Maira Vasconcelos
Maíra Mateus de Vasconcelos - jornalista, de Belo Horizonte, mora há anos em Buenos Aires. Publica matérias e artigos sobre política argentina no Jornal GGN, cobriu algumas eleições presidenciais na América Latina. Também escreve crônicas para o GGN. Tem uma plaqueta e dois livros de poesia publicados, sendo o último “Algumas ideias para filmes de terror” (editora 7Letras, 2022).
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A Imaginação Circular e Azul, por Maíra Vasconcelos

 (de novo, azul!)

Exatamente assim: criar algo novo-original é desolador. Oh!, teatralmente assim verás: conhecerás a solidão do quarto de criações. E este olhar aos céus em jogo de estar.
Ninguém sabe sobre aquilo que é feito por primeira vez. Este amanhã é desenhado por poucos inconformados. A começar: estranha-se a si mesmo. E as próprias mãos untadas na sensação de originalidade.

O céu é azul feito a pinceladas variadas-agitadas.

Aqueles ocupados para que a primeira vez de alguma criação aconteça, estarão irremediavelmente sozinhos olhando o céu. Tentando descobrir nuances.

É coerente a solidão vivida pelo indivíduo criativo. Toda conversa que não seja consigo mesmo é descarte de tempo. Pois tempo é feito justamente para tais displicências.
Tempo guardado acontece apenas quando se tem uma obra – a arte perpetua. O tempo congelado está concretizado em literaturas, pinturas, desenhos e plásticas. E no quarto daquele que cria. O resto do tempo do mundo é uma forma de atirar tudo à terra.

E nem ao menos porque escrevo, tenho necessariamente a palavra. O que tenho chama-se: originalidade. A surgir como deverás: Oh, criação! – parece que hoje desejaria escrever teatro.
Minha originalidade somente entrará pela palavra escrita. Não aprendi a fazer outra coisa. E as inutilidades se complementam. Fui rude agora, e por isso recebo um cutucão; eu que devo ser apenas delicadeza.

(outro dia explico esta obrigação da delicadeza, misérias de uma flor; isso poderia ser o título de outra crônica..estou me adiantando)

Originalidade pode ser uma repetição. Sim! Eis a imensidão contraditória dos seres criativos. O novo-velho pode ser uma primeira vez. O tempo é que dita o fato. E o tempo de cada indivíduo nunca é o mesmo. Nós escrevemos o que já foi dito há mil milênios de anos.

O céu de ontem nunca será como o de amanhã!
.mesmo quando está todo lisinho no azul. .o céu se cria e recria abundantemente.
A originalidade tem olhos aos céus, e busca tons azulados que sejam diferentes, em meio a todo o seu infinito azul.

A palavra depende do tempo-segundo particular de cada um. Mirando no olho do céu-furacão. Poderei então ter milhares de segundos de original repetição! Piscadelas frenéticas. Sou mil e uma e trezentas vezes repetitiva, nos anos de muitas vidas.

Sou criativa por necessitar transformação junto à realidade. A realidade irá piorar e não sei ainda como farei. Tornar-me-ei obsessivamente criativa. O azul do céu será meu abrigo.
A originalidade, quando não vier, fará com que eu morra de sede no quarto. Vendo cada hora ir embora. Esperando a criatividade para sonhar que tudo é sempre uma primeira vez.

Criar é ter a sensação das coisas pela primeira vez, mesmo quando se tem setenta anos. O dom da repetição criativa é uma questão de abstração e crença pessoal.

A coerência de cada uma destas palavras existirá pelo simples fato de que a solidão foi-me dada. Toma-te uma boa dose de característica pessoal! De posse da solidão criativa, o resto vem como se fosse água em dias de seca. Nestes dias em que olhando imóvel o quarto parado, terei a certeza de que por fim o tempo estaciona. Estarei assim a criar, nada mais.

Leio os jornais e não existe nenhuma crônica como esta!, onde transito sendo algumas mulheres. Estamos sozinhas, realmente. Além do mais, nem ao menos sou cronista. Claro!, sou a-cronista. E ainda semanal. Insisto em cumprir com o que devo. Deveráááássss..!

Talvez ninguém leia o que é diferente de tudo. O tudo está de um lado, o diferente fica do outro lado. Quanto terá que se caminhar para chegar ao diferente? Eu já cheguei. Mas não sei quem vem comigo. E nem quando virão. O tempo de cada indivíduo é um mistério. Há quem paralisa, mas há quem não se paralisa junto ao tempo. Depende da produção do ¡Eu! de cada um.

As pessoas podem existir comigo, neste meu lado de cá. Sempre e quando elas queiram ler uma crônica que não é bem uma crônica. Às vezes é escrita por mim, e às vezes por força maior, quem vos fala é Ângela. E isso pode mudar rapidamente de um parágrafo a outro. Depende da densidade das palavras de cada semana.

Prometo não aparecer com novos personagens. Senão ficará tudo difícil demais para ser apenas uma crônica-inusual. Deixaria todos perdidos entre bichos-pessoas-flores loucas vivas mortas desconhecidas e ressuscitadas em minhas palavras. Ah!, estou ficando ousada demais. Depois ninguém vai gostar de mim.

Eu não quero ficar sozinha criando inventando. O azul do céu é vasto, mas também cansa tanto!

Estou aqui para ter modos junto à escrita. Preciso acontecer em cada palavra, abrir a porta de madeira ou tirar o vestido. Criar é meu fascínio e minha vida! A originalidade bate à minha porta e atiça meu corpo.

Sem criar eu perco o ar do paladar. Sou murcha, estilhaçada. Perco sentido de estar, não pertenço a nenhum lugar, e bebo qualquer coisa apenas para dizer que tenho sede. Mas não se finge que há desejo. Ninguém acredita.

Mesmo que desejar seja arriscado. Porque depois de alcançado o desejo tem-se a morte. Ou inventa-se outro desejo para ir-se à constante mutação, até ser mais bicho do que já se é. Sem patas e antenas coloridas não é possível sobreviver no mundo da criação.

A originalidade é um estrago bem feito.

Todo ser original tem dificuldade em conseguir apoio. Tem-se, por anos e anos, a somatória de quase ninguém. Possuo mais originalidade do que anos reais de vida comprovada. Então, hoje, passadas estas mil e algumas décadas, este jornal gosta do meu lado original. Deste “a-” que permeia todas as minhas palavras.

A originalidade às vezes parece vir de mãos dadas com a solidão: toc-toc-toc.. A solidão é produtiva porque exige reação. – vou abrir a porta.
Nunca disseram que a solidão é bonita. Somente o seu resultado é bem brilhoso como lustre de cristal. Fica reluzindo.

Ah!, vou fazer um café. Porque criar cansa. Estas tais repetições que caminham séculos.. Ou alguém acha que imaginação não custa nada?!

Maira Vasconcelos

Maíra Mateus de Vasconcelos - jornalista, de Belo Horizonte, mora há anos em Buenos Aires. Publica matérias e artigos sobre política argentina no Jornal GGN, cobriu algumas eleições presidenciais na América Latina. Também escreve crônicas para o GGN. Tem uma plaqueta e dois livros de poesia publicados, sendo o último “Algumas ideias para filmes de terror” (editora 7Letras, 2022).

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