacada e que o projetou nacionalmente, o Dr. Varella está hoje em qualquer discussão, de qualquer tema, seja esportivo, histórico, saúde (aí tudo bem), comportamental, júri em algum show de calouros, etc. Não o acho um mal sujeito, embora deva existir gente mais preparada e especialista nos temas onde ele pega sempre a bola para chutar.

      1. Compara-lo com o Jabour, não !

        Mesmo tendo ressalvas ao Dr. Dráusio, ja citadas acima, compara-lo com esta topeira que assina como Arnaldo Jabour, não ! O paulistano da gema, pelo menos tem pedigree. É paulista e cidadão paulistano. O outro…

    1. Este texto é uma crônica …

      … e uma crônica é gênero literário em que o escritor conta casos, compartilha impressões, sensações, amores, desamores… Como no caso desta. Às vezes até veicula opiniões. O que não é o caso desta. E não se pode dar opinião sem antes pedir autorização.. para quem mesmo?

       

  2. Faltou ao Dr. Dráusio…

    Assino embaixo, da crônica de amor a Sampa, do Dr. Dráusio, porem assim como ele, que viu a nossa Sampa, sair daquela pacata cidade com cara interiorana e segura, para ser a maior e mais febril cidade do hemisfério sul, aonde misturam-se todo tipo de pessoas,credos e costumes, e acolher a quem aqui, quiser “fazer a vida” e trabalhar duro.

    Faltou porem ao missivista, falar da efervecência política aqui iniciada, por aquela geraçãode estudantes secundaristas dos anos 70, que comandados por alguns ícones estudantís, que num futuro chegariam ao poder, via urnas, terem conseguido numa luta que custou muito sangue, suor e lágrimas, a redemocratização da nação, que ao que parece, foi “assistida” de longe, pelo então docente em medicina, futuro Dr. Dráusio Varella, que jamais deu um passo sequer em favor daqueles movimentos, nem gosta de manifestar-se a respeito, como se aqueles movimentos revolucionários de sua(nossa)geração, não tivesse tido importancia histórica.

    Respeito-o como um profissional do mais alto quilate, porem repudío a sua tentativa de disassociar-se da participação política, que tenta “vender” e querer separar São Paulo, daqueles citados movimentos dos paulistas e paulistanos, que criaram o atual status quo, que permite que ele, eu e muitos daquela geração, possam sonhar com uma Sampa ainda melhor, para nossos bisnetos. 

    1. Rai,
      Tem talento como

      Rai,

      Tem talento como escritor mas excessivamente vaidoso e confuso em suas opinioes.

      Ate hoje não deixou claro se apoia ou não o programa “mais medicos”.

  3.  
     O cara é articulista da

     

     O cara é articulista da Folha contratado pra escrever quinzenalmente sobre qualquer assunto.

          E é que ele faz.

         Nada mais oportuno do que sua crônica cair justamente no dia da fundação de São Paulo.

             Foi o que ele fez.

                  O cara é médico e escritor.Nada a ver com Jabour que é um profissional do ramo.

                E mais: Nem em remota imaginação,seu artigo combina com Jabor.

              É difícil lidar com petistas.Sua paranóia vê fantasma em tudo.E voa além da imaginação.

                    Que horror!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

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